Saudade doce de sentir
Cartão postal – Rua da Bahia, Belo Horizonte, Anos 50
Acervo: João Capanema/ Fotos Antigas de BH
Alphonsus Guimaraes Filho
Quando Carlos Drummond de Andrade, escrevendo sobre a novíssima Belo Horizonte, exclama: “Velha cidade, não vemos nisso somente o elemento de ternura que de fato contém esse qualitativo “velha”, mas um reflexo ainda da sua obsessão pela cidade. Velha cidade!
Parece dizer-me vendo tanto como as árvores repetidas, em casas iguais na sua amargura, essas casas que guardam a passagem de tantas vidas (lembramos Raul de Leoni) “numa vaga fluidez reminiscente”.
A cidade velha se projeta sobre Belo Horizonte e o que se vê é uma alma procurando o que ficou no tempo, o que palpita no tempo, os mistérios das forças exaustas ou recém-nascidas numa propulsão para o desconhecido.
Já o mesmo Carlos me confessou certa vez que ficara “orgulhoso” porque o mano João Alphonsus lhe dissera ter achado a sua cidade mais melancólica que a velha Mariana… Com Cornélio Penna, a situação é outra. Estamos diante de um itabirano que nasceu em Petrópolis…
Mas que já confessou ser Itabira a sua melhor amiga. Eis aqui o passado, os ancestrais, a nostalgia dos séculos, atuando sobre um coração capaz de sentir a saudade, a mais forte das saudades, que é a que vem do passado que vivemos.
Cornélio Penna é o mineiro a que as metrópoles, nem mesmo a circunstancia de nascer longe de Minas, não roubaram a virtude essencial dos nossos escritores; sentir-se ligado e mesmo comprometido com as sombras que povoam o seu mundo. Que não abandonará jamais.
Lúcio Cardoso, Murilo Mendes, Cyro dos Anjos, Guilhermino César… Em todos eles a marca, a presença da terra mineira. Em todos eles, o gosto da introspecção, o comentário irônico que não fere, mas se faz, isto sim, um meio de disfarçar a ternura enorme que vai rebentar o peito, que não cabe mais no coração.
Em todos eles, a província inesquecível, a tendência ao mistério, a inquietação metafisica, a presença do sobrenatural. A religiosidade mineira é que perturba o coração de um Abgar Renault ou de um Austen Amaro. Que torna tão delicadamente sensível a poesia de Henriqueta Lisboa.
[Jornal de Notícias (GO), 8/11/1957. Hemeroteca BN-Rio, Leitora 1375 – Pesquisa: Cristina Silveira]