Vale pede prazo ao Codema para continuar poluindo o ar de Itabira, sem se tornar fora da lei, em troca de Central de Resíduos

Geração de poeira é recorrente todos os anos depois que a mineração devastou a serra do Esmeril sem adotar medidas mitigadoras eficazes

Por Carlos Cruz

É inacreditável, mas isso está mesmo para ocorrer em Itabira: depois de o Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema) aprovar deliberação normativa tornando mais restritivos os parâmetros para a poluição do ar na cidade em relação à resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), a Vale solicitou ao órgão ambiental municipal prazo de três anos para se adaptar à nova legislação local, pedindo a sua suspensão no período.

Diz precisar de tempo para surtir efeito as novas medidas mitigadoras, como se a mineradora já não tivesse tido tempo superior a 37 anos para cumprir o compromisso, firmado pela primeira vez em juizo, em 1986, pelo ex-superintendente das Minas Juarez César da Fonseca e pelo então gerente de Meio Ambiente Eustáquio Mendes.

Foi quando a mineradora se comprometeu com o então promotor José Adilson Bevilácqua a empregar todos os meios atuais e futuros para diminuir a poeira na cidade, adequando-se à norma vigente da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Como se não bastasse isso, a mesma promessa foi repetida em abril de 1993 pelo então superintendente das Minas em exercício Dárcio Bragança, e pelo ex-gerente geral da mina Cauê Rogério Caporali.

Em reunião solene no Centro Cultural, com a presença do ex-prefeito Li Guerra, os gerentes da Vale informaram e se comprometeram com o promotor Giovani Mansur que, com a implantação do Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD),  diminuiria significativamente o volume da poeira despejada na cidade, pois seria feita a reabilitação da Serra do Esmeril e da mina Cauê.

Nada disso ocorreru, nem mesmo após a exaustão da mina Cauê e das Minas do Meio, que vai receber rejeitos de minério, como já ocorre na primeira, exaurida em 2003. O início desde 1993 da reabilitação paisagística, objeto de uma ação civil pública, foi mais um compromisso de fazer até aqui não cumprido da mineradora, conforme pode ser observado atualmente com a Serra dos Esmeril sem vegetação, totalmente descaracterizada pela mineração desde a metade da década de 1980.

Antiga pracinha do Pará, com a Serra do Esmeril ao fundo, ainda sem ser devastada pela mineração. A reconformação da serra e o replantio das espécies nativas são compromissos não cumpridos pela Vale para diminuir a poeira na cidade (Foto: IBGE/Tibor Jablonsky/Ney Strauch)

Central de Resíduos é proposta que repete outro compromisso não cumprido pela Vale

Como “medida compensatória” para a dilatação do prazo de validade da nova norma ambiental municipal, revogando-se os parâmetros mais restritivos para a medição da poluição do ar pela mineração, a mineradora oferece – pasme! – instalar uma Central de Resíduos, a mesma que a ex-gerente de Meio Ambiente do Sistema Sul da Vale Isaura Pinho propagandeou, na virada deste século, com toda pompa e circunstância, que a empresa instalaria na cidade.

Não bastasse mais esse compromisso não cumprido, condicionante número 1 da Licença de Operação Corretiva (sic) das Minas de Itabira, aprovada em 2000, já em meados deste século a mesma conversa de a empresa instalar uma Central de Resíduos retornou na forma de medida compensatória, anunciada em reunião realizada em 14 de outubro de 2015, no Centro de Educação Ambiental da empresa (já desativado), com as presenças do ex-prefeito Damon Lázaro de Sena, secretários e vereadores.

Na reunião, a Central de Resíduos foi listada como uma das medidas compensatórias pelos investimentos de um “sub-crédito social obtido pela Vale com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a implantação dos projetos Conceição Itabiritos I e II e Adequação da Usina Cauê”.

“Os investimentos sociais (dentre eles, a Central de Resíduos, n.r) foram escolhidos pela abrangência, relevância e potencial de transformação social”, disse na reunião o então líder do projeto de Adequação da Usina Cauê, Luiz Andrade.

