Vale contesta direito de empresa pesquisar rejeito e diz que querem surrupiar o que lhe pertence
Carlos Cruz
Por meio do escritório de advocacia Sérgio Bermudes, a empresa Vale entrou com embargo na 14ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) para impedir que a Itabiriçu Nacional Pesquisa Mineral realize pesquisas geológicas na barragem do Itabiruçu, em Itabira, para futura exploração econômica do rejeito de minério de ferro.
Em um acórdão, publicado em 23 de agosto, três desembargadores do TJMG confirmaram sentença de primeira instância, da Comarca de Itabira, que restabeleceu o direito de a empresa Itabiriçu realizar as referidas pesquisas geológicas na barragem – e também em pilhas de estéril na mina Conceição.
Os desembargadores reconheceram o direito de ingresso na área do perito nomeado pela justiça e, posteriormente, de geólogos e demais técnicos da empresa detentora do alvará de pesquisa. Esses profissionais estariam autorizados a realizar serviços de mapeamento geológico e de geofísica.
Antes, porém, o perito nomeado irá avaliar possíveis danos que essas pesquisas podem causar ao proprietário do imóvel, no caso, a mineradora Vale. Com a perícia, segundo a própria defesa da Vale, serão avaliados “os impactos que os pretensos trabalhos de pesquisa causariam às estruturas e atividades da embargante no local”.
Contestação
Em sua defesa, a Vale sustenta a ausência de legitimidade da pesquisa. “Com efeito, sabe-se que, em nosso ordenamento jurídico, os direitos devem ser exercidos de boa-fé, dentro de suas finalidades precípuas e sem abuso. Nada disso, contudo, se pode dizer da postura da embargada.” Para a defesa, a Vale é a única detentora do rejeito de minério contido na barragem.
“Itabiriçu deixou claro que não tem a intenção de empreender pesquisas naquele local, mas de se apropriar do material que ali é depositado pela Vale há décadas, no bojo de suas – essas sim legítimas – atividades exploratórias no Complexo Minerário de Itabira.”
Sendo assim, segundo a defesa, a pretensão de a Itabiriçu explorar o rejeito não é legítima – e não encontra amparo no ordenamento jurídico do país. De acordo com as alegações da Vale, o Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM) já emitiu parecer a esse respeito, no qual teria sustentado que a titularidade dos rejeitos e estéril , dispostos por mineradoras, pertencem à própria empresa que os gerou.
A Vale argumenta ainda que somente se pode cogitar o aproveitamento desse material por terceiros caso o título de lavra já tenha sido extinto. E que o “rejeito/estéril tenha sido definitivamente abandonado”.
Interesse público
A defesa da Vale rebate o “alegado interesse público” que se teria com a realização da pesquisa pela empresa Itabiriçu. Segundo o acórdão do TJMG, esse interesse determinaria um procedimento célere para que se dê início às prospecções geológicas na área pela empresa detentora do alvará de pesquisa.
Porém, conforme sustenta a mineradora, esse interesse público se traduz na manutenção das atividades exploratórias da Vale na área, sem interrupção ou interferência de terceiros.
“Qualquer interferência na área coloca em risco a integridade dessas estruturas (da barragem) – cuja contínua manutenção e acompanhamento são realizados pela Vale – e do próprio material, que a Itabiriçu, insista-se, pretende surrupiar”, acusa a defesa da mineradora.
“A Itabiriçu Nacional sequer deseja, como já visto, avaliar o efetivo potencial minerário da área em questão – cuja inexistência já foi atestada pela Vale, em relatório negativo de pesquisa – mas causar obstáculos às atividades exploratórias da embargante e se apropriar do material por esta depositado naquele local.”
Alega ainda que o fato de se obter alvará de pesquisa não é por si capaz de se sobrepor à relevância das atividades desempenhadas pela mineradora no local. Para a Vale, essa relevância é atestada pelo fato de o complexo minerador de Itabira ser responsável por gerar mais de 11 mil postos de trabalho.
Esse número de empregos apresentada pela defesa é bem acima do que a Vale informa ser gerado pela mineração no município. Diz ainda que o complexo contribui com mais de R$ 1,8 bilhão em tributos por ano para a economia de Minas Gerais.
Nessas circunstâncias, insiste a defesa, feita a comparação da situação “fática” das duas empresas, conclui-se que o interesse público, definitivamente, reside na manutenção das atividades da Vale, de forma livre e ininterrupta, em detrimento das claramente ilegítimas pretensões da Itabiriçu”.
Em decorrência, pede que seja sanada a omissão quanto à correta identificação do interesse público. E que seja reconhecida a necessidade de impedir quaisquer intervenções nas atividades da Vale no local.
