Sindicalista ameaça fechar ferrovia se a Vale não impedir que empreiteiras contratem forasteiros

O sindicalista e vereador Paulo Soares (PRB) disse que pretende convocar os desempregados da cidade a ocuparem a linha férrea e impedir a passagem de trem com minério até que a Vale passe a pressionar as empresas por ela contratadas para que admitam preferencialmente, se possível exclusivamente, mão de obra itabirana para a execução de obras e serviços nas minas de Itabira.

O sindicalista e vereador Paulo Soares quer pressionar a Vale com a paralisação da ferrovia. Agnaldo “Enfermeiro” disse que não há como a mineradora obrigar as suas empreiteiras a só empregar mão de obra itabirana (Fotos: Carlos Cruz)

Com essa forma de pressão, Soares espera também acabar com o que chama de “fila da vergonha”, que toda noite a dentro fica mais cheia de desempregados esperando pela distribuição de cartas de recomendação para vagas de emprego pelo Sistema Nacional de Empregos (Sine-Itabira).

“Se a Vale nada fizer, não vai descer minério, que é o que ela gosta de Itabira. Vamos parar o trem”, ameaçou pela segunda vez o presidente do Sindicato Metabase do alto da tribuna do Grande Expediente, na reunião ordinária da Câmara Municipal de terça-feira (26/9) e também na reunião da semana passada. O sindicato que ele preside congrega empregados e aposentados da Vale – e é o maior da região.

“Já falei isso e vou voltar a repetir nesta tribuna nas próximas reuniões, enquanto essa situação persistir. Quem não quiser ouvir o que tenho a dizer, achar que estou repetitivo, que traga algodão e tampe os ouvidos.”

Segundo o sindicalista, é inadmissível para uma cidade com 18 mil desempregados ter alojamentos para abrigar a mão de obra que vem de outras cidades. “Metade de minha família está desempregada, tenho sobrinho enfrentando aquela ‘fila’, tenho irmã e irmão desempregados”, disse ele, exemplificando com o próprio drama familiar de ter parentes desempregados.

Pressão nas empreiteiras

“Quando o Joaquim das ‘Couves”, dono da empresa que ganhou licitação da Vale chegar aqui, vamos ter uma conversa com ele. Até vassouras, as empreiteiras estão comprando fora de Itabira”, exemplificou Paulo Soares. “Já falei com o prefeito e ele concorda que devemos pressionar a Vale para que ela tome uma posição”.

O sindicalista cita a Usiminas como exemplo a ser seguido. De acordo com ele, a siderúrgica do Vale do Aço irá “fichar” 1 mil trabalhadores nos próximos dias. Desses, “650 terão de ser ipatinguenses e os outros de Timóteo, ninguém de fora será contratado.” É esse modelo que Paulo Soares gostaria de ver adotado pela Vale em Itabira.

Porém, ele afirmou que não é o que tem observado na cidade. “Eu, ‘rodando’ na avenida João Pinheiro, ‘topei’ com cinco trabalhadores com uniforme azul, todos vindos de Belo Horizonte. Não tenho nada contra esses trabalhadores, mas isso é inadmissível com tantos desempregados na cidade.”

Ao conceder breve aparte, Paulo Soares foi advertido pelo vereador Agnaldo “Enfermeiro” Vieira Gomes (PRTB) ao lembrar que a mineradora não tem como obrigar as suas empreiteiras a só contratar quem mora em Itabira. “Mas a Vale pode recomendar e isso tem grande peso”, acrescentou o vereador, prontificando-se a participar da comissão que irá conversar com a mineradora para pedir providências.

O desempregado Valter Anastácio protestou na Câmara Municipal

Antes de concluir o seu pronunciamento, Paulo Soares foi interrompido e teve o endosso do desempregado Valter Antônio Anastácio. Ele disse ter sete profissões e está desempregado com um ‘monte” de contas para pagar.

“Fiquei de 5h às 8h na fila do Sine para sair com um papel me recomendando para uma vaga de mecânico. Outros desempregados que veem de fora também pegam o mesmo papel”, protestou.

Com certeza, se convocado, Anastácio será um dos que engrossarão a turma que irá fechar a ferrovia, caso vingue a ameaça do vereador sindicalista.

