Roda de conversa com batuque e cantorias marca aniversário do coletivo Tô na Praça
“Ganhamos um belo presente”, comemorou a artesã Gabriela Guerra, idealizadora do coletivo Tô na Praça, que completou o primeiro ano de existência com mais uma feira e um colorido encontro com debate com os Mestres da Cultura Popular, na tarde de sábado (9), na praça José Máximo Resende, no bairro Campestre.
Encontro e debate foram organizados com o apoio imprescindível do coletivo Mulheres na Praça e dos projetos de extensão Sankofa Capoeira e 4ª Arte, ambos da Unifei.
“Foi um casamento perfeito”, diz a professora Carolina Morelli, da Unifei, coordenadora do projeto Sankofa Capoeira. “Juntamos nossos esforços e o resultado foi um bonito encontro da cultura popular.”
O encontro teve o propósito de incentivar a participação de grupos tradicionais de Itabira e de Santa Maria, assumindo o papel de protagonistas de suas histórias e cultura. “Com eles, nos divertimos muito e ficamos todos felizes”, diz a professora da Unifei.
Participaram da feira e do debate, seguido de apresentações, os grupos das Lavadeiras de Ipoema, da Guarda de Marujos Nossa Senhora do Rosário, e do Batuque do Barro Preto, uma comunidade quilombola de Santa Maria de Itabira. Outra participação especial foi do mestre de capoeira Izael Teixeira, do grupo Pena de Ouro, de São Carlos (SP).
Domingo na Praça
Representante do movimento pela Igualdade Racial no Conselho Municipal de Política Cultural, José Norberto “Bitinho” de Jesus aplaudiu a iniciativa. “A praça é por excelência espaço para a cultura popular”, classifica. “Assistimos uma mistura de culturas tradicionais que precisam ser preservadas”, defende.
Bitinho lamenta por Itabira não celebrar o Dia Nacional da Cultura Popular, festejado em todo país em 22 de agosto. “Infelizmente, não temos essa tradição. Quem sabe com apoio desses coletivos e da Unifei podemos promover uma outra grande festa nessa data”, propõe.
Enquanto isso, já como preparativo, ele promove em 15 de julho o projeto Domingo na Praça, na pracinha do Pará. “Esperamos reunir todos esses grupos, com a participação do Tô na Praça, dos coletivos da Unifei e também dos representantes da cultura popular do Morro de Santo Antônio, única comunidade quilombola de Itabira certificada pela Fundação Palmares.”
Protagonismo como expressão da cultura popular
No debate que ocorreu antes das apresentações em separado e coletivas dos grupos, cada representante contou um pouco de suas histórias e tradições. Neta de Tobias Pires, ex-escravo fugitivo que criou a comunidade do Barro Preto, Maria Zita da Silva Araújo, a TiaZita, é cantora e compositora da maioria das músicas do Batuque do Barro Preto.
Ela conta que o grupo foi formado com o propósito de resgatar as antigas tradições de cantorias e folguedos. “Nossos antepassados nos deixou essa tradição, que estávamos perdendo.”
O grupo foi fundado em 22 de junho de 2004. “Estávamos na escola participando do programa Brasil Alfabetizado e a professora nos incentivou a formar o grupo, depois que ela ouviu a gente cantando e batucando”, revela.
“O batuque é uma tradição em nossa comunidade, mas andava esquecido. Hoje está forte e somos chamados para apresentar as canções que nossos pais e avós cantavam enquanto trabalhavam nas lavouras, nos canaviais.”
É de sua autoria uma das músicas que fez sucesso na apresentação dos Mestres da Cultura Popular. Chama-se Deus fez o mundo, que ela cantou com a voz bonita, firme e decidida:
“Ai meu Deus/ Ai meu Deus. carauê/carauá/ sereno da madrugada, tá no luar. Deus quando fez o mundo, não fez distribuição. Quem dividiu foi o povo / não teve união / Deus não quer isso não, Deus não quer isso não. / Tem gente com muita terra, tem terra para sobrar / e outros não têm nada, não tem um lugar para morar/ Deus não quer isso não, Deus não quer isso não. / Tem gente que tem muita terra/ tem terra que foi tomada no tempo da escravidão. / Deus não quer isso, não.”
Marujos
Outro que é um batalhador pela preservação da cultura popular é o mestre Antônio Beato, presidente da Federação das Marujadas de Itabira. “Sou filho de marujeiro, mas só virei marujo depois que me aposentei”, contou na roda de conversa.
“Mas quem trouxe a marujada para Itabira foi Zé Margarida, da Serra dos Alves”, homenageia Antônio Beato o pioneiro no resgate dessa tradição folclórica e religiosa, já falecido. “Hoje já temos nove grupos de marujada em Itabira. Só não temos congada.”
Segundo ele, foi Chico Rei quem trouxe para o Brasil a congada, que deu origem à marujada. Chico Rei era majestade no Congo (África). Raptado, ele viu a mulher e a filha serem lançadas em alto-mar enquanto o navio negreiro se dirigia para o Brasil.
“Chico Rei pediu ao governador de Minas para formar um grupo de congada. E assim nasceu essa tradição”, conta Antônio Beato, com orgulho de preservar uma tradição que vem desde 1712. E canta:
“Eu vou e você vai./ Participar da cultura popular. /Temos criança e juventude, participando da cultura popular./ lalalá uoê, lalalá euoá./ Viva Nossa Senhora do Rosário.”
Cantoria
Vindas do distrito de Ipoema, nascidas com o Museu do Tropeiro, as Lavadeiras de Minas têm o propósito de resgatar o saudável hábito de cantar na beira do rio Pouso Alegre, enquanto as mulheres lavavam roupas.
“É uma tradição que tinha ficado esquecida e que resgatamos para o nosso prazer de cantar e agradar ao público”, diz Berenice Dias de Figueiredo.
O grupo já tem 15 anos e já se apresentou em várias cidades, inclusive em Paraty (RJ). “Já estivemos lá duas vezes”, conta com orgulho. Nas apresentações culturais e folclóricas nos sábados de lua cheia, promovidas pelo Museu do Tropeiro, elas são presenças garantidas.
“Estamos lutando e trabalhando para continuar com a nossa cantoria”, diz, feliz pela receptividade que o grupo teve na apresentação dos Mestres da Cultura Popular.
Resistência
Mestre de capoeira desde os 16 anos de idade, Izael Teixeira entrou na roda em 1974. E não mais saiu. “Até agora não parei de praticar essa arte que nossos antepassados nos deixaram. Com os escravos, veio o n’golo, ou dança das zebras, que deu origem à capoeira”, revela o mestre, para em seguida complementar:
“No Brasil, na ânsia de liberdade, transformaram essa arte em luta para o negro se livrar do chicote, das pancadas e até de armas brancas. É uma dança e é uma luta de libertação”, classifica.
A capoeira foi proibida pelo marechal Deodoro da Fonseca, cujo governo teve início com a proclamação da República, em 1869. “Proibiu, mas não acabou com a capoeira, que é arte de resistência”, define.
Cultura viva
Pois foi justamente como forma de resistência cultural que se realizou a mostra com os Mestres da Cultura Popular, no primeiro aniversário de fundação do coletivo Tô na Praça.
“É para manter viva essa cultura que seguimos resistindo”, diz a professora da Unifei, Carolina Morelli, que propõe a realização de novos encontros para debater a igualdade racial e de gênero, além de preservar e dar visibilidade à cultura popular.
A Praça sempre ficará melhor com o programa sociocultural Tô na Praça.