Tortura, Cábula e Analfas

Por que vocês não sabem do lixo ocidental? /Não precisam mais temer /Não precisam da solidão /Todo dia é dia de viver /Eu sou da América do Sul /Eu sei, vocês não vão saber /Mas agora sou cowboy /Sou do ouro, eu sou vocês. (Milton Nascimento)

No ano 105 d.C. o chinês T’sai Lun iniciou a fabricação do papel e durante 600 anos, em todo o mundo, só os chineses utilizavam o papel como suporte para a escrita. Mais de mil anos depois da China, em 1411 instalou-se o primeiro engenho de papel em Portugal, na região de Leiria.

Em terras Brazilis, os jesuítas, sem papel, ensinavam aos povos indígenas a escrever o português na areia, – da técnica frágil ficou apenas a imagem poética.

Viva Luís Vaz de Camões!

É claro, os colonizadores europeus sabiam que se ensinasse a interpretação de texto, teriam dificuldades na industrialização das mentes. Os gananciosos foram bem sucedidos, cá estamos como prova da eficácia do programa colonizador. E quem diria, agora, a Europa está sendo colonizada pela maior potência da ignorância humana, o império do Norte. O “destino manifesto”.

Navegar é preciso!

As escolas são ambientes de degradação das células cinzentas de crianças. Tenho testemunho de tortura na Escola Professor Manoel Soares, em Ipoema; de tortura, com instrumento pontiagudo cortante, na Escola Major Lage, de Itabira. Horror! Horror! Horror!

No teatro da tortura, a COLA é problema menor da rede de ensino. O ciclo de culto à mentira começa assim: o professor finge ensinar e o aluno finge aprender… (Darcy Ribeiro).

O autor da crônica A COLA, Waldir de Luna Carneiro, em 1954 percebeu, com ironia, o futuro promissor da COLA, como arma do capitalismo. Virou mesmo uma indústria, onde se compra gabaritos de provas do ENEN e o cobiçado diploma de dotô.

A questão da COLA como método de transgressão à opressão da educação, põe em xeque o método de ensino e de avaliação individual do estudante pelo programa Nacional de Educação. Mas eles não se importam.

Na EEMZA, fui aluna da professora de matemática, Neise Bragança. Professora durona, digna e correta. No primeiro dia de aula, sabia da fama de braba da querida Neise Bragança, sentei na carteira da última fila com o jornal dobradinho na notícia do dia – pensava que seria ignorada – mas a filha de d. Marina Bragança (a mulher que mais gerou professoras na cidade) tinha farol na nuca e sem se virar, mandou a letra: “dona Cristina, a aula é de matemática”.

Na aula seguinte sentei na primeira fila e aprendi alguma coisinha. O significante disso tudo é que a professora Neise Bragança não tripudiou na minha burrice com os números. Também nos disse a professora Neise, que a COLA é um recurso burro, contra o cabulador; porque saber, de verdade, é o que fica para a vida. (as minhas provas eram diferentes dos bons alunos, a maioria, era mais fácil, à altura do meu saber).

Por confiança na educação da professora de matemática, dona Neise Bragança, penso que a COLA deve ser erradicada dos centros de tortura do MEC… … Quem sabe no dia de são nunca de tarde…

… Segundo Paulo Freyre, a educação bancária se processa da seguinte maneira:

1-O educador é o que educa, os educandos, os que são educados;

2-O educador é o que sabe, os educandos, os que não sabem;

3-O educador é o que pensa, os educandos, os pensados;

4-O educador é o que diz a palavra, os educandos são os que escutam docilmente;

5-O educador é o que disciplina, os educandos os disciplinados;

6-O educador é o que escolhe o conteúdo programático, os educandos se acomodam a ele;

7-O educador possui a autoridade do saber, junto com a autoridade funcional, os educandos devem adaptar-se às determinações daquele

😯 educador é o que avalia, o educando é o que é avaliado.

(MCS)

A Cola

por Waldir de Luna Carneiro

Cornélio Penna conta-nos em “Prosa Leve”: “Todavia cumpre acrescentar que dos rapazes que até hoje tem obtido alguma aprovação por meio pouco confessável, uns revelam tamanha e tão rara coragem e espirito inventivo, que seus feitos merecem a mais franca publicidade, quando menos para mostrar que, na vida prática, são moços que muito prometem…”

E narra-nos, deliciosamente, a história do moço que conseguiu colar à vista do professor fazendo sinais taquigráficos no verniz da carteira.

“Não logrou ventura igual o João Antônio – continua Cornélio Penna – um negrinho, a quem o vigário de uma cidade do norte desejava fazer doutor, fornecendo-lhe regular mesada, e mandando-o para Belo Horizonte estudar os preparatórios”.

“Aqui chegando virou-lhe a cabeça a vida da capital: entusiasmou-se pelo futebol, mostrando-se muito entendido em “teams”, em “goal-keepers” e outros termos ingleses.”

E nas vésperas dos exames, vendo João Antonio que a reprovação era inevitável, pôs em prática um plano longamente premeditado: “No rodapé escuro, que circundava a sala de exames, fincou, graças a bem recompensada cooperação de um servente do ginásio, uma fila de pequenos pregos ponta de Paris, que ia arrebitando para o lado da parede.