Outro lado

Por meio de sua assessoria de imprensa, a mineradora afirma que sempre procurou sensibilizar as empresas contratadas e prestadoras de serviço a priorizar a admissão de trabalhadores itabiranos para os seus quadros de empregados. “A Vale tem a valorização e a contratação de mão de obra local como premissa de atuação em todas as suas operações e projetos”, salientou.

Jovens itabiranos foram capacitados pelo programa de Preparação para o Mercado de Trabalho, parceria da Vale com o Senai

Foi o que ocorreu, por exemplo, por ocasião da implantação dos projetos Itabiritos, quando em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), manteve o Programa de Preparação para o Mercado de Trabalho (PPMT).

Entre 2010 e 2013, pela parceria foram capacitados mais de 3,4 mil trabalhadores itabiranos em 40 cursos de iniciação profissional, qualificação e aperfeiçoamento.

No período, a absorção dessa mão de obra para a execução dos projetos foi acima de 70% dos trabalhadores qualificados pelo programa.

Os projetos Itabiritos movimentaram mais de R$ 437 milhões no comércio itabirano até dezembro de 2015. “A Vale sempre incentiva empresas contratadas e prestadoras de serviços a adotarem a mesma política de incentivo ao desenvolvimento local”, enfatizou a nota da empresa, em respostas às críticas na Câmara Municipal.

Antecedentes históricos

Não foi a primeira e com certeza não será a última vez que um político itabirano tem a ideia de interromper a saída de minério de Itabira, fechando a linha férrea. No início da década de 1960, ao protestar pelo fato de a Vale não pagar impostos pela exploração do minério, isenta que era por força de decreto do presidente Getúlio Vargas (PTB) ao criar a estatal, o então vereador Daniel Grisolia propôs fechar a ferrovia com máquinas da Prefeitura. A Vale só começou a pagar impostos com a instituição, em 1966, do Imposto Único sobre Minerais (IUM), extinto com a Constituição Federal de 1988.

Anos mais tarde, o então prefeito Luiz Menezes (PFL), já no final de seu mandato (1989/1992), em decorrência de impasse com a empresa sobre a cobrança dos royalties do minério (Cfem), anunciou pela imprensa que fecharia a ferrovia caso as negociações não avançassem. E citou Daniel Grisolia como o autor da ideia, que, entretanto, não foi colocada em prática por nenhum dos dois.

Um pouco antes, no início do mandato de Menezes, os ferroviários da Estrada de Ferro Vitória a Minas colocaram a proposta em prática. Em 5 de abril de 1989, no terceiro dia de uma greve deflagrada pelos trabalhadores da Vale, eles ocuparam a estrada de ferro, em frente ao campo do Valério. E impediram por mais de três horas a passagem do trem vindo do carregamento Cauê. A ferrovia só foi desocupada com a chegada da tropa de choque da PM de Ipatinga.

Ferroviários ocupam a ferrovia na greve de abril de 1989 (Foto: Giovani Pereira/Acervo O Cometa)

A histórica greve da Vale teve início em Itabira. Ganhou adesão dos trabalhadores de Timbopeba, em Ouro Preto, e também dos ferroviários. Durou três dias e chegou a afetar a metade da produção diária de 100 mil toneladas em Itabira, conforme admitiu a empresa. Só foi encerrada com a vinda a Itabira do ex-presidente da Vale Francisco Schettino para negociar diretamente com os grevistas.

O presidente da Vale declarou na ocasião que a queda na produção provocada pela paralisação seria facilmente recuperada, mas lamentou a deflagração da greve. “As exportações não foram afetadas, mas o mercado ficou preocupado”, foi o primeiro balanço que ele fez após a volta ao trabalho.

“Não são os prejuízos decorrentes da paralisação que nos preocupam, esses podem ser recuperados. Mas a greve afetou o bom relacionamento que sempre tivemos com os nossos empregados, além de ter deixado apreensivo os nossos compradores.”

Desde então, essa história de parar a Vale nunca mais se repetiu – e não se falou mais em impedir a passagem do trem. Só agora, quase duas décadas depois, um sindicalista volta a falar em fechar a ferrovia por onde passa o maior trem do mundo.

 

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