Relatório Form-20 da Vale de 2022 mantém horizonte de exaustão das minas de Itabira para 2041
Carlos Cruz
É a mesma projeção apresentada no relatório Formulário 20 (Form-20) do ano passado: pelas projeções da Vale, a exaustão mineral das minas de Itabira, com reservas e recursos, irá ocorrer daqui a 18 anos, devendo encerrar as suas atividades no complexo minerador local em 1941.
É o que consta do relatório Form-20, arquivado nessa quinta-feira (13) junto à U.S Securities and Exchange Comission (SEC), referente ao ano fiscal de 2022.
A exemplo do que vem fazendo desde 2001, a mineradora informa aos acionistas que investem na Bolsa de Nova Iorque, Estados Unidos, o volume de suas reservas, recursos, performances, previsão de exaustão, objetivos, metas, entraves e compromissos corporativos, sociais e ambientais no Brasil e em outras partes do mundo onde mantém as suas atividades minerárias.
Nesses relatórios, o horizonte de exaustão das minas de Itabira tem sido alongado ano a ano.
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Previsão da exaustão do minério de Itabira tem mudado com o tempo nos relatórios da Vale
Dívida histórica
Nesses relatórios, um crasso erro histórico vem sendo repetido desde que a Vale começou a divulgar o relatório Form-20. Repete, mais uma vez, que o início de suas operações em Itabira foi em 1957, quando teve início em 1942, com a criação da estatal Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), por Getúlio Vargas.
A sua criação só foi possível em decorrência do acordo de Washington, quando Itabira passou a fornecer a sua hematita para a fabricação de armamentos leves e pesados (fuzis, metralhadoras, tanques, aviões) para os aliados derrotarem o nazifascismo na 2ª Guerra Mundial.
Ou seja, no relatório Form-20 a Vale deixa de lado todo um período de grandes dificuldades em que contou com apoio de Itabira, inclusive com isenção de impostos até 1969, quando só então foi instituído o Imposto Único sobre Minerais (IUM), extinto com a Constituição Federal de 1988, substituído pela Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Atualmente, desde a instituição da Lei Kandir em 1996, quando a União, com recursos dos Estados e municípios, isentou do pagamento de ICMS sobre as exportações de produtos primários e semielaborados ou serviços, o que provocou significativa perda de arrecadação aos entes federados.
Até 2003, a Lei Kandir garantiu aos estados e municípios o repasse de valores a título de compensação pelas perdas decorrentes da isenção de ICMS. “Entretanto, a partir de 2004, a Lei Complementar 115 – uma das que alterou essa legislação –, embora mantendo o direito de repasse, deixou de fixar o seu valor”, informa a Agência Senado.
“Com isso, os governadores precisam negociar a cada ano com o Executivo o montante a ser repassado, mediante recursos alocados no orçamento geral da União.” Ou seja, Itabira e demais municípios minerados continuam subsidiando a multinacional Vale S.A.
Reservas e Recursos
De acordo com o relatório Form-20, Itabira ainda dispõe de 844,6 milhões de toneladas (Mt) de minério de ferro entre reservas provadas e prováveis. São 290,6 Mt provadas e 554 Mt prováveis com teor de ferro variando entre 48,4% e 44,3%.
Ganha de Mariana (207,2 Mte 244,2 Mt) e perde para o conjunto das Minas Centrais (419,7 Mt e 875,9 Mt) no sistema Sudeste.
Itabira dispõe ainda de recursos da ordem de 953,1 MT, que é a soma de medidos e indicados, com teor de ferro variando entre 45,5% e 48%.
Reservas medidas são conhecidas por sondagens, sobre as quais se tem certeza de sua existência e estudos viabilidade para a imediata exploração econômica. Já as inferidas são conhecidas, mas ainda dependem de novas sondagens, embora sejam consideradas viáveis economicamente.
Já os recursos são blocos minerais remanescentes (em Itabira, têm-se ainda veios subterrâneos de hematita), mas que dependem de mais sondagens para saber o exato volume, assim como estudos de viabilidade econômica e ambiental.
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Compromissos no papel
Como faz todos os anos, a mineradora Vale reafirma os seus compromissos sintonizados com a nova moda ESG (Environmental, Social and Governance), ou seja, com o meio ambiente, desenvolvimento social e com a boa governança para gerar lucros significativos aos acionistas.
“Todos os nossos funcionários (sic, a Vale não tem funcionários, tem empregados, regidos pela CLT) estão treinados para apoiar o engajamento total” com essas práticas.
“Pretendemos continuamente incorporar a sustentabilidade e o valor social nas nossas estratégias e impulsionar a tomada de decisões, bem como explorar soluções baseadas na natureza, apoiar a descarbonização da indústria, as iniciativas de biodiversidade e a criação de valor para as nossas comunidades.”
Se é assim para valer todas essas boas intenções, e não apenas para os acionistas verem e acreditarem mais ou menos piamente, está na hora de a mineradora colocar tudo isso em prática em Itabira, saindo do discurso.
Para isso, deve, por exemplo, abrir logo as informações sobre o novo Plano Econômico para as Minas de Itabira, apresentