Vale mantém previsão de exaustão das minas de Itabira para 2041 em relatório encaminhado à Bolsa de Nova Iorque
Carlos Cruz
De acordo com o relatório Form-20, de 2023, arquivado junto à Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos em 18 de abril deste ano, a previsão de exaustão das minas do complexo minerador de Itabira foi mantida para 2041.
Esse é um indicador que leva em contra as reservas já conhecidas, com plano de lavra e concessões para a sua exploração, sem considerar ainda os recursos adicionais existentes.
Daí que esse horizonte tem sido alterado desde que a empresa deu início às vendas de suas ações na Bolsa de Valores de Nova Iorque, nos Estados Unidos, com as obrigatórias apresentações dos relatórios Form-20.
No primeiro relatório divulgado, em 2001, o horizonte de exaustão estava projetado para 2014. Já nos relatórios de 2017 e 2018, esse horizonte saltou para 2028. Já a projeção de exaustão para 2041 é repetida nos relatórios dos três últimos anos.
É bem provável que os próximos relatórios apresentem horizontes de exaustão mais elásticos, com a ampliação das cavas das minas Conceição e do Meio, cujo processo de licenciamento ambinetal já está em curso, com pedido de anuência já tramitando no Codema.
A produção de minério em Itabira foi de 28,7 milhões de toneladas ano (Mta) em 2021, caiu para 27,3 Mta em 2022, saltando para 31,2 Mta em 2023, o que resultou na maior arrecadação de royalties (Cfem), devendo refletir positivamente na receita com ICMS ainda nos próximos anos.
Reservas
A novidade deste ano é a apresentação não só das reservas provadas, mas também as inferidas e indicadas, que descrevem diferentes níveis de comprovação ou não da existência de minério de ferro em seu subsolo.
Reservas provadas são as que possuem viabilidade econômica comprovada e já estão sendo exploradas. As reservas indicadas são os recursos conhecidos por meio de prospecções geológicas, mas ainda sem plano de lavra, estudos de viabilidade econômica e ambiental, dependentes de estudos adicionais.
Já as reservas inferidas são estimadas com base em informações geológicas, mas ainda sem estudos aprofundados, podendo ser meramente especulativas, ou não.
No relatório Form-20 do ano passado, divulgado neste ano, Itabira se apresenta com reservas minerais provadas de 255,6 milhões de toneladas (Mt), com teor de ferro de 48,4% – e mais as prováveis de 545,8 Mt, 44,3% de ferro, totalizando 844,6 Mt, com teor médio de ferro de 45,7%.
Recursos adicionais
Já os recursos estão avaliados em 176,6 Mt medidos, com 53% de ferro, 303,9 indicados, com teor de 45,5%, totalizando 480,4 Mt, com teor médio de 48,2%. Há ainda o registro no relatório de mais 258 Mt de recursos inferidos, com teor de 41,9%.
No total, entre reservas e recursos, o município ainda dispõe de 1.583,1 Mt de minério de ferro, basicamente de itabiritos duros, viabilizados com os investimentos, via empréstimo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com a construção de novas plantas de concentração, inaugurando o terceiro ciclo tecnológico da mineração no complexo de Itabira.
Em 1942, quando a então estatal Companhia Vale do Rio Doce deu início à exploração de minério de ferro em Itabira – e não em 1957 como erroneamente informa o relatório anual Form-20 – essa Vila de Utopia, como à cidade se referia o poeta Drummond em crônica de 1932, “posta na vertente da montanha venerável”, adormecia “na fascinação do seu bilhão e 500 milhões de toneladas de minério com um teor superior a 65% de ferro”.
A empresa foi criada pelo governo federal com aporte de capital de 200 mil contos de reis. Em 61 anos de exploração ininterrupta, a montanha venerável, com seus 1,5 bilhão de toneladas de hematita, foi levada para a Alemanha, Canadá, para o Japão, como agora o itabirito é levado em quase toda a sua totalidade para a China. E se de tudo fica um pouco, muito pouco ficou para Itabira que ainda cisma com a derrota incomparável.
