Saúde mental, política e diversidade ocupam espaços nas Olimpíadas
Rafael Jasovich*
Em meio a uma crise pandêmica que mudou profundamente a vida das pessoas em todas as partes do mundo, impondo distanciamento social e novos meios de relacionamento, sobretudo potencializando o papel das mídias sociais, as Olimpíadas parecem amenizar o tamanho isolamento e reacender às esperanças de um mundo baseado nos bons valores que o esporte nos ensina.
Mas, por outro lado, as Olimpíadas também expressam a realidade nua e crua pela qual o mundo atravessa. O aumento da incidência de problemas decorrentes da saúde mental, os conflitos políticos que assolam o mundo e as disputas por um espaço maior entre as nações são exemplos que ilustram outra face dos jogos.
A pandemia reforçou uma tendência que, infelizmente, já vinha crescendo nos últimos anos: a do aumento de problemas decorrentes da saúde mental.
No caso dos atletas, a perda de um ano de preparação adequada pode comprometer todo um ciclo olímpico e acarretar até mesmo na aposentadoria precoce.
A incerteza de alcançar as marcas e de manter o bom condicionamento físico e as condições materiais básicas para garantirem a preparação afetaram diretamente a saúde mental de muitos atletas.
Por outro lado, independentemente da pandemia, a pressão por resultados tem sido um dos grandes vilões da saúde mental.
Michael Phelps, que coleciona 28 medalhas olímpicas, sofreu com a depressão e a ansiedade e afirmou ter pensado em suicídio, os mesmos problemas que retiraram dos jogos olímpicos de Tóquio a ginasta norte-americana Simone Biles.
Assim com Phelps reinou na natação e se tornou um dos maiores atletas olímpicos da história, Biles ganhou todas as competições de ginástica no individual geral desde o mundial de 2003, quando foi apresentada ao mundo.
Mas a pressão por resultados e para se manter sempre no topo do pódio fez sua mente adoecer, e o que a retira dos jogos não são os joelhos ou os músculos estafados, mas sim sua mente e pensamentos, que impossibilitam seus movimentos. Biles foi uma voz corajosa em meio a tantas outras silenciadas pelas pressões de todo o tipo.
Ao mesmo tempo, os conflitos políticos ao redor do mundo também são outro lado dos jogos que merecem destaque. Em Tóquio, são 29 atletas que compõem a delegação dos atletas refugiados.
A maioria deles saiu de seus países por perseguições políticas, religiosas e guerras. A principal medalha para essa delegação é sua própria presença nos jogos e a celebração de estarem vivos.
Talvez o que mais exemplifique esses conflitos, não cessados nem mesmo com o espírito olímpico, seja a recusa do judoca sudanês Mohamed Abdalrasool em subir no Nippon Budokan, templo sagrado do Judô, para o confronto com o israelense Tohar Butbul, na madrugada do dia 26 de julho.
Esse mesmo ato já havia sido praticado contra o mesmo judoca israelense pelo judoca argelino Fethi Nouringe, que afirmou que o ato foi em solidariedade à causa palestina.
O ato de protesto das atletas alemãs de ginástica artística que trocaram os collants por calças, denunciando assim a superexposição sexualizada dos corpos das atletas, se soma ao fato de um atleta afrojaponês ter sido o porta bandeira do país sede na cerimônia de abertura.
Na mesma linha, as olimpíadas nos pregam tolerância religiosa frente a um mundo em que a intolerância ganha espaço e poder político.
O exemplo que a grande craque da seleção feminina de futebol Marta tem feito ao denunciar as disparidades salariais e de condições entre os atletas masculinos e femininos, é outro bom exemplo.
Outro é do atleta Paulinho da seleção masculina de futebol que trouxe à baila o tema da liberdade religiosa ao homenagear Oxóssi em um gol feito contra a Alemanha, valorizando assim as religiões de matrizes africanas, bastante praticadas no Brasil.
Nunca os temas como o racismo, os direitos das mulheres, o combate à homofobia e a liberdade religiosa se expressaram com tanta visibilidade como em Tóquio.
*Rafael Jasovich é jornalista e advogado.