Uma disputa poética em torno do Pico do Cauê
Cristina Silveira*
A força do tempo I
Banzo é uma melancolia cravada em nós pela ancestralidade. Veio de África. Aqui enraizou e cristalizou-se entre amarelos e brancos, cresceu e floriu no que somos hoje, o povo brasileiro, não brasílico de Portucale.
…Era uma grandiosa pedra preta pesada, faiscava brilhantes minúsculos ao contraponto solar. Hematita Vermelho Encarnada.
…Era o Pico do Caué ou Serra do Caué intacto, todo empinado a 1.600 metros do mar.
…Era o senhor das horas e rumos dos viventes aos seus pés.
Ganhou fama! Mostrou ao mundo o poder de sua riqueza.Em 1908 foi parar no congresso de Estocolmo, no bureau dos donos do mundo,onde traçava-se a geopolítica das reservas mundiais de ferro. Não ficaria impune! O mapa da mina apresentado pelo governo do Brasil era o mais rico Caué da Terra.
Os franceses botaram o olho gordo, adiantaram-se na posse, tomaram o apelido da montanha soberba, de Caué para Cauê. Desse modo, morreu por duas vezes. In memoriam é A Montanha Pulverizada.
A força do tempo II
Agora, dele nos resta o banzo fortalecido,a poesia municipal e o poema Itabira (1926), do poeta Drummond que “pintou a tragédia de sua cidade na figura do Tutu Caramujo. Depois de esclarecer que todos nós temos um pedaço do pico do Cauê, ele vê Tutu Caramujo que, sentado na porta da venda “cisma na derrota incomparável”. Figura trágica, sem dúvida, principalmente quando se pensa que os pés de Tutu Caramujo pisam pedras que têm 75% a 80% de minério de ferro. ” (Rubem Braga)
Em 1934 o Jornal de Itabira, editado por Oscar da Costa Lage, o Zinho, promove uma disputa poética em torno da grandeza e sonho do Pico do Cauê. Quatro poetas entram na queda de braço: Orestes Ragazzi, Arp Procópio de Carvalho, Oswaldo Alvarenga (Borba Gato) e José Horácio Betônico,
Os 4 poetas merecem louvas pelo legado da memória; quatro rapazes da Vila da Utopia diante do ícone vivo. José Betônico, talvez inspirado no poema Ferrum (1717), do padre Xavier da La Sante, utilizou o recurso do mito e da lenda em sua obra, desenhou o retrato da ironia em O Cauê na Lenda.
O Pico é o mito que explica a origem da cidade; a lenda é a narrativa oral e secular dessa origem, acrescida das presenças de Cabeça-de-Burro e da Serpente adormecida nas cavas do Rosarinho. Em O Cauê na Lenda, JB deixa vazios e silêncios, de modo que é dada a tentação de reescrever, fazer teatro, fazer cinema. O mito e lenda fascinam pela imaginação, superstição e religiosidade de suas narrativas e não nos deixam o esquecimento.
Nota pertinente: “Crisis minera y crisis social: consecuencias sociales del agotamiento de los recursos mineros em Itabira (MG), é uma tese do professor Ronaldo Gomes Alvim, em que ele trata do elevadíssimo índice de suicídio em Itabira. Ele diz, que não foi propriamente a privatização da CVRD a responsável pelo “ambiente de desolação entre os moradores de Itabira, mas sim o fim do mito.”
*Cristina Silveira é correspondente da Vila de Utopia, sucursal Rio
E a crisi recorrente do banzo, agora temos de lidar com a falta d´água perdida para a mineração.