Vale admite remover moradores mais próximos do cordão Nova Vista antes de concluir projeto do segundo muro de contenção no Pontal
Ainda antes de concluir o projeto executivo da segunda estrutura de contenção a jusante (ECJ), no sistema Pontal, dirigentes da mineradora Vale admitiram, em encontro com jornalistas nessa terça-feira (16), que estudam a possibilidade de negociar a saída de moradores mais próximos do cordão Nova Vista antes de junho, quando espera apresentar o número total de residências que terão de ser removidas para a sua construção.
“Estamos considerando a remoção das residências que estão muito próximas dessas estruturas (cordão Nova Vista e dique Minervino) antes de concluir o projeto executivo”, admitiu o gerente de Sustentabilidade, Sérgio Costa. Somente após essa conclusão é que será, segundo a empresa, definido o número de imóveis que terá de ser removido.
A construção dos dois muros tubulares é considerada preventiva, um meio de proteger os moradores de uma hipotética ruptura de uma das estruturas alteadas a montante durante a execução das obras e serviços de descaracterização (descomissionamento). E que se espera nunca sejam utilizadas.
A primeira ECJ começou a ser montada na semana passada próxima da lagoa Coqueirinho, em área interna da barragem, com o mesmo objetivo hipotético de proteger os moradores que vivem abaixo, principalmente no bairro Praia.
Negociações
“A remoção gera impacto negativo. Por isso estamos estudando a maneira de reduzir o número de moradores que terá de ser removido. Estamos nos organizando para fazer isso (a remoção antes de junho) daquelas residências que tivermos a certeza que precisarão ser retiradas. Mas nada será feito de improviso, será tudo planejado e discutido com os moradores”, assegurou Sérgio Costa.
Para a remoção antecipada acontecer, além de negociar as saídas com os moradores, todo o processo de remoção será acompanhado pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), que defende os interesses coletivos, como também pela Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG), que atua na defesa dos direitos individuais.
Sérgio Costa disse também que está sendo negociada com o MPMG a contratação de uma assessoria técnica independente, a ser paga pela Vale, para assessorar os moradores nas negociações.
“Essa discussão (sobre a remoção das residências em área que já se sabe que será ocupada pela segunda ECJ) já estamos tendo na empresa, como é o caso da casa do senhor João. Quando fizemos o primeiro bate-papo (on line) com a comunidade, ele se posicionou firmemente e firmamos o compromisso de estudar o seu caso”, relembrou o gerente-executivo do Complexo de Itabira, Daniel Daher.
João Batista Carlos, há cerca de três décadas, vem tentando negociar a venda de seu imóvel para a Vale. Para ele, que mora “parede-meia” com o cordão Nova Vista, não dá mais para esperar a definição da empresa quanto à localização do segundo muro tubular, pelos impactos que vem sofrendo com a sua família com essa incômoda e perigosa vizinhança.
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Sem atropelos
“As pessoas que precisarem sair, só deixarão as suas casas para uma nova residência definitiva”, ressaltou Sérgio Costa, para quem toda remoção será negociada e não será compulsória.
Isso diferentemente do que ocorre nos casos de evacuação, quando moradores precisam sair às pressas diante de uma emergência, quando é iminente a ruptura de barragens.
“Ninguém vai para hotel nem para residência provisória, a menos que possa retornar à sua casa depois da construção do segundo muro, caso assim deseje e desde que isso seja possível”, admitiu Costa.
Segundo ele, serão também consideradas e indenizadas as residências compartilhadas por mais famílias, conforme admitiu na primeira reunião virtual com moradores.
Contenção adicional
Conforme tem sido exaustivamente explicado pelos dirigentes da Vale, as duas estruturas tubulares formarão imensos muros para conter a lama de rejeitos no caso hipotético de ruptura de uma das estruturas que estão para ser descaracterizadas.
A primeira dessas estruturas tubulares começou a ser instalada na região da lagoa Coqueirinhos. Conforme foi testemunhado por jornalistas, com a tecnologia e equipamentos empregados a sua montagem não provoca abalos no terreno e nem ruídos.
