Só Itabira tem carnaval na véspera de Natal. Foi ontem, no bar do Raimundinho
No bairro Pará, muita gente aproveitou para se preparar para a comilança e a beberança do Natal dançando Frevo, Marchinha, Coco, Mangue-Beat e Maracatu, com o bloco neo-carnavalesco Madalena não Gosta de Poema. Foi o que ocorreu nesse sábado (23/12), no bar do Raimundinho, onde os foliões extemporâneos se encontraram para se divertir e homenagear, como prova de reconhecimento e afeto, o ex-dono da noite da pracinha do Pará, Nilo de Almeida Brugnara.
Ele foi dono do histórico Bar do Nilo, aberto ainda nos anos de chumbo, quando governava o país um certo general Figueiredo que gostava mais do odor de cavalo que do cheiro do povo, na década de 1970 – e fechado por “intolerância” de vizinhos que não gostam de ver gente feliz, em meados da década passada, neste século.
Emocionado, o homenageado agradeceu tantas deferências, respeito e demonstração de afeto e amizade. “Estou muito alegre com o carinho de vocês. Estou feliz de mais da conta vendo todo esse pessoal que frequentou o meu boteco, e vocês que não chegaram a conhecer, mas que Deus dará vida para que também venham conhecer. Isso porquê o bar do Nilo vai voltar”, anunciou Niloca, super-contente por abraçar amigos que há muito não via – e também por conhecer tanta gente nova e divertida.
Espaço multicultural
Conforme salientou o produtor e líder do bloco carnavalesco, Herbert Rosa, a homenagem ao Nilo é por tudo o que ele representou para a formação cultural de várias gerações.
“O Nilo é maior que o projeto Madalena. Ele faz parte da cultura itabirana por mais de 30 anos. A homenagem é uma forma de agradecer o que ele fez por nós. O seu bar era um espaço aberto e a cultura que ali era produzida, refletia pela cidade inteira.”
Ainda de acordo com o carnavalesco itabirano, vários artistas se consagraram no Nilo, levando o nome de Itabira para tudo quanto é lugar. “Temos aqui quatro gerações que frequentaram o bar do Nilo, um espaço etílico que fez parte durante muitos anos de nossa vida noturna, onde se propagava a cultura sem vírgulas, sem nichos, com as portas abertas ao novo e para o povo. Assim deve ser o carnaval que queremos para Itabira.”
Foi nesse espaço e tempo que surgiram o Cineclube Lima Barreto e o jornal O Cometa Itabirano. E, pode-se dizer, foi também na pracinha do Pará que surgiu a banda Sobrinhos do Padre, que ficou conhecida na cidade pela irreverência da letra de suas músicas.
Um de seus vocalistas, o dentista Renato Sampaio, foi o homenageado pelo bloco no ano passado. “Renatinho é um cara que convive e é querido por várias gerações. Ele ajudou a despertar o sentimento do itabirano para a música, com a sua convivência, inclusive no bar do Nilo”, assinala Herbert Rosa.
Crítica à inoperância cultural
O bloco Madalena não Gosta de Poema surgiu em 2014 como forma sutil de crítica a inoperância da política cultural na cidade. Diferente do que se pensa, não nasceu no Carnaval, mas num Festival de Inverno, desses bem mornos em noites frias itabiranas, como tem sido nos últimos anos. “Era só uma caixa de isopor com cervejas para para onde íamos. Foi num festival muito desorganizado, não tinha nem barraqueiros vendendo cerveja gelada, daí que Madalena nos servia.”
No ano seguinte, a caixa de isopor evoluiu para o bloco pré-carnavalesco que é hoje. “Madalena tem a proposta de provocar uma nova roupagem para o Carnaval de Itabira, se inspirando nas tradições dos carnavais do Rio e Recife, misturando marchinhas, frevos e o coco, com muita liberdade para cada um dançar como bem quiser. Não há uma regra a seguir, só a inspiração no roxo e no amarelo, que são as nossas cores.”
Ainda segundo Herbert Rosa, como a Prefeitura historicamente não proporciona um Carnaval decente para os itabiranos, a tradição na cidade são os pré-carnavais, como os blocos dos Sujos que desfilam (ou desfilavam?) na sexta-feira. Já no sábado bem cedinho, a cidade se esvazia, com os foliões procurando outros carnavais pelo Brasil afora, principalmente onde existe água em abundância para refrescar o corpo e a alma do frenesi do tríduo momesco.
Madalena cresce e aparece
Com a chegada do Ano Novo, Madalena ganha forma e cresce. Terá 3,2 metros, ”uma linda boneca gigante, a inigualável”, nas palavras de Herbert Rosa, confeccionada em Olinda (PE) por Gustavo Alex, do coletivo Bonecos de Olinda, tradicional reduto do carnaval pernambucano.
Madalena será apresentada à sociedade itabirana no dia 13 de janeiro, na matinê para as crianças Madaleninha não Gosta de Poeminha. E desfilará com toda a pompa e samba nos pés no dia 27 de janeiro com o bloco na rua, a duas semanas do início do Carnaval.
“Madá irá fixar residência em Itabira e quer ser de todos os itabiranos. Para conhecê-la, basta vir de coração aberto e com muita disposição nas pernas para brincar pra valer. Vamos sair da praça do Centenário, percorrer carnavalescamente o centro histórico até o bairro Pará, no bar do Raimundinho. Já estão todos convidados”, propagandeia o carnavalesco itabirano.
Madalena só não gosta de poema no Carnaval. Fora dele, nada contra
Herbert Rosa assegura que, ao contrário do que se passa pelo imaginário popular, Madalena até que gosta de poema, mas não necessariamente no Carnaval. Mas o nome do bloco não deixa de ser também uma provocação. Afinal, onde se viu não gostar de poema na terra de Drummond?
“Nada contra o poeta, muito pelo contrário. Só achamos que em Itabira existem outras manifestações artísticas e culturais que precisam ser melhor divulgadas. Cultura não é só poesia, música, literatura. É também uma brincadeira no Carnaval, momento em que outras formas artísticas se expressam e ganham visibilidade também. A Madalena acredita em uma nova roupagem para o carnaval de Itabira. Carnaval é arte, doação e amor”, define.
Muito bom, que essa turma se mantenha firme em meio a tanta ineficiência da promoção cultural em nossa cidade.
Viva a Madalena!