Rompimento de barragem de Fundão completa três anos de negligência técnica e socioambiental
A maior tragédia ambiental ocorrida no país completa nesta segunda-feira (5) três anos de impunidade. O rompimento da barragem de Fundão, da empresa Samarco, uma joint-venture da Vale e da BHP Billinton, dizimou os povoados de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, ambos no município de Mariana.
E deixou um rastro de destruição permanente e continuado, com o despejo de 40 milhões de toneladas de rejeito de minério de ferro, atingindo mais de 500 mil pessoas por toda a bacia hidrográfica do rio Doce. A lama com rejeito matou 19 pessoas no distrito de Bento Rodrigues e atingiu 40 cidades em Minas Gerais e no Espírito Santo.
Para o promotor Guilherme de Sá Meneguim, titular da 2ª Promotoria de Justiça da Comarca de Mariana, o rompimento da barragem não foi um acidente, como procurou justificar a mineradora, mas um rompimento que ocorreu em consequência de uma série de negligências – e que resultaram em crime de violação de direitos humanos.
“Foi um crime com dolo eventual (ocorre quando o agente, mesmo sem desejar o resultado, assume o risco de cometer o crime). Muitos perderam a vida, outros tiveram o seu patrimônio destruído, comunidades foram dizimadas”, disse o promotor em palestra realizada na Câmara Municipal de Itabira, em 9 de novembro, promovida pelo coletivo 4ª Arte, programa de extensão universitária do campus local da Universidade Federal de Itajubá (Unifei).
De acordo com o promotor, trata-se também de um crime que podia ter sido evitado não fosse a negligência. Segundo ele, o colapso da barragem não teria ocorrido caso não ocorresse infiltração de água e a formação de uma camada pastosa na base da barragem de Fundão.
“Antes do rompimento foi cometida uma série de erros e irresponsabilidade na administração da barragem. Eles (os técnicos da Samarco) tinham conhecimento dessa situação e nada fizeram para evitar o colapso de sua estrutura. Com uma pressão muito grande vinda de baixo para cima, tudo se rompeu”, descreveu.
Atraso no reassentamento
O crime, contudo, permanece impune – e até mesmo a indenização devida às famílias dos 19 mortos não tem sido satisfatória, contou a museóloga e restauradora Lucimar Muniz, em palestra promovida pelo mesmo coletivo 4ª Arte, na quinta-feira (1), no campus da Unifei de Itabira.
Ela lamentou também o atraso ocorrido para reassentar as 250 famílias que tiveram as suas propriedades destruídas pela lama de rejeito nos distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo – e também nos demais povoados, além de moradores ribeirinhos atingidos por toda extensão do rio Doce.
“Pelo planejamento inicial, as primeiras casas deviam ter sido entregues em outubro deste ano. Hoje, o que temos em Bento Rodrigues é só o início da terraplenagem”, disse Lucimar Muniz. Ela é de uma família que teve a sua propriedade atingida pelo rompimento da barragem de Fundão.
“Quem ouve o discurso da Fundação Renova (criada pelas mineradoras para assistir às famílias atingidas e promover a recuperação das áreas degradadas) tem a sensação de que está tudo caminhando lindamente, mas não é o que se observa”, lamentou.
Segundo a museóloga, o processo de reassentamento das famílias não tem ocorrido como foi acertado com os antigos moradores de Bento Rodrigues. “O compromisso foi de que seria observado o tamanho dos antigos imóveis e também o mesmo desenho existente anteriormente no distrito, respeitando a relação de vizinhança. Mas nem isso está sendo respeitado.”
Para Lucimar Muniz, o pecado original na reparação ocorreu justamente com a criação da Fundação Renova. “Quando se pega o réu e atribui a ele o processo de reparação, com interesses privados se confundindo com o que é do público, o que se observa é a constante violação dos direitos das vítimas.”
Aquíferos monopolizados
Presente também no encontro com universitários da Unifei para relembrar os três anos do rompimento da barragem de Fundão, o cientista social Frederico Siman, pesquisador da Universidade Federal de Viçosa, disse ser importante no âmbito dessa discussão observar como a mineração monopoliza a água – e restringe o seu uso para outras finalidades.
“É o que se observa em Itabira”, acentuou. Ele sustentou que o monopólio da água dos aquíferos acaba por inibir o surgimento de outras atividades econômicas.
Nessa luta pela defesa da água, Siman contou como surgiu o movimento Água é mais importante que a mineração, que se opõe ao projeto Apolo, de mineração da Vale na região da serra da Gandarela. “Água é prioridade humana, mas tem sido outro direito humano violado pela mineração.”
Conforme ele explicou, há uma coincidência geológica entre minério de ferro e água. “Ao se extrair minério, extrai-se também a água. E retira as condições de recarga dos aquíferos, que são formação rochosa que acumulam água.”
Debate necessário
Para o professor Leonardo Ferreira, do departamento de Engenharia de Saúde e Segurança da Unifei, a ideia de trazer para a universidade o debate sobre o rompimento da barragem de Fundão foi também uma maneira de provocar essa discussão com base na experiência da mineração em Itabira.
“Com a sua proximidade do núcleo urbano, a cidade sofre com os impactos da mineração cotidianamente. A Vale é corresponsável com o crime socioambiental ocorrido em Mariana”, salientou.