Um conto de Natal de João Camillo de Oliveira Torres

Imagens: Reprodução

Nota do escritor

Meus amiguinhos,

Neste livro conto as aventuras de João Surrinha, um menino bom e corajoso, que gosta dos animais e das plantas. Ele possui um companheiro, o Lobo Careca.

No princípio era um lobo de verdade, que se tornou amigo de João Surrinha – como eles se encontraram e as suas primeiras aventuras é o assunto de outro livro – João Surrinha nas Montanhas – publicado em 1952. Talvez faça, para breve, uma segunda edição.

Mais tarde, a Fada da Lua, para agradar a João Surrinha, transformou o Lobo Careca em um menino de verdade, embora certas pessoas façam alguma confusão. Se vocês gostarem deste livro, contar-lhes-ei a história desta transformação. – João Camillo

O Natal de João Surrinha

João Camillo de Oliveira Torres*

João Surrinha e o Lobo Careca foram passar a Noite de Natal em casa da senhora Assunção, em Itabira, que sabia fazer lindos presépios, armados em uma grande mesa, com três metros de comprimento.

Desde a bela gruta, feita com areia azul do Cauê, com a estrela e o galo ao alto, e a Sagrada Família na manjedoura, até uma pequena cidade de telhados vermelhos, bem mineira, havia de tudo no presépio.

Naturalmente estavam os anjos cantando, os pastores com as suas ovelhinhas, os Reis Magos e as suas exóticas e complicadas caravanas, animais ferozes espalhados pelas grandes “florestas” de musgo da serra, de um lago cheio de patos e conchas, e os caminhos de areia branca serpenteando entre ovelhas.

“É uma coisa completamente bonita!”, pensava João Surrinha.

Na Noite de Natal, os vizinhos reuniram-se em torno do presépio e cantavam belos hinos antigos. Os nossos amiguinhos, porém, não resistiram ao sonho e adormeceram.

Quando despertaram estava tudo escuro, as pessoas todas haviam saído e só a estrela brilhava ao alto.

Capa do livro de João Camillo de Oliveira Torres

Nisso sentiram alguma coisa movendo-se próximo: era um dos cordeirinhos dos pastores, que descera do presépio e acomodara-se no canto da sala, perto do menino.

Ao ver que João Surrinha acordara, o cordeirinho aproximou-se dele fazendo um sinal com a cabeça, como convidando-o a acompanhá-lo.

João Surrinha não perdeu tempo e saiu com o seu companheiro atrás do cordeirinho, que, em lugar de levar o menino para casa, saiu pelos campos.

Com pouco tempo, estavam todos no alto do Pico do Amor. Ali o cordeirinho soltou um balido e, logo, surgiu um cometa, lindo, de cabeleira longa e luminosa cauda.

– É a estrela dos magos?, perguntou João Surrinha.

– Não, respondeu o cordeirinho. – É um cometa comum. Vamos embarcar nele.

E saíram, no cometa, pelos céus, acomodados na cauda como num automóvel.

Não longe dali viram uma coisa extraordinária: um rei de longas barbas e coroa, com um feixe de relâmpagos debaixo do braço, correndo perseguido por um grande touro, que trazia belo enfeite de diamantes na cabeça.

Atrás do touro vinha um caçador vestido de estrelas e com as “Três Marias” no cinto. Era seguido por um cão de caça, com enorme olho luminoso no meio da testa, e que iluminava todo o céu.

– Que é isso?, perguntou o Lobo Careca. – Tenho medo.

– Não precisa ter medo. O rei é o velho Júpiter, que os antigos adoravam como rei dos deuses pagãos e é um planeta, o maior de todos. Sendo rei, embora sem trono, usa um manto vermelho. Acontece que passou perto da constelação do Touro, com o enfeite das “Plêiades” na cabeça. Ora, você sabe que os bois não gostam da cor vermelha… O caçador chama-se Órion, e o cão é a constelação do Cão, com a bela estrela Sirius.

– Não sabia que no céu havia caçadas, disse o Lobo Careca.

– Pois há, as constelações também se divertem.

O cometa, entretido com a conversa, descuidou-se da direção e, ao passar perto do Cão, este lhe ferrou fortíssima dentada na cauda. A dor foi tamanha que deu um pinote e mandou os nossos visitantes a grande distância.

A sorte é que caíram na Via-Láctea, em cujas fofas almofadas se acomodaram, deslizando suavemente pelo firmamento, no meio da multidão de estrelas, que conversavam animadamente, balançando as cabecinhas de luz.

Nisto chegou o cometa, muito envergonhado, pedindo desculpas por haver causado o desastre.

– Que desastre? Vamos nesse brinquedinho. Assente-se aqui, disse João Surrinha.

O cometa, muito agradecido, assentou-se ao lado de João Surrinha, contando-lhe os nomes das estrelas.

Quando se aproximaram do Poente viram um soldado romano, vestido de vermelho, que cantava num violão desafinado o “Luar do Sertão”. Aliás, o soldado era desafinadíssimo também.

Ilustração do livro, extraída de O Cometa

– Lá está o velho Marte a fazer serenata para Vênus, que já foi dormir.

Quando Marte escutou o comentário do cometa, que falara em voz muito alta, ficou ainda mais vermelho, agora de raiva.

– Atenção, disse o cordeirinho. – Estamos chegando.

O que viram era maravilhosamente indescritível. João Surrinha não podia imaginar que o Cruzeiro do Sul, visto de perto, fosse ainda mais bonito.

Eram milhares de estrelas e de todas as cores e todos os tamanhos, que formavam a grande Cruz, que se estendia ao infinito.

Uma nebulosa cor de sorvete de creme destacara-se da Via Láctea e levava os viajantes por entre estrelas do Cruzeiro do Sul.

– Olhem para trás, segredou o cordeirinho.

Viram então a coisa mais linda: toda as estrelas formando uma enorme esfera, uma grande bola de luz, com a Via-Láctea no meio, como uma fita enrolada num ovo de Páscoa. Em cima daquele balão de estrelas, que servia de pedestal, elevava-se o Cruzeiro do Sul.

– Paremos por aqui, disse o cordeirinho. Não podemos ir além da Cruz: lá está o Céu.

– Mas não estamos no céu?, perguntou João Surrinha.

– No céu das estrelas, sim. Mais para diante, porém, está o grande palácio da luz eterna…

O cometa ancorou a nebulosa numa estrela e ficaram todos apreciando o belo espetáculo do Universo.

Nisto João Surrinha viu luzes riscando o espaço, como foguetes coloridos, mas que viessem de cima para baixo.

– Que é isso, perguntou.

– São os anjos, disse o cordeirinho. – Na noite de Natal eles vão ver a alegria dos homens e das crianças. Vão dar parabéns à Terra pelo nascimento do Menino Jesus.

– Pensei que fossem levar brinquedos…

– Você gosta de brinquedos?

– Ora, quem não gosta?

– Então, por que não dá um brinquedo ao Menino Jesus?

– Ele precisa?

– Precisar, mesmo, não. Mas gosta. Ele quer o coração das crianças. O melhor presente de Natal para o Menino Jesus é esse: que todos realmente se amem…

Uma grande luz passou perto deles. João Surrinha fechou os olhos deslumbrado. Quando os abriu de novo estava na cama: era de manhã e seu sapato estava cheio de brinquedos. Não se esqueceu, porém, das palavras do cordeirinho.

*João Camillo de Oliveira Torres nasceu em Itabira em 31 de julho de 1915. Começou seus estudos em sua cidade natal, prosseguiu em Belo Horizonte, tendo seguido os cursos de Filosofia, na extinta Universidade do Distrito Federal, no Rio.

Fez jornalismo desde 1937 e ingressou no magistério em 1942. Além de ocupar inúmeros cargos públicos, foi membro da Academia Mineira de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico de Brasileiro e do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, da Academia Portuguesa de História e outras instituições científicas.

O conto de João Camillo, que O Cometa publicou na edição 99, dezembro de 1986, foi extraído do livro As Aventuras de João Surrinha, Editora do Brasil S.A.

 

 

 

 

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