Unifei democrática ou imperialista?
João Lucas da Silva*
No dia 27 de Dezembro de 1867, o então imperador do Brasil, D. Pedro II, nomeou Domingos José Jaguaribe como senador pela província do Ceará. Tal fato seria mais um corriqueiro ato do monarca, não fosse um detalhe: Domingos não fora o mais votado em sua província e, na lista sêxtupla encaminhada ao imperador, ele se apresentava em segundo lugar, havendo perdido as eleições senatoriais para um dos maiores dramaturgos brasileiros: o escritor e político José de Alencar.
Naquele momento da história do país, no Segundo Reinado, existia o Quarto Poder, o Moderador, que garantia ao imperador sobrepujança aos demais poderes (o Executivo, Legislativo e Judiciário). Apesar da nomeação para a Câmara Alta do Império ser uma atribuição dada ao monarca pela Carta Constitucional outorgada em 1824, a preferência de D. Pedro pelo segundo colocado contribuiu para que as críticas ao sistema político da época aumentassem, sobretudo as que se referiam aos usos do Poder Moderador.
Alencar, de acordo com seus biógrafos, nunca teria se recuperado deste golpe e a partir daí, com sua arguta pena, passou a marcar forte oposição ao imperador em suas crônicas publicadas no Diário do Comércio. Os efeitos por ter sido preterido também podem ser observados na sua literatura, que passou a ser mais sombria e amarga, ainda segundo seus biógrafos. José de Alencar fez duras críticas à decisão do imperador e o acusou de não utilizar o Poder Moderador, mas sim, o “poder pessoal”,que não teria como objetivo o bem comum, mas a vontade arbitrária do mais forte.
De lá pra cá, nestes 150 anos de história do país, o regime escravocrata foi derrubado, a República foi proclamada e o Quarto Poder eliminado. A nossa conturbada história republicana contou com muitos avanços e retrocessos no que tange preceitos democráticos: foram elaboradas quatro constituições e houve dois golpes de estado seguidos por regimes ditatoriais: o que deu início a ditadura Vargas e o segundo que marcou o começo da ditadura civil-militar. Apenas em 1988, logrou-se garantir o sufrágio universal, o que aparece como cláusula pétrea da nossa quinta constituição republicana, chamada de Cidadã, promulgada nesse ano.
Apesar dos avanços no sistema eleitoral brasileiro, observamos que o processo de redemocratização é historicamente muito recente e que o “poder pessoal“ ainda se mostra muito presente neste país, nas diferentes esferas da política e nas inúmeras autarquias do Estado.
Como um infeliz exemplo, em 28 de novembro de 2017, o reitor da Universidade Federal de Itajubá encaminhou memorando contrário à consulta pública que o Conselho de Campus de Itabira iria realizar com o intuito de conhecer a opinião da comunidade acadêmica do seu Campus quanto à divisão de sua única Unidade Acadêmica em diferentes unidades. Nesse memorando o reitor diz: “Não reconheço qualquer autoridade, nem do Conselho do Campus de Itabira, nem de seu diretor em realizar esse tipo de consulta em nome da Unifei. Dessa forma, já foi ordenado ao DSI que não execute qualquer consulta desse gênero”.
Mais recentemente, no dia 19 de abril de 2018, a reitoria da Universidade Federal de Itajubá nomeou José Eugênio e Élcio Arruda para os cargos de diretor e vice-diretor do Campus Avançado da Instituição em Itabira. Tal fato também poderia ser mais um corriqueiro ato do reitor, não fosse por um “detalhe“: estes representantes não foram os preferidos pela comunidade acadêmica de Itabira em uma consulta pública realizada semanas antes.
O cancelamento da consulta pública acerca da divisão da Unidade Acadêmica do Campus de Itabira e o preterimento da nomeação dos primeiros colocados são dois exemplos de ações que têm gerado um descontentamento generalizado da comunidade, suscitando inúmeras perguntas, tais como:
- Estaria o reitor invocando o “poder pessoal“?
- A reitoria teria um diagnóstico mais preciso sobre o que é melhor para o Campus de Itabira do que a própria comunidade deste?
- Se este for um argumento, como o reitor e seu vice conseguiriam entender tanto a realidade do Campus Avançado se eles quase não o visitam?
- Por que tanta demora em nomear os diretores após a consulta pública e ratificação do Conselho de Campus? Teria alguma relação com a aprovação da nova norma disciplinar discente que restringe a possibilidade de manifestação desta classe, apenas dois dias antes da nomeação?
- Qual é, afinal de contas, o grande problema em se ouvir a comunidade acadêmica de Itabira? Por que cancelar monocraticamente uma consulta pública (referente à divisão do campus em unidades acadêmicas) e desconsiderar o resultado da outra (sobre a escolha do diretor do campus)?
