Teologia coaching tem discurso violento, afirma Ranieri Costa
Foto: Reprodução/ Freepik
Teólogo alerta para as consequências de unir preceitos religiosos com pretensões políticas
Por Andrea DiP, Clarissa Levy, Claudia Jardim, Ricardo Terto, Stela Diogo
Agência Pública – O Brasil é um Estado laico, pelo menos oficialmente, desde o final do século 19. Na prática, porém, as influências da religião no governo ainda são evidentes.
Nos últimos anos, pesquisadores têm chamado atenção para a tendência de algumas igrejas neopentecostais se organizarem como grandes empresas, difundindo ideologias que atribuem aos indivíduos a responsabilidade por seu sucesso ou fracasso. Entre elas, é possível destacar a teologia da prosperidade e a teologia coaching.
Um desses pesquisadores é o jornalista Ranieri Costa, convidado do Pauta Pública desta semana. Ele é autor do livro Teologia coaching: a ilusória ideologia de que nascemos só para vencer, lançado este ano pela Fonte Editorial.
Na entrevista, ele explica o que é esse pensamento, difundido por igrejas e agora também por influenciadores ou coaches, que utilizam a linguagem religiosa com foco no sucesso individual – um exemplo deles é o atual candidato à prefeitura de São Paulo Pablo Marçal.
Para Costa, que também é teólogo e pastor evangélico, o problema não está nas crenças individuais, mas na instrumentalização da fé nas relações sociais e políticas.
Segundo o pesquisador, a lógica de responsabilizar unicamente as pessoas e negar os problemas sociais constitui uma forma de violência discursiva. Ele entende que é violento negar a dor e a fragilidade humana.
“A teologia coaching ignora as desigualdades e trata como falta de vontade própria, de entusiasmo e de propósito. Com isso, o ciclo de violência é intensificado neste caso, porque as pessoas que já estão sofrendo com a desigualdade, sofrem também com a culpa de não conseguirem prosperar.”
Leia os principais pontos da entrevista.
[Andrea Dip] O que é a teologia coaching? Como ela se diferencia da teologia da prosperidade?
Na teologia da prosperidade, ainda que de forma distorcida, havia uma relação com o divino, ou seja, o sujeito que está envolvido dentro de uma igreja que comunica a mensagem da prosperidade, ele tinha a figura de Deus dentro dessa equação. Para prosperar ele precisava de Deus.
Mas para isso ele precisa dar o dízimo, ter uma vida íntegra e ser uma pessoa com participação ativa na igreja. Mas, no final das contas, o que daria a ele a prosperidade financeira era a ação de Deus em retribuir o seu ato de obediência, de generosidade e de comprometimento com a igreja.
Na teologia coaching, isso muda um pouco porque Deus é tirado dessa relação. É uma teologia que defende que tudo que o sujeito precisa para prosperar e alcançar o sucesso está dentro dele mesmo, ou seja, ele não precisa ser retribuído por Deus.
Basta apenas que ele se dedique intensamente a cumprir metas estabelecidas, quase sempre, através de algum tipo de guru, como esses que nós temos visto por aí. Então, a teologia da prosperidade barganha com Deus e a teologia coaching é formada por sujeitos que se consideram deuses de si mesmos, capazes de fazer tudo que precisa.
[Andrea Dip] No último domingo, vimos um absurdo protagonizado por Datena e Marçal durante um debate eleitoral para a prefeitura de São Paulo. Você diz que a teologia coaching é violenta, principalmente na política. Por quê? E de que maneira essa onda tem crescido na política brasileira?
A teologia coaching é violenta porque nega a dor e a fragilidade humana. Ao fazer essa negação, ela coloca as pessoas que sofrem numa situação em que, ao buscar essa prosperidade, elas acabam sendo vítimas da lógica desse discurso e passam a ser os algozes de si mesmos.
Então, o sujeito abastecido com esse tipo de conteúdo passa a desconsiderar o fracasso e as negatividades. Só que, por mais que eles desconsiderem essas, elas não deixam de existir. Negar tudo isso, negar o cenário de desigualdade social que enfrentamos em nosso país, produz violência.
A teologia coaching ignora as desigualdades e trata como falta de vontade própria, de entusiasmo e de propósito. Por isso ela é violenta. Por negar as dores, as fragilidades e as mazelas, colocando as pessoas que estão sendo abastecidas por esse discurso em uma posição de que não podem sofrer nem demonstrar o sofrimento.
Devem buscar o sucesso, ignorando todas essas dores e mazelas. Contudo, essas coisas não deixam de acontecer. Com isso, o ciclo de violência é intensificado nesse caso, porque as pessoas que já estão sofrendo com a desigualdade sofrem com culpa de não conseguirem prosperar.
[Andrea Dip] Silas Malafaia, que influencia bastante o eleitorado evangélico, se posiciona contra Pablo Marçal. Os dois teoricamente são evangélicos e de direita. Quais são as diferenças e o desentendimento entre eles.
Primeiro, a gente precisa falar que esse desentendimento é temporário, não vai durar. Caso Marçal vá para o segundo turno [contra Boulos], imediatamente Malafaia não vai retirar o que disse, mas vai declarar apoio ao Marçal.
Isso porque, [em entrevista], ele me disse que apoiaria qualquer pessoa contra o Boulos. Então, a única forma dessa guerra continuar é com Marçal não indo pro segundo turno ou indo contra Nunes. Aí pode ser que o Malafaia continue essa briga. Caso contrário, não vai continuar.
Malafaia tem de fato uma importante influência política no contexto evangélico. A igreja Assembleia de Deus é a maior denominação evangélica do país e é toda segmentada, não existe uma Assembleia de Deus.
Há inúmeras igrejas Assembleia de Deus, e Silas Malafaia é líder de uma delas, mas, por ele ser líder da Assembleia, é um cara muito influente. Contudo, a minha leitura é que o Silas tem uma influência política menor do que ele acha e maior do que a imprensa acha que ele tem. É aquele cara que tem uma noção exagerada de si mesmo.
Essa briga toda se dá por questões políticas de apoio a Bolsonaro. O Malafaia percebeu que o Marçal tem potencial de ocupar o posto do Bolsonaro, mas ele não gosta do Marçal, nunca gostou. Isso começou lá atrás, quando o Marçal quis falar que o Malafaia tinha participação na maçonaria.
Para um pastor evangélico é uma ofensa muito grande, e ali começou toda a briga deles. Ele disse para mim que, a princípio, os problemas que ele tinha com o Pablo Marçal eram teológicos. Silas Malafaia foi pregador da teologia da prosperidade. Então esse sujeito, que é um dos maiores pregadores da teologia da prosperidade, diz que tem problemas teológicos com o cara da teologia coaching. Olha onde a gente tá inserido.
A diferença entre eles é que o Malafaia é um cara analógico, assim como a teologia da prosperidade. Muito embora ele se comunique bem nas redes sociais dele, ele tem um alcance considerável, maior inclusive que os outros pregadores mais antigos da teologia da prosperidade, mas ele é o cara analógico.
Ele não é o cara do online como Pablo Marçal. E isso se aplica no aspecto teológico, se aplica num aspecto político e vai para todas as esferas. A capacidade que um tem de se mobilizar nas redes sociais, ser mais do que a do outro, afeta todas as suas participações na sociedade.