Sem tratamento coletivo de esgoto e crescimento desordenado ameaçam nascentes do rio Tanque em Serra dos Alves

Rio Tanque, na Serra dos Alves: água despoluída na cabeceira sob ameaça

Fotos: Eduardo Cruz/
Humberto Martins

“Descrever os piores cenários ajuda educar as pessoas, reduzindo as probabilidades de alguns desses cenários se tornarem realidade”, recomenda José Eustáquio Diniz Alves, doutor em Demografia

Por Carlos Cruz

O alerta para o risco de poluição dos cursos d’água, nascentes do rio Tanque, que passam pelo povoado da Serra dos Alves, distrito de Senhora do Carmo, é do engenheiro sanitarista Paulo Therezo, um dos primeiros moradores adventícios da ainda bucólica vila, assustado que está com o ritmo frenético da expansão urbana desse ainda aprazível e despoluído cartão-postal do nascente turismo ecológico do Mato Dentro.

Embora tenha melhorado a paisagem urbana da vila, com calçamento, restauração da histórica capela de São José, além do tombamento do centro histórico que está mais bem cuidado, sem planejamento e ordenamento, com a ocupação urbana desenfreada e predatória, é grande o risco de contaminação dos rios e córregos que ficam abaixo da vila por efluentes domésticos não tratados adequadamente.

De acordo com Therezo, atualmente os efluentes de esgoto urbano da vila são (mal)tratados em fossas sépticas, quando não em buracos negros, e podem não ser suficientes para impedir uma futura poluição dos cursos d’água que ficam à jusante.

O alerta é grave e recorrente. Essa situação vem se arrastando há vários anos, ainda sem solução, com as irregularidades seguindo impunemente, inclusive com construções em áreas de preservação permanente.

Há embargos, mas proprietários que se acham acima da lei dão de ombros, desrespeitam a autoridade municipal, como reconheceu o próprio secretário municipal de Meio Ambiente, Denes Lott, em reunião do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema), na sexta-feira (16), depois de ser questionado pela reportagem deste site.

“Informo, até como representante da Prefeitura, que existe ali uma carência de braços e mãos do poder público”, referindo-se à ausência, ou ineficiência, do Estado ao não coibir e impedir que perpetuem situações irregulares, uma omissão que beira à prevaricação pelo risco que representa para o meio ambiente, à saúde e ao bem-estar da população e dos turistas.

Investigação federal

Diante desse quadro, Denes Lott vê até mesmo a necessidade de invocar outras forças coercitivas, como o Ministério Público Federal, que por sua vez pode acionar a Polícia Federal, uma vez que Serra dos Alves é parte de uma unidade de conservação federal, a Área de Proteção Ambiental (APA) Morro da Pedreira, como zona de amortecimento do Parque Nacional Serra do Cipó.

“Há muitas construções irregulares que foram embargadas, mas os construtores ou proprietários, desafiam os embargos da SMDU (Secretaria Municipal de Desenvolvimento de Desenvolvimento Urbano) ou do Meio Ambiente. Dão prosseguimento e concluem as construções”, disse ele na reunião do Codema.

Turismo sob ameaça

À semelhança do que aconteceu na década de 1980 com Santa Maria de Itabira, é grande o risco de que algo parecido possa acontecer na Serra dos Alves, com a contaminação por efluentes vindo ameaçar a saúde das pessoas, moradores e turistas, matando o incipiente e promissor turismo ecológico na Serra dos Alves e nos cursos d´água abaixo.

Foi o que aconteceu com o antigo “balneário” de Santa Maria, que contava com grande movimentação de moradores da cidade e de fora que banhavam em seus rios e cachoeiras. Isso até que o Instituto René Rachou, da Fiocruz Minas, atestasse o alto grau de poluição por esgoto doméstico e de chiqueiros com proliferação de esquistossomose.

“A ocupação desordenada que se observa em Serra dos Alves pode mesmo inviabilizar o turismo num futuro próximo”, adverte o secretário municipal de Meio Ambiente. “Vamos entrar nessa briga para reverter essa situação com todas as nossas forças”, prometeu Denes Lott.

Ele sugeriu aos conselheiros do Codema, e foi acatado, a convocação para a próxima reunião do órgão ambiental municipal, em fevereiro, da SMDU, do Saae, responsável pelo saneamento básico no município, com convite ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que administra Parque Nacional Serra do Cipó, que faz divisa com Serra dos Alves. O objetivo é debater toda essa crucial situação.

Licenciamento ambiental

Além das construções particulares irregulares, têm-se dúvidas também sobre o licenciamento da inoperante Estação de Tratamento de Água (ETA), que foi aprovada ad referendum, pela administração passada, sem consulta ao Codema, de acordo com o que prevê a legislação municipal.

Para o engenheiro Paulo Therezo, não deveria ter ocorrido dessa forma, inclusive sem consulta à comunidade. Ele entende que o seu licenciamento deveria ter observado as legislações estadual e federal.

Isso pelo fato de a Serra dos Alves se encontrar em uma zona de amortecimento, a dez quilômetros do Parque Nacional da Serra do Cipó, uma unidade de conservação de preservação integral.

Prevalecendo a sua tese, tanto o parcelamento do solo, que tem ocorrido de forma irregular, como também o licenciamento de construções, inclusive da ETA, não deveria ser da alçada municipal, que deve ser acionada, nesses casos, apenas para consulta e  anuência.