Posteriormente, no mesmo governo de Damon, a Prefeitura teria trocado com a Vale a instalação dessa sempre adiada Central de Resíduos pelo terreno da fazenda Palestina, onde seria instalado o Distrito Industrial 3 de Itabira. Resultado: passado todo esse tempo, nada de novo distrito industrial e muito menos da tão propalada Central de Resíduos.

Como dizia Anibal Moura, “se a Vale prometer, pegue as assinaturas e registre em cartório, pois a chance dela não cumprir é grande.” Pois é o que tem acontecido historicamente em Itabira, podendo se repetir novamente como farsa.

Contrapartida esdrúxula 

Mesmo sem ter cumprido com os compromissos anteriores, como condicionante ambiental e depois como medida compensatória, a mineradora Vale retorna com a proposta de instalar a mesma Central de Resíduos, agora na Fazenda Palestina.

A proposta da Central de Resíduos está também relacionada entre as medidas de curto e médio prazo do projeto Itabira Sustentável, que deve ser anunciado e divulgado ainda neste ano pela Prefeitura de Itabira em parceria com a mineradora.

Mas é também apresentada pela mineradora como contrapartida (sic) solicitada pela Vale em troca da flexibilização (suspensão), por três anos, dos padrões mais restritivos da resolução Codema.

Para estudar essa contrapartida esdrúxula, que deveria ter sido rechaçada desde o início pelos conselheiros do órgão ambiental, foi criado um Grupo de Trabalho para avaliar a proposta da Central de Resíduos que a Vale já deve a Itabira, pela propaganda e compromisso anunciado.

O pedido de flexibilização da Vale, com adiamento da validade dos novos parâmetros para continuar poluindo o ar de Itabira nos níveis atuais por mais três anos, “até que as medidas mitigadoras surtam efeito”, é a maior confissão pública da empresa de que muito pouco vinha fazendo de maneira eficaz para conter a poeira e diminuir as doenças respiratórias na cidade.

A proposta não deveria nem ter entrado em discussão no órgão ambiental. É uma proposta indecorosa e vergonhosa da Vale, que vai de encontro à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que fixou prazo até 2024 para o Conama estabelecer novos parâmetros, de acordo com as novas diretrizes da OMS, que endurecem limites para a poluição do ar.

Pela composição do grupo de trabalho, e também do próprio órgão ambiental, é bem provável que a mineradora consiga o seu intuito. O Codema ainda não divulgou a pauta da reunião de sexta-feira (20), o que só deve ocorrer na quarta-feira. É bem possível que a proposta da Vale seja incluída para deliberação.

Não será surpresa se os conselheiros do Codema aprovarem essa esdrúxula e indecorosa proposta. Com isso acontecendo, será o maior acinte e prova de submissão de Itabira aos interesses da poderosa multinacional Vale S.A, “a gulosa”, como dizia Drummond, aquela que quer tudo para si, devolvendo muito pouco à cidade de Itabira.

Compromisso anterior não cumprido

Leia a seguir publicação por este site da primeira de uma série de três reportagens do informativo Minas Sul, da Vale, com a divulgação propagandista da Central de Resíduos, compromisso não cumprido pela “gulosa” no início deste século, e mesmo depois como medida compensatória pelo empréstimo subsidiado pelo BNDES para o projeto Itabiritos.

Trata-se de mais um  entre tantos compromissos historicamente não cumpridos pela mineradora desde a sua fundaçã,o em 1942, como já demonstrou fartamente Carlos Drummond de Andrade em crônicas publicadas no Correio da Manhã, republicadas por este site.

Deu no informativo Minas Sul, da Vale, em setembro de 1998

Alternativas que nascem do lixo

Central de Reciclagem vai recolher, separar, beneficiar e dispor adequadamente todos os resíduos industriais e urbanos gerados em Itabira

Os lixos, ou resíduos como preferem os técnicos, recolhidos na cidade de Itabira, e nas dependências da Companhia Vale do Rio Doce, terão muito em breve como destino comum uma Central de Resíduos. Até a localização já está acertada: será em terreno da Vale, próximo do Distrito Industrial.

A proposta da Central de Resíduos, segundo Júlio Pessoa, chefe do Departamento de Meio Ambiente da Prefeitura, faz parte das estratégias para a implantação do Plano Diretor para o Desenvolvimento Sustentável de Itabira.

