Setembro amarelo: não ao suicídio, em favor da vida!
Lenin Novaes
“Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História”.
A frase finaliza a chamada carta-testamento de despedida de Getúlio Vargas, presidente da República do Brasil que se suicidou com tiro no peito em 24 de agosto de 1954, no Palácio do Catete, Rio de Janeiro. É o caso de suicídio, até os dias de hoje, de maior repercussão na vida da história brasileira. A morte por suicídio tirou a vida, ainda, de outros dois integrantes da família: Manoel Antonio Sarmanho Vargas e o filho, o advogado Getúlio Dornelles Vargas Neto, o mesmo nome do avô e que era chamado de Getulinho. Ele deu tiro na cabeça, 17 de julho deste ano, aos 61 anos de idade; enquanto o pai morreu com tiro no coração, em 15 de janeiro de 1997, aos 79 anos.
Recorro ao caso que marca três gerações da família Vargas para falar de “Setembro Amarelo”, que assinala campanha de conscientização sobre a prevenção de suicídio, com objetivo direto de alertar a população a respeito da realidade do autoextermínio no Brasil e no mundo e suas formas de prevenção. No país, o Centro de Valorização da Vida (CVV), Conselho Federal de Medicina e Associação Brasileira de Psiquiatria estimulam a discussão da causa, vinculada ao Dia Mundial de Prevenção do Suicídio.
Entre as principais causas que levam ao suicídio estão depressão, doença e/ou má saúde, solidão, problemas conjugais e de relacionamento, dificuldades financeiras ou profissionais e perdas afetivas. Estudo sinaliza que mulheres tentam suicídio em média três vezes mais do que os homens, possivelmente, por isso estar relacionado à maior incidência de depressão entre elas. No entanto, às vezes, os homens têm mais êxito em se matar do que as mulheres, que está relacionado com o método escolhido, sendo mais inclinados a utilizar armas de fogo, gases de combustão ou enforcamento.
Há cerca de um ano e meio, em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, no Senado, o assunto do suicídio foi revelado como epidemia silenciosa, que causa, em média, a morte de 12.000 brasileiros por ano. O encontro reuniu especialistas que abordaram estratégias e políticas públicas para prevenir os casos de mortes por suicídio no país. A Organização Mundial de Saúde estima que a cada 40 segundos uma pessoa se suicida no mundo.
Nos últimos dez anos, a taxa de suicídio cresceu mais de 40% entre os brasileiros de 15 a 29 anos. Os números, considerados alarmantes, foram revelados na audiência pública. Um político, autor do pedido da audiência, lamentou que o suicídio ainda seja tema cercado por tabus e preconceitos e disse que o problema representa uma epidemia no Brasil e no mundo. Para ele, “muitos já falaram a respeito, mas é preciso reprisar. Convivemos uma epidemia silenciosa. De fato é uma epidemia que está afetando muita gente perto da gente. Por isso é importante discutir este tema permanentemente”.
Médicos e psicólogos participantes observaram que há oportunidades para salvar a vida de quem pensa em se matar. Disseram que é importante falar sobre o assunto e dar voz a quem sofre. O professor de Psicologia da Universidade de Brasília, Marcelo Tavares, argumentou que as campanhas educativas e ações de prevenção são eficientes e defendeu que o suicídio deve ser tratado como problema de saúde pública, com políticas e ideias específicas.
Para ele, “nossos desafios são grandes. O contexto da prevenção do suicídio é muito mais amplo, requer que a gente pense nas nossas crianças, nos nossos adolescentes, nos nossos idosos, nas profissões de risco e nas pessoas que possam ter experiências agudas de sofrimento”.
No Brasil, o CVV atua há 53 anos, com atendimento 24 horas/dia no telefone 188, por e-mail ou bate papo na internet, no endereço www.cvv.org.br. Muitos núcleos tem atendimento no horário diurno e, também, noturno, através de telefone.
A campanha de prevenção ao suicídio vem ocorrendo no nosso país durante este “Setembro Amarelo”. No Município de Itabira, Minas Gerais, com considerável incidência de suicídio, o núcleo CVV se fez representar por um voluntário, Rodrigo Hermógenes, na Câmara de Vereadores, dia 12 de setembro, durante sessão, quando revelou que a cidade ocupa posição preocupante no ranking de suicídios.
Falou com aos vereadores que “a primeira medida preventiva é a educação, que é preciso deixar de ter medo de falar sobre o assunto, derrubar tabus, compartilhar informações”. O CVV de Itabira atua desde 1º de dezembro de 1999, de 18 às 22 horas no telefone (31) 3831-4111. Tem convênio com a Prefeitura de Itabira que repassa recursos para pagamento de aluguel, luz, água, telefone, internet, materiais de limpeza e de escritório.
Na Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ -, a decana do Centro de Ciências de Saúde – CCS – promoveu atividade relevante sobre a prevenção de suicídio, através do Setor de Humanização e Acolhimento, que integra a Coordenação de Qualidade, Saúde, Meio Ambiente, Segurança do Trabalho e Responsabilidade Social. Contando com parceria da Biblioteca Central do CCS, nos dias 12 e 13 de setembro, alunos, professores e técnico-administrativos assistiram palestras sobre a valorização da vida e a prevenção de suicídio. Na abertura das palestras, a decana do CCS, professora Maria Fernanda S. Quintela da Costa Nunes; o pró-reitor de Pessoal (PR-4), Pedro Campos; e o coordenador do CVV João Alexandre.
Para Roberto Santos, coordenador da QSMSRS, “a participação foi satisfatória, pois as pessoas se mostraram interessadas e, acredito, serão agentes multiplicadores em disseminar ideias e propostas já consolidadas sobre o assunto”. E avaliou que “esse tipo de debate sobre o assunto sempre esteve na linha do silêncio, mas tem que ser mais constante no meio acadêmico, nas escolas, pois são áreas do saber e do conhecimento nas quais distingue os jovens.
É fundamental que o debate seja frequente, além da agenda de atividades embutidas no “Setembro Amarelo”. O suicídio é uma questão complexa e, por isso, os esforços de prevenção necessitam de discussão entre todos os diferentes setores da sociedade: seja na área da saúde, educação, trabalho, agricultura, justiça, política, mídia, etc.”.
Para o desfecho da abordagem sobre o assunto, é de bom alvitre que não nos esqueçamos do caso do jornalista Vladimir Herzog, assassinado num ritual de tortura, por militares, no dia 25 de outubro de 1975, em São Paulo, nas dependências do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI/Codi).
O comando do DOI/Codi – órgão de repressão do Exército durante a ditadura civil-militar (1964-1985) – divulgou que Herzog havia cometido suicídio por enforcamento na cela em que estava preso. Mas, a falsa versão – com fotografia forjada do jornalista – foi desmontada. Em 27 de outubro de 1978, no processo movido pela família de Herzog, a verdade do caso foi esclarecida e a União responsabilizada pela prisão arbitrária, tortura e morte de Herzog.
Não fosse a morte sob tortura, ele estaria hoje com 80 anos de idade, completados em 27 de junho último, pois nasceu em 1937, em Osijek, na Iugoslávia. Mudou-se com a família para o Brasil para fugir da perseguição aos judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Naturalizou-se brasileiro e mudou seu nome para Vladimir. Formado em filosofia pela Universidade de São Paulo, em 1959, e desde então exerceu a atividade jornalística em diferentes veículos. Iniciou a carreira como repórter do jornal O Estado de S. Paulo e foi jornalista da revista Visão, na BBC e TV Cultura.
1 Comentário