Perícia
Superadas as “contradições” apontadas, mesmo que o TJMG mantenha a realização da perícia para avaliar os impactos das pesquisas pela Itabiriçu, a defesa da Vale pede, “para mero efeito de argumentação”, que seja dada a oportunidade às partes de nomear assistentes técnicos para que possam formular quesitos e acompanhar a integralidade dos trabalhos.
Para a defesa, essas prerrogativas deixaram de ser observadas na decisão do TJMG. “Essa determinação, além de afrontar o procedimento do Código de Mineração, também desrespeita o direito de defesa da Vale, que será gravemente prejudicada por qualquer intervenção no local.”
A Vale solicita, ainda, que o acesso à área, caso mantido, seja autorizado única e exclusivamente ao perito nomeado – e com o único propósito de avaliar o local e os “impactos da suposta pesquisa”.
Direito de pesquisa é concedido pela União e será exercido, sustenta geólogo
Everaldo Gonçalves, geólogo e um dos proprietários da Itabiriçu Nacional Pesquisa Mineral, sustenta que o direito de realizar as pesquisas em parte da barragem do Itabiruçu – e também em pilhas de estéril contendo itabirito compacto, foi adquirido por meio de licitação da União.
“A própria Vale irá pesquisar em área vizinha, mesmo tendo apresentado relatório de pesquisa negativo. Se ela participou dessa outra licitação, entrou para fazer o quê? Especulação? Não se admite tal ato de contradição por parte da maior mineradora do mundo. A Vale vai ter de se ‘redescobrir na jazida antropogênica’”, sustenta o geólogo.
Conforme ele explica, “as áreas com rejeito são consideradas jazidas antropogênicas, que foram geradas pela ação humana no processo de mineração. É um minério como qualquer outro. Por lei, quem quiser reaproveitá-lo precisa requerer o direito mineral. E isso a Vale não fez. Ao deixar de requerer, perdeu o direito para a nossa empresa.”
O geólogo acredita também que o embargo requerido pela mineradora não tem efeito suspensivo da decisão do TJMG. “O plano de pesquisa que a Vale apresentou para ganhar a licitação de uma outra área, também no Itabiruçu, certamente é igual o meu. Eu não posso pesquisar no terreno da Vale, mas ela pode pesquisar em terrenos de terceiros. Foi um erro de estratégia.”
Gonçalves assegura que a sua empresa irá empregar os mesmos métodos que são utilizados pela Vale em suas pesquisas geológicas. “As prospecções que iremos fazer não oferecem riscos à segurança da barragem e nem à pilha de estéril”, assegura.
Defesa diz que notícia foi “fabricada” por este site
A defesa da Vale acusa a Itabiriçu Nacional de ter propalado na mídia que teria adquirido direito minerário na área. “A notícia fabricada (sic) pela embargada, cuja íntegra segue em anexo, traz a seguinte – falsa e preocupante – manchete: ‘Empresa ganha direito de pesquisar rejeito na barragem do Itabiruçu para futura exploração’.”
Para a defesa, a “deturpação do conteúdo do acórdão na mídia, gravemente censurável, é apenas mais uma demonstração da ilegitimidade e abusividade da postura da Itabiriçu, que se denuncia, desde o início, neste processo.”
A reportagem referida pela defesa da Vale é de autoria deste repórter, publicada neste site Vila de Utopia (leia aqui). Foi pautada pelo evidente interesse público que a demanda suscita, independentemente de qual será o seu desfecho.
Não se trata, pois, de matéria “fabricada” como diz a defesa. A acusação evidencia o desejo de escamotear a importância que a disputa judicial reveste para o interesse de Itabira, principalmente quando a Vale anuncia à Bolsa de Nova Iorque que as suas reservas no município irão se exaurir em 2028.
A disputa judicial trata de demanda em torno de recursos minerais existentes em Itabira. E que deve ser acompanhada pela sociedade itabirana, pelo evidente reflexo que o descomissionamento (fechamento) das minas locais ocasionará para a sustentabilidade socioeconômica e ambiental do município.
Afinal, o que esses recursos contidos nas barragens podem representar, caso virem reservas lavráveis? A Vale até então não deixou claro o que isso representa.
Ao contrário, ao mesmo tempo em que apresenta um relatório negativo ao DNPM, entra com pedido de pesquisa para esse mesmo material. Isso depois de perder direitos também na barragem do Pontal. Como explicar essa contradição?
Portanto, rechaçamos a acusação de que a reportagem publicada por este site tenha sido “fabricada”. Se assim fosse, teria de ser investigada por um suposto desvio de conduta jornalística por este repórter, que teria, caso fosse verdade, abusado da liberdade de imprensa que usufrui por direito assegurado.
A matéria é de interesse público. E será acompanhada até o seu desfecho final.
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