‘Sangue, sangue, veja bem esse jornal’: o samba de Roberto Silva é uma crítica atual ao sensacionalismo predominante na imprensa de Itabira
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Carlos Cruz
A estrofe acima é da música Jornal da Morte, interpretada pelo “príncipe do samba”, Roberto Silva (1920-2012) – inspirador musical do eterno sambista itabirano José “Tobias” Caetano Belisário (1930-2022). Reflete uma crítica atemporal a uma mídia que explora tragédias e crimes de forma incessante e irresponsável.
Em Itabira, essa situação se torna ainda mais preocupante, considerando que grande parte dos jornais locais, muitos sustentados por recursos públicos provenientes da Prefeitura e da Câmara Municipal, dedica-se quase exclusivamente à reprodução de notícias policiais, sem qualquer aprofundamento ou contextualização.
Essas notícias, frequentemente, são cópias de outras fontes, sem aprofundamento ou investigação própria – e, não raro, sequer mencionam as fontes originais. Muitas vezes, têm como únicas referências a polícia e os investigadores. Basta observar: todos publicam as mesmas matérias, quase como réplicas feitas com papel carbono ou mimeografadas.
Essa prática resulta em uma cobertura enviesada que, em vez de informar de forma responsável, reforça estigmas e falha em trazer benefícios concretos para a sociedade. Pelo contrário, contribui para a construção de uma imagem de Itabira como uma cidade violenta e perigosa – um lugar pouco atrativo tanto para morar quanto para investir.
Não se ignora nessa crítica a triste realidade frequentemente destacada no noticiário local, mas o problema está na ausência constante de contextualização e no apelo sensacionalista que domina a narrativa.
O impacto desse tipo de jornalismo ultrapassa as páginas impressas ou digitais. Em tempos de internet e redes sociais, por onde as informações se propagam rapidamente, o sensacionalismo contribui para projetar uma imagem negativa da cidade em nível regional e até nacional.
Assim, Itabira acaba sendo mais lembrada pelos crimes e tragédias destacados nas manchetes do que por suas qualidades, iniciativas ou potencial de desenvolvimento. Essa narrativa prejudica o município, afastando investimentos, inibindo o turismo e enfraquecendo o sentimento de pertencimento dos próprios itabiranos e assusta que vem de fora para aqui trabalhar e viver com os seus familiares.
Enquanto a percepção externa é danosa, internamente, as consequências são igualmente preocupantes. Esse tipo de mídia não apenas deseduca, mas também distorce as prioridades da população.
O público leitor é atraído por manchetes sensacionalistas, impactantes com as histórias de violência, enquanto temas essenciais – como saúde, educação, infraestrutura e políticas públicas – são relegados a segundo plano, com raras exceções.
Mais grave ainda é que as notícias policiais reforçam preconceitos estruturais, pois as matérias quase sempre destacam a prisão de pessoas pretas e pardas, sem oferecer qualquer contextualização sobre as condições sociais que levam a essas situações.
Esse modelo de comunicação, longe de atender ao interesse público, torna-se ainda mais problemático quando financiado com recursos do erário municipal. Ao patrocinar esses veículos, o poder público legitima e perpetua práticas jornalísticas que não contribuem para o desenvolvimento social, econômico e cultural da cidade.
É urgente reavaliar o modelo de jornalismo predominante em Itabira. Uma imprensa local que se comprometa com o progresso coletivo e adote uma abordagem mais diversificada, crítica e responsável tem o poder de transformar profundamente a percepção da cidade – tanto entre os próprios moradores quanto para aqueles de fora.
Além disso, essa transformação pode impactar positivamente a sociedade como um todo, elevando o nível do debate público e o senso comum, contribuindo para que ideais hoje vistos como utópicos se tornem, um dia, realidade.
Neste editorial, não se defende a exclusão do noticiário policial, mas sim uma mudança na forma como ele é apresentado, como já argumentado anteriormente. É recomendável que o enfoque vá além do sensacionalismo e da mera reprodução de informações oriundas das autoridades policiais, buscando contextualizar os fatos de maneira mais abrangente e crítica.
Isso inclui a análise das causas sociais, econômicas e culturais por trás das ocorrências, promovendo um jornalismo que informe e construa entendimentos, em vez de reforçar estigmas ou alimentar preconceitos.
Como bem criticou Roberto Silva, essas publicações “mas parecem um hospital”. Uma cidade não pode depender de uma imprensa que, em sua maioria, se alimenta exclusivamente de tragédias para gerar engajamento online, elevando rankings de audiência no Google Analytics para atrair patrocinadores. Essa fórmula, que transforma notícias em mercadoria, limita a evolução do jornalismo e prejudica a sociedade.
Itabira, que já possui mais de 40 publicações eletrônicas – além de veículos impressos e emissoras de rádio –, precisa redirecionar suas práticas de comunicação. A maioria, como já ressaltado, segue o mesmo modelo sensacionalista, reforçando uma visão limitada e prejudicial da realidade local.
É hora de repensar e transformar a mídia em Itabira. Como afirmou o sempre eterno Alberto Dines (1932-2018) em O Papel do Jornal, cabe à imprensa contribuir ativamente para a construção de uma sociedade mais informada, crítica e consciente de seus desafios e potencialidades.
Ouça Jornal da Morte, de Roberto Silva (1920/2012) aqui: https://www.ouvirmusica.com.br/roberto-silva/.
Roberto Silvia, o príncipe do samba, foi o primeiro a gravar o nosso Norberto Martins. Pelo telefone falei com ele, foi amável comigo e fez perguntas sobre a família do compositor precioso.
Saravá