Uma Lisboa perdida em si mesma que o turista não vê
Mauro Andrade Moura
Com casarões abandonados, faltam moradias na capital portuguesa. Universitários dormem em carros. Exemplo da Ufop, em Ouro Preto, pode servir de modelo para além-mar – e também em Itabira
A Primavera de 2012 foi agitada por fatos marcantes, primeiramente com a Primavera Árabe – e depois com o debaque da economia portuguesa.
O Norte de África foi varrido por uma onda dos contrários aos governos vigentes na época. Caiu Kadafi na Líbia e após foi o Egito. E o grupo radical muçulmano invadiu a Síria, desolando praticamente todo o aquele território.
Ainda hoje sentimos os reflexos na Argélia e os demais países da região continuam com seus governos desestabilizados.
Havia uma forte economia no Norte da África alavancada pelo turismo. Anualmente, milhares de europeus e norte-americanos se deslocavam para conhecer aquelas paragens.
Entretanto, com a Primavera Árabe, muitos turistas foram assassinados deliberadamente pelos radicais muçulmanos. E, assim, houve uma migração natural dos turistas para terras mais tranquilas.
Na mesma Primavera de 2012 a economia de Portugal entrou em colapso e os portugueses passaram a ser achacados pela política econômica implantada por Passos Coelho e os demais membros do PSD, como se fossem serviçais da dita Troika (FMI, Banco Europeu e Comunidade Europeia).
Não nos esqueçamos, também, que o mesmo ocorreu com maior virulência na Grécia. Porém, os gregos se mostraram mais resistentes à força econômica da Troika.
Já na próxima Primavera, em 2013, os operadores de turismo começaram a oferecer à multidão de turistas as praças de Portugal e Espanha, considerando que se quer conhecer um pouco do Norte da África e da cultura antiga sarracena, não é preciso transpor o Mediterrâneo mais para o Sul, ficando no aconchego da tranquilidade e acolhimento dos ibéricos, além da boa gastronomia e vinhos de primeira qualidade.
Ocorre que esse fluxo turístico é chamado turismo low coast, melhor dizendo de baixo custo.
Lisboa e Porto não se apresentavam prontas para receber tal fluxo de pessoas. Não havia acomodação para todos que chegavam e os hotéis, naturalmente, têm um custo um pouco mais elevado para as suas diárias.
Na contrafeita surgia as plataformas eletrônicas de locação de imóveis e mesmo quartos, nomeadamente o AirBNB. E essa alternativa foi prontamente absorvida pelos portugueses que precisavam completar as suas rendas como forma de superar os efeitos imediatos da crise econômica.
Ocorreu com isto o refluxo. E a economia portuguesa retomou seu rumo aos trilhos. Porém, os imóveis e os alugueis de moradias ou pequenos quartos, com todo o fluxo de turistas chegando diariamente, passaram a ter preços estratosféricos, a tal ponto que um cidadão de renda média ou baixa já não conseguem arcar.
O governo central vem tentando minimizar o problema com uma política de moradia tímida, considerando sempre que na Constituição de Portugal o direito à moradia está garantido a todo cidadão.
Em Lisboa criaram a taxa de turismo, com a qual a Câmara Municipal (Prefeitura) cobra 2 euros por até quinze dias de cada turista. Encheram-se os cofres municipais com milhões de euros.
Com isso, foram feitas algumas melhorias nas vias e logradouros públicos, assim como reformaram praças. Porém, o cidadão segue esquecido.
Neste esquecimento do cidadão local, muitos se viram obrigados a se mudar para outras localidades ao derredor de Lisboa. E, também, do Porto. Isso para terem uma sobra de dinheiro no final do mês pagando um aluguel um pouco inferior atualmente praticado nas grandes cidades.
Abandono
Infelizmente, caminhando por algumas ruas da cidade de Lisboa, podemos perceber diversos imóveis fechados ou sem uso. Alguns até mesmo devolutos, outros tantos apresentando em sua fachada a placa “Hospital de Lisboa”.
É sabida a quantidade de imóveis da Santa Casa de Misericórdia que, sem misericórdia alguma, os mantém deliberadamente fechados.
Haveria os governos central e municipal de tomar uma atitude séria a este respeito, seja aplicando a Constituição de Portugal no quesito da moradia. E, assim, efetivamente dando um uso social a todos estes imóveis que atualmente encontram-se sem uso.