“Estamos colocando em pauta um item da Agenda 21”, diz ele, referindo-se ao documento aprovado pela ONU na ECO92 – o congresso internacional de meio ambiente, realizado no Rio, em 1992. O Brasil é signatário da Agenda 21, junto com mais da metade do mundo, mas muito pouco tem feito para transformar as suas recomendações em realidades nacionais.

Em Minas Gerais, apenas as cidades de Betim, Juiz de Fora, Nova Lima e Sete Lagoas já encamparam a Agenda 21 e estão com várias ações implantadas, todas buscando o desenvolvimento sustentável. “Itabira quer ser a próxima”, afirma o assessor municipal. Desenvolvimento sustentável, em livre tradução, significa investir em ações ambientalmente corretas e lucrar com elas.

Educação permanente

Para levar a ideia da Central de Resíduos à frente, a participação dos moradores será imprescindível. Recomendações serão feitas para que evitem o uso de produtos que gerem resíduos excessivos, procurando reutilizar o que for possível. Não sendo viável a reutilização, que passem a utilizar produtos que possam ser reciclados.

Dessa forma, sobrará menos resíduo não reciclável, que em menor proporção, terá como destino o aterro sanitário. Como na Lei de Lavoisier, o composto gerado pelo lixo orgânico na usina de compostagem será devolvido à terra, para reabilitação de áreas degradadas.

A meta para Itabira é ambiciosa e prevê já a partir de 2002, mesmo com a população crescendo, reduzir em 20% o volume-te atual de 50 toneladas de resíduos aterrados diariamente em um aterro apenas controlado. Hoje, só entre 10 a 13% dos bairros de Itabira têm coleta seletiva. Com a Central de Resíduos, será estendida para quase toda a cidade.

“Um dos maiores investimentos será em programas de educação ambiental”, prevê Júlio Pessoa, já planejando colocar outras propostas da Agenda 21 na pauta municipal. “A comunidade tem que estar diretamente ligada ao projeto, porque é ela que fará a separação dos resíduos domésticos”, complementa Cláudio Zillig Godtsfriedt, da gerência de Meio Ambiente da Vale.

Tanto que para breve, está previsto o lançamento de amplo programa de educação ambiental, envolvendo professores, estudantes e toda a comunidade itabirana.

Indústrias

A indústria de reciclagem é um segmento novo que está crescendo. Com a Central de Resíduos, não se descarta o fomento de indústrias de reprocessamento, daí a escolha de sua localização perto do Distrito Industrial de Itabira.

A própria Vale gera muito material reciclável, entre plástico, borracha, alumínio, sucata metálica, vidros e também lixo orgânico. A cidade gera outro tanto, mas boa parte se perde no aterro controlado, agravando o seu saturamento.

 

 

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9 Comentários

  1. A mineradora criminosa não deveria ter assento no Codema. Ela é criminosa, não pode não. Fico olhando aquele rapaz vestido de cinza, defendendo o indefensável nas reuniões do Codema e logo penso: ele não sabe o que é um país, uma nação, e acredita sinseramente que o povo de Itabira é otário… quanta pretensão….

    1. Central de resíduos é um perigo. É o lixo industrial do Ocidente coletivo trazido pra América Latina, essa bandalheira de colonizados começou na década de 90. Não posso crer que irão concordar com o lixo ocidental poluindo a Itabira.

  2. O CODEMA não pode negociar poeira e saúde. As autoridades vão fechar os olhos e permitir alterar os indices de poluição ? A Vale está confessando que pouco fez para reduzir a poluição. A central de resíduos já deveria estar funcionando, não pode entrar em negociação. Tal proposta é inegociável

    1. A posição e manifestação de Maria Alice O.Lage é uma ordem na decisão do meu voto como representante da Interassociacão. Passa a ser obrigadação minha votar contra a proposta da mineradora Vale e do prefeito Marco Antônio Lage. Acho até direto assegurado o pedido do represente da mineradora, ele cumpre ordens superiores. Mas é incoveniente e imoral o pedido da Vale. Mostra que ela não tem Responsabilidade Social com a população ITABIRANA, apesar da propoganda.

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