- É realmente inviável para a gestão da Universidade que a diretoria do Campus Avançado tenha uma visão diferente de administração? Visões diferentes não poderiam dialogar para obter resultados inclusive mais representativos e eficazes?
- Seguir cegamente normas é garantir a democracia na gestão? Estas normas são perfeitas e não deixam margem a ações autoritárias?
- Se o reitor e o vice-reitor estão sempre abertos ao diálogo, por que eles não vêm ao Campus de Itabira para isso?
- Por que não conversar com a imprensa itabirana? Por que os posicionamentos do reitor se apresentam sempre no site oficial da Instituição onde apenas o seu lado pode ser exposto?
- Qual é o real motivo de o reitor ter tanta resistência em conversar com os alunos de Itabira, mesmo por videoconferência? Por que não disponibilizar a gravação da última reunião para o DCE quando este a solicitou?
Passado um mês da nomeação, estas são apenas algumas perguntas que ainda ecoam sem respostas concretas na mente dos mais atentos. Infelizmente, muitos da comunidade acadêmica nem sequer se incomodam com os fatos: alguns por pura desatenção, outros por identificação com um modelo de gestão conservador, extremamente hierarquizado e paternalista, onde decisões são tomadas de uma maneira verticalizada, sem contestação – possivelmente, neste segundo grupo, encontram-se os diretores nomeados. Existe também uma preocupante parcela da comunidade acadêmica que não se manifesta temendo retaliação. Esta é uma triste realidade em se considerando o pluralismo de ideias que deveria ser uma constante nas Universidades Públicas.
O mais irônico é que a argumentação da reitoria se baseia na justificativa do amparo legal da decisão. Esta, talvez, seja a única concordância entre ela e o movimento de quem questiona o que vem acontecendo: ambos os lados entendem a legalidade da nomeação. Todavia, vivemos uma realidade onde a nomeação de cargos oficiais funciona como troca de lealdade política e pessoal, servindo para beneficiar os interesses, sobretudo de quem já tem poder – José de Alencar já denunciava essa prática em suas crônicas há quase cento e cinquenta anos! -. Que garantias existem de que este não é o caso? Qualquer semelhança com o atual cenário político nacional não é mera coincidência. Manipulação dos trâmites legais para colocar no poder pessoas não escolhidas democraticamente: vimos isso na esfera federal e agora estamos observando o mesmo em nossa Instituição. Esta lógica clientelista só é quebrada com o respeito às ferramentas democráticas e participação ampla e direta da comunidade na escolha dos seus representantes e dos seus gestores públicos.
Por todos os questionamentos elencados, a nomeação dos diretores do Campus Avançado de Itabira pelos professores Dagoberto e Marcel é considerada antidemocrática pelo movimento estudantil e por diversos servidores. Apesar de estar dentro da legalidade e das normas institucionais, muitos questionam a sua legitimidade e a comunidade tem o direito de fazê-lo conforme nos garante o Estado Democrático de Direito.
Trata-se de ocorrido lamentável onde muitos saem perdendo no final das contas: a Universidade perde em não ser exemplo e modelo para a sociedade, deixando de lado o seu papel social; o reitor e os diretores nomeados perdem credibilidade; o Campus de Itabira perde autonomia; a caminhada na direção de uma universidade mais democrática perde o fôlego…
Se há um século e meio, ouvíamos emergir das tribunas do Senado e da Câmara, dos jornais, folhetins e periódicos, vozes que denunciavam os usos e abusos do poder atribuído ao imperador, hoje, frente às atitudes desrespeitosas da reitoria da Unifei para com o Campus de Itabira, lamentavelmente, ouve-se pouco. A universidade pública que deveria se apresentar como uma alternativa efetiva para o diálogo verdadeiramente aberto para a diversidade e atenta às demandas sociais, assiste de maneira condescendente o “poder pessoal“ imperar. Uma página infeliz da história desta instituição…
*João Lucas da Silva é professor da Universidade Federal de Itajubá, Campus Itabira.
“(…) É meu dever: não quero ser cúmplice. Todas as noites eu veria o espectro do inocente que expia cruelmente torturado, um crime que não cometeu. Por isso me dirijo a vós gritando a verdade com toda a força da minha rebelião de homem honrado. Estou convencido de que ignorais o que ocorre (…)” (Emile Zola, Eu acuso. O Processo do Capitão Dreyfus, 1898).
João, obrigad@ por não ter medo… obrigad@ por não se calar diante de tamanho retrocesso e autoritarismo, e perdão por não termos 2, 50, 100, 200, 484 nomes junto ao seu.
Tenha certeza de que, apesar do medo que “impera”, vc não está sozinho. Estaremos ao seu lado caso o “poder pessoal” continue a ser invocado.