STF determina que Bolsonaro use tornozeleira eletrônica diante da suspeita de fuga do país
Foto: Reprodução/ Canal Gov
A Polícia Federal cumpriu nesta sexta-feira (18) mandados de busca e apreensão na residência do ex-presidente Jair Bolsonaro e em endereços ligados ao Partido Liberal (PL). A operação culminou na decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de impor medidas cautelares que incluem o uso obrigatório de tornozeleira eletrônica.
Bolsonaro passa a ser monitorado 24 horas por dia e está sujeito a recolhimento domiciliar noturno. Além disso, fica proibido de estabelecer contato com diplomatas e outros investigados, além de sofrer restrições ao uso de redes sociais.
A medida ocorre no contexto das investigações sobre a tentativa de golpe de Estado articulada após a derrota eleitoral de 2022. Ministros do STF interpretam que há indícios concretos de que o ex-presidente planejava deixar o Brasil e buscar asilo político junto ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Golpe fracassado
O golpe de Estado pretendido por Bolsonaro e correligionários golpistas só não se concretizou por falta de apoio das Forças Armadas, contando apenas com setores da Marinha, enquanto Exército e Aeronáutica resistiram.
Caso tivesse sido consumado, não estaria sendo investigado. E haveria perseguições políticas e prisões de opositores, alinhadas às declarações de Bolsonaro ao longo de seu mandato, incluindo a infame afirmação de que “a ditadura matou pouco” e “deveria ter matado muito mais”.
Seria uma carnificina, possivelmente maior do que a que se viu na ditadura militar (1964-85). Foram 21 anos de regime autoritário, marcados por censura, repressão política, tortura, desaparecimentos forçados e restrição às liberdades civis.
O avanço das investigações indica que a tornozeleira pode ser um prelúdio à decretação de prisão preventiva, cuja decisão depende ainda do julgamento do processo em curso.
A ação da Polícia Federal marca uma virada decisiva no cerco jurídico ao ex-presidente e amplia os desdobramentos políticos do caso.
Internamente, o bolsonarismo sofre novo abalo, comprometendo a estabilidade de aliados e gerando especulações sobre o futuro político de figuras como Tarcísio de Freitas e Eduardo Bolsonaro.
Trump vê Bolsonaro no espelho
A suspeita de que Jair Bolsonaro estaria articulando uma fuga do país ganhou força com a escalada da retórica internacional de Donald Trump.
Ao enviar uma carta ao presidente Lula exigindo o encerramento do processo judicial contra o ex-presidente brasileiro, classificado por Trump como “perseguição política”, o presidente norte-americano ameaça aplicar tarifas de 50% sobre produtos brasileiros caso suas exigências não sejam atendidas.
A postura de Trump, além de diplomática e economicamente agressiva, revela um espelhamento político entre os dois ex-presidentes. O paralelo entre Trump e Bolsonaro se torna ainda mais evidente quando se observam os antecedentes de ambos.
Em 6 de janeiro de 2021, Trump incentivou seus apoiadores a marcharem até o Capitólio, sede do Congresso dos Estados Unidos, para impedir a certificação da vitória de Joe Biden nas eleições presidenciais.
O episódio resultou em uma invasão violenta, com cinco mortos, centenas de feridos e danos milionários ao patrimônio público. A ação foi classificada como tentativa de golpe e levou ao segundo processo de impeachment contra Trump, mas deu em nada, como se observa até aqui.
Dois anos depois, em 8 de janeiro de 2023, o Brasil viveu um episódio semelhante. Milhares de bolsonaristas invadiram e depredaram as sedes dos três poderes (Congresso Nacional, Palácio do Planalto e Supremo Tribunal Federal), em Brasília, numa tentativa de instigar um golpe militar para reverter a vitória de Lula nas urnas.
Assim como Trump, Bolsonaro havia alimentado por meses a narrativa de fraude eleitoral, desacreditando o sistema de votação e as instituições democráticas.
Mas a semelhança entre os dois casos não se limita à cronologia ou à tática. Ambos os líderes utilizaram discursos inflamados, redes sociais e símbolos nacionais para mobilizar suas bases, e ambos enfrentam processos judiciais por incitação à insurreição e tentativa de subverter a ordem democrática.
A carta de Trump, portanto, não é apenas um gesto de solidariedade política. É também uma projeção de sua própria trajetória, uma tentativa de legitimar Bolsonaro como vítima de um sistema que, segundo ele, também o persegue. “Narciso acha feio o que não é espelho.”
Atentado à soberania brasileira
Esse espelhamento tem implicações concretas. Ao condicionar tarifas comerciais à suspensão de um processo judicial, Trump não apenas interfere na soberania brasileira, mas também reforça a narrativa de que Bolsonaro é um perseguido político — argumento que pode ser usado em um eventual pedido de asilo nos Estados Unidos.
Mas o efeito, como se observa, está sendo inverso. Para o STF, essa retórica internacional representa um risco real à condução do processo e à estabilidade institucional do país.
A tentativa de Trump de condicionar benefícios comerciais à anulação de um processo judicial contra Jair Bolsonaro é vista por autoridades brasileiras como uma grave violação da soberania nacional e um precedente perigoso nas relações internacionais.
Impactos econômicos
Por decorrência, o Brasil encara um agravamento nas relações comerciais com os Estados Unidos. As tarifas anunciadas por Trump, com início previsto para o próximo mês, devem atingir em cheio setores como carnes, café, petróleo, aeronaves e autopeças.
Estima-se que o impacto econômico das tarifas possa ultrapassar R$ 19 bilhões em perdas no Produto Interno Bruto brasileiro, com efeitos diretos sobre o desemprego, a inflação e a competitividade de setores estratégicos como agropecuária, siderurgia e indústria de transformação.
A medida afeta especialmente produtos com alta dependência do mercado norte-americano, como carne bovina, café, suco de laranja, aeronaves e autopeças, cuja realocação para outros mercados é limitada e exige tempo e investimentos logísticos.
A retórica protecionista do presidente norte-americano, ao misturar interesses comerciais com pressões políticas, compromete a previsibilidade dos contratos e a estabilidade institucional entre os países.
Efeitos colaterais
Com isso, o Brasil entra em uma fase de definição delicada, com o STF buscando consolidar o papel da Justiça diante de articulações golpistas, enquanto o governo federal precisa administrar uma crise diplomática que expõe a vulnerabilidade de setores produtivos e a fragilidade das cadeias de exportação.
O desfecho do caso Bolsonaro, e da pressão externa exercida por Trump, pode redefinir os rumos da política nacional, da diplomacia brasileira e da relação bilateral com os Estados Unidos.
Ainda assim, há quem avalie que, como já ocorreu em episódios anteriores, Trump pode recuar da decisão. É que a imposição de tarifas elevadas tende a gerar efeitos colaterais também na economia norte-americana, como o encarecimento de alimentos, insumos industriais e produtos básicos, além de pressionar a inflação e reduzir a competitividade das empresas locais.
O impacto sobre o consumidor americano, especialmente em estados dependentes de importações brasileiras, já está gerando resistência interna, o que pode levar o governo norte-americano a rever a medida.
Economistas apontam que o estilo de Trump, marcado por decisões abruptas seguidas de negociações, pode indicar que o tarifaço é mais uma peça de pressão política do que uma política comercial definitiva. A conferir.
*Valdecir Diniz Oliveira é cientista político, jornalista e historiador
*Com informações da Folha de S.Paulo, Infomoney, Fórum e Estadão