Outro grave problema ocasionado por esse turismo a baixo custo atingiu estudantes das universidades de Lisboa e do Porto que são de fora – e que já não encontram moradias de baixo custo, justamente pelo alto custo do aluguel de um simples quarto.
A situação ficou tão grave ao ponto de alunos, na cidade do Porto, passarem a dormir dentro de automóveis. Isso por não suportarem arcar com o alto preço do aluguel de um simples quarto.
Exemplo
Aqui no Brasil, que poucos exemplos temos a oferecer ao mundo, temos um bom exemplo de como minimizar a questão de moradia estudantil. Em Ouro Preto, a Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) assumiu a posse de vários imóveis.
Em troca, faz a manutenção desses imóveis, disponibilizando-os aos seus alunos. E assim, eles conseguem moradia digna, podendo dedicar ao ensino sem ter que se preocupar com um teto onde morar.
Esse exemplo também pode ser adotado em Itabira, principalmente agora que as expectativas de desenvolvimento econômico se assentam na expectativa de aumento de alunos no campus local da Unifei.
São tantos casarões sem serventia no centro histórico de Itabira, ou com uso inadequado, que poderiam ser adotados pela Unifei, dando-lhes manutenção, com pagamento de aluguéis subsidiados, para que sirvam de moradias universitárias. Com isso, o combalido comércio no centro histórico de Itabira teria uma grande chance de ser revitalizado.
Muito bom o texto do Mauro. É fato a expulsão da população do centro de cidades de Portugal e Espanha para a periferia, pois o imóveis em que moravam passaram a ser alugados por turistas…Vi recentemente pixaçõe, alertando sobre esta realidade em muros de imôveis em Sevilha, na Espanha
Olá, Paulo.
Isto que está ocorrendo nestas cidades a fim de estruturarem o turismo a baixo custo financeiro e alto custo social e toda uma aberração esquizofrénica.
Em alguns bairros tradicionais, a Mouraria e Alfama, a essência local com os moradores habituais está perdida com a expulsão dos antigos moradores, está ficando somente o aspecto do património, infelizmente.
Grato pela leitura,
Mauro
Mauro, você tocou em um assunto primordial, que são as subutilizações dos casarões históricos, com exceções. A sua sugestão para que sejam ocupados por republicas de estudantes pode ser uma boa opção para movimentar o centro histórico, que ficou posto de lado depois que foi aberta a avenida Mauro Ribeiro. É com ideias como a sua que Itabira pode vencer o marasmo e se tornar sustentável sem a mineração. Rogério Duarte Bretas.
Olá, Rogério.
Efetivamente, o que salvou o patrimônio histórico de Ouro Preto foi a mudança da capital para Belo Horizonte, o abandono dos sobradões e depois a UFOP ter vindo a pegar estes imóveis e colocar à disposição dos alunos para as repúblicas habitacionais dos estudantes. Ainda bem, não fosse isto e estaria já tudo perdido.
A informação está aí para os nossos administradores (prefeitos e secretários) utilizarem-na em benefício da memória histórica de nossa querida Itabira, mas terá qualquer prefeito que a adote que ter uma decisão muito forte e não retroceder face à especulação imobiliária.
Grato pela leitura,
Mauro
Muito bom texto , que os itabiranos fiquem atentos com esta ótima ideia de ocupação dos casarões com república estudantil de universitários.
Abraços , Mauro.
Prezado Engenheiro Altamir, falava disso nas reuniões do COMPHAI.
Agora saiu in verbus.
Grato pela leitura.
Mauro!
Parabéns pela matéria.
Meu filho, Francisco, estuda na Ufop e mora em república da Universidade. A república tem 99 anos de constituída. Os moradores não pagam aluguel, água, luz e IPTU, mas são os responsáveis por cuidar da manutenção do imóvel, como pintura e outras pequenas necessidades.
Além do beneficiamento do não pagamento da moradia, percebo que esta condição faz com que o morador tenha uma inclusão com a cidade e o seu patrimônio.
Este modelo deveria ser seguido pela Unifei Itabira, junto com a prefeitura.
Muito obrigada pela matéria.
É bom saber desta mais valia aos estudantes da UFOP, prezada Aguilay.
Assim mesmo, ao morar nos sobradões, os estudantes passam a ter o sentimento do pertencimento na sociedade civil da cidade onde moram e a busca em preservar nosso patrimônio histórico edificado.
Espero sempre que Itabira e também Lisboa, Porto, bem como outras cidades com patrimônio edificado ao abandono, adotem essa boa prática de Ouro Preto.
Grato pela leitura.