Feito o trabalho João Antonio foi sentar-se na última carteira e quando o professor anunciou o ponto sorteado o servente pago cerrou a porta da sala e amarrou o papelucho na ponta do barbante. Por muito tempo a colasinha deveria arrastar-se ao longo do rodapé até alcançar João Antonio.

“Sentou-se o crioulinho tranquilamente. De caneta em riste, contra o papel fingia que estava escrevendo o ponto, ao passo que com a mão esquerda ia puxando, muito de leve, com imenso medo de ser descoberto, o papel salvador. Afinal, depois de haver passado transes que lhe embranqueceram a carapinha, conseguiu pôr a mão trêmula no papelinho. Quase teve uma síncope. No papel havia apenas esta frase irônica, brutal: – Geme, negro!

Tal artimanha hoje não seria possível porque há fiscais, professores, regentes; porém tanto mais difícil se torna a “cola” mais aguça a imaginação do aluno. Vimos numa escola da Itália a “cola” musicada: a boa distância da sala de exames cantava-se a “La Paloma” com letra do ponto sorteado; no Mackemzie, em S. Paulo, até aparelho de rádio usaram. Há “colas” no punho, na meia, na gravata, na barra do vestido, no braço, na nuca; entretanto a preferida é a “colinha-sanfona”, fácil de empalmar.

Muito se escreveu sobre a “cola”, pedagogos andam alarmados e confessores afirmam que colar é pecado. De nada adianta, as “colas” engrossam dia a dia, já tem sua gavetinha em casa, seu índice, sua distribuição certa pelos bolsos da roupa… Já é quase uma indústria. Não espanta que num futuro próximo inaugure-se uma fábrica de “colas”.

A começar por uma tipografia clandestina onde um sujeito mascarado, ex-tipográfo, extraia dos compêndios as respostas das questões formuladas; a olhar de soslaio, atento ao menor ruído, comporá silencioso e depois então ao prelo, um prelo manual comprado de segunda mão, antiquado, como sói acontecer à nascença de grandes indústrias.

O aluno virá ao entardecer ou alta noite, conforme lhe for a aflição e com pancadinhas combinadas fará o tipógrafo abrir a porta. Senha e contrassenha. Entra. Assenta e explica as razões da dor que lhe vai ao peito: sintaxe de concordância, Concílio de Trento, Lei de Lavoisier… E o tipógrafo mascarado fará o orçamento, dará o preço por metro; se sabe o moço cursando o último ano provavelmente lhe sugerirá purpurina ao invés de tinta preta.

O problema (sic) da “cola” a uns parece grave, a outros, entretanto, perfeitamente compreensível por causa das matérias estudadas, sempre excessivas, “programas atulhados…”

Medidas severas são tomadas: olho atento de inspetores, regentes e professores: “prova colada prova anulada”, conselhos, ameaças, edificadores exemplos de escolas norte-americanas onde os rapazes desconheciam a “monstruosidade” até que certa vez cadetes de Mineapolis foram apanhados “colando” e expulsos incontinenti, “traidores da pátria!”

Reprodução

Não há estudante que não conheça um “caso de cola” para contar e são poucos os que não têm um estilo próprio de ludibriar o examinador. Há “colas” que servem a um e mais alunos dando uma volta inteira na sala; outras vem de fora e caem como bolinhas, repicando no assoalho; trazem-nas na bainha da calça, no punho, na meia, nos bolsos ou simplesmente dentro de vastos dicionários quase sempre tolerados nos exames escritos.

Contam que num ginásio do interior certo aluno rebuscava os bolsos à cata de um desses papelinhos quando foi visto pelo professor, o rapaz se apercebe e engole a “cola”. O professor grita-lhe, ele se irrita, é inocente. “Prove! O professor volta e cochicha com o inspetor, há um balancear de cabeças e uma frase terrível gela toda a classe: “Senhor regente, dê um purgante bem forte ao menino lá da última carteira!”

Desde então nunca mais se “colou” naquele ginásio.

A “cola requer habilidade no preparo: letra miúda, papel claro, tinta preta. Namoradas, irmãs, noivas, primas, são todas mobilizadas em vésperas dos exames. Não é fantasia o supor no futuro uma fábrica (no princípio clandestina) de “colas” a fim de abastecer grande parte de estudantes hoje muito ocupados com revistas de quadrinhos e com a formação do selecionado brasileiro para a Copa do Mundo.

Que ninguém estranhe se surgir um dia o profissional da “cola” qual moderno gangster a explorar a tibieza de moças e rapazes, controlando, de vasto escritório, as “Colas-Associadas”, importando máquinas impressoras, papeis especiais do Canadá e tintas alemãs.

E veremos então o Ministério da Educação reagir e organizar, apressadamente, a liga “Anti-cola” até que algum deputado sugira o projeto de oficialização da “cola” criando mais um cargo que será futuramente por todos respeitado e muito admirado: o de Coleiro.

[Alterosa (MG), 15/4/1954. BN-Rio – Pesquisa: Cristina Silveira]

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