Retalhos das Crônicas – X é um rapaz

Aurora Collegial nº. 201 – Ano XV, Nova Friburgo, 31.8.1919.

X é um rapaz, por Carlos Drummond Andrade.

“Crítica, sob disfarce, ao suposto jornal Alvorada do Internato. (Py)

X é um rapaz de ouro de 18 quilates, que tem imenso talento e ilimitadas aptidões. Seu vasto cérebro sujeito inteligentíssimo é toda uma livraria, digerida pacientemente em meses e anos de incensado labor, mercê de numerosos incêndios de pestana. X sabe mais que todos os sete sábios da Hellade e a colossal biblioteca de Alexandria. Estou quase a afiançar ser ele a personificação da quimera de Frederico Nietzsche:  o super-homem…

Resta acrescentar que este paço artesiano de sabença, sentindo a comichão da glória, tentou escrever, mas de sua pena sublime só saiu prosa chilra, monumentalmente romba. De então, o inatingível gênio alimenta um ódio surdo contra todos os pobres de espírito que escrevem. Ódio profundamente natural, tão natural que é indigno de X, uma personalidade superior…

Drummond aos 23 anos (Foto: acervo Cristina Silveira)

Alguns colegas desse sol intelectual sustentam como podem um periódico modesto, “Alvorada do Internato”. Trata-se de um jornal sem pretensões, que não publica artigos burilados, e muito menos estampa poesias submetidas a paciente e aturada lapidação. A órbita dos seus ideais, sendo restrita, não lhe acende pruridos de renome. Nada disso. Sob o pólio da singeleza, desconhece ele a rota da bazófia, caminhando através da senda da boa e sã modéstia. Pois X, o grande, o imortal e talentoso Pacheco, em vendo um número da “Alvorada”, desanca rijo os pobres colaboradores, brindando-os com cognomes pejorativos, a bufar frases num catão deste jaez:

“Mas que besta, heim? Grandíssimo paquiderme! E que sujeira de jornaleco! Nem para embrulho serve…”

Os escritores da “Alvorada”, gente pacifica como um esquimó já falecido, calam-se, deixando-o necedades sem calibre. Que importa? O mundo é assim mesmo, há muitos anos.

Desgraçado do rapaz que escreve, com o escopo de fazer sua pena inábil ás árduas pugnas jornalísticas: X não é um só. X é legião, é infinidade.

(Pesquisa, organização e compartilhamento: Cristina Silveira)

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