“Utiliza tecnologia japonesa para cravar as estacas de tubos sem causar vibração e ruídos. Visa não impactar as estruturas já existentes e também os moradores vizinhos com a sua instalação”, assegurou o gerente de Implantação de Descaracterização de Barragens, Luiz Coutinho.
Os muros serão instalados utilizando-se de tubos metálicos fixados no solo, conectados por chapas soldadas e fixadas. Formarão uma gigantesca barreira de segurança capaz de conter eventual tsunami com lama de rejeitos no caso hipotético de ruptura de uma das estruturas durante as obras de descomissionamento.
Barragem do Pontal foi construída na década de 1970
A barragem do Pontal foi a primeira estrutura de contenção de rejeitos construída em Itabira. Foi instalada juntamente com a usina Cauê, na década de 1970.
Conforme explicou o gerente de Geotecnia e Hidrogeologia do Complexo de Itabira, Quintiliano Guerra, ao longo dos anos, para não ter que abrir novas barragens e aproveitar ao máximo a existente, foram construídos diques de contenção pelo método a montante, utilizando-se do próprio rejeito.
São esses diques que estão sendo descomissionados por determinação da Agência Nacional de Mineração (ANM), tornando-se seguras com novas funções sociais e ambientais.
“Depois de Brumadinho todas as técnicas de engenharia (de barragens) foram questionadas, principalmente a técnica de construção a montante. Desde 2019 estamos analisando como estão esses diques para dar início a descaracterização com segurança”, acentuou.
A primeira estrutura já descomissionada foi o dique do Rio de Peixe, um braço dentro da barragem homônima, próximo do antigo clube Real e do clube dos Rodoviários. “Foi removido o rejeito e construído um canal para receber as águas de chuvas com segurança, além de o terreno ser revegetado.”
Neste ano teve início a descaracterização das estruturas alteadas a montante no sistema Pontal. “Já fizemos a descaracterização do dique 2, concluída em março deste ano. Fizemos o reforço do dique 3, assim como descaracterizamos também o dique 5 e estamos reforçando o dique 4”, relacionou o gerente de Geotécnica e Hidrogeologia.
Já a descaracterização do cordão Nova Vista e do dique Minervino somente será executada após a conclusão dos muros tubulares de contenção, que é para impedir o arraste da lama no caso de uma hipotética ruptura durante a etapa de descomissionamento.
Conforme explicou Quintiliano Guerra, descaracterização é o processo que elimina a função original de uma barragem, no caso, a de receber rejeitos de minério. “Após as obras a estrutura perde a capacidade de reter rejeitos e água, além de ser reincorporada ao relevo e ao meio ambiente.”
Além de ser uma exigência legal, a descaracterização reforça a segurança dos moradores vizinhos – e também das operações na empresa.
“Esses diques e cordão, depois de descaracterizados, deixam de receber rejeitos. Só água da chuva vai passar por eles. Par isso terão uma rampa suave para a água da chuva não ganhar velocidade. A estrutura será toda revegetada, assim como ocorreu com o dique do Rio de Peixe.”
Outras estruturas de contenção em Itabira
O complexo minerador de Itabira possui 16 estruturas de barragens, distribuídas pela empresa em dois eixos.
No eixo Sul estão as barragens do Pontal, Conceição, Itabiruçu, Rio de Peixe, Cambucal I e Cambucal II. Nesse eixo residem 18.695 pessoas cadastradas, vivendo na chamada Zona de Autossalvamento (ZAS).
Já no eixo Norte ficam as estruturas de contenção de Ipoema, Quinzinho, Alcino Vieira, Jirau, Piabas, Cemig I, Cemig II e Santana. Nesse eixo, residem 254 pessoas cadastradas.
Simulado
Um novo simulado de rompimento de barragem está agendado para Itabira. Será no dia 27 de novembro, às 14 horas, promovido pela Defesa Civil com os moradores da Zona de Autossalvamento da barragem do Itabiruçu.