Atualmente ainda há reserva remanescente de hematita no subsolo de Itabira, cuja viabilidade econômica de sua exploração ainda está por ser confirmada, por meio de minas subterrâneas. Entra como recurso, que pode ou não ser explorado no futuro, dependendo da conjuntura econômica e industrial mundial.
Itabira, acordará um dia?
O certo é que o tempo urge para que a cidade crie condições reais de sustentabilidade após a extração da última tonelada de minério de ferro que a mineradora considerar viável explorar, sabe-se lá até quando.
Mesmo com a exaustão da histórica mina Cauê, em 2003, cuja cava atualmente recebe rejeitos e material estéril, e da mina Chacrinha, em 2016, também recebendo estéril em sua cava exaurida, a Vale ainda não abriu discussão com a cidade sobre o plano de fechamento das minas do complexo mineral de Itabira.
Mas tem apresentado, pelo menos desde 2013 , um chamado Plano Regional de Fechamento Integrado das Minas de Itabira (PRFIMI), encaminhado ao antigo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), elaborado pela Tüv Süd Bureau de Projetos e Consultoria.
Entretanto, esse importante documento até não não foi divulgado oficialmente pela mineradora em Itabira, que só tomou conhecimento de sua existência após ser revelado por este site de notícias.
Nesse PRFIMI consta a proposta do Ecoparque Cauê, cujo “driver indutor” deve ser a produção de insumos terapêuticos para hospitais e indústria farmacêutica, com cultivo de plantas medicinais nas pilhas de estéril dispostas nas cavas exauridas – e também no platô da pilha Convap.
O documento faz referência à política já em curso de tornar o município polo macrorregional em saúde, com a diversificação e fortalecimento do setor de atendimento médico-hospitalar-farmacêutico, inclusive com a construção de um novo hospital.
“Procurou-se privilegiar, nesse ecoparque industrial, ênfase em áreas das ciências médicas que apresentem um alto potencial de retorno monetário, favorecendo, portanto, a reanimação da economia da cidade de Itabira após o encerramento das atividades de mineração”, frisa o documento, um calhamaço que Vila de Utopia compartilha para conhecimento geral aqui:
Grupo de trabalho
Até então, a discussão sobre o descomissionamento das minas de Itabira não teve início com a sociedade itabirana, que vê assustada – e inerte (“a cidade não avança, nem recua. A cidade é paralítica”), o fantasma da exaustão se aproximar.
Recentemente, na última reunião do Codema, foi aprovado a instalação de um Grupo de Trabalho (GT) para discutir com a Vale os sucessivos planos de fechamento das minas locais, já encaminhados à agência reguladora da mineração.
A proposta é tomar conhecimento desses planos e cobrar para que medidas compensatórias, que levem à diversificação da economia local, possam ser implementadas desde já, inclusive ocupando áreas de diques descomissionadas nas barragens, como também outras áreas mineradas já exauridas.
Sem isso, quando chegar a hora das luzes do complexo minerador de Itabira se apagarem, não haverá mais tempo. E o maior trem do mundo não voltará, “pois nem terra nem coração existem mais”, como já advertiu Carlos Drummond em crônicas e poemas.
“A cidade não avança nem recua. A cidade é paralítica. Mas, de sua paralisia provêm a sua força e a sua permanência. Os membros de ferro resistem à decomposição. Parece que um poder superior tocou esses membros, encantando-os. Tudo aqui é inerte, indestrutível e silencioso. A cidade parece encantada. E de fato o é. Acordará algum dia? Os itabiranos afirmam peremptoriamente que sim. Enquanto isso, cruzam os braços e deixam a vida passar. A vida passa devagar em Itabira do Mato Dentro.”
– Itabira, onde estão tuas trinta fábricas de ferro do tempo do barão de Eschwege, com seus cadinhos dotados de trompas e martelos hidráulicos, os seus fornos e as suas oficinas de armeiro, que antecederam e suplantaram em eficiência a real fábrica do Morro do Pilar? (Vila de Utopia, Carlos Drummond de Andrade).
Acesse o relatório Form-20, de 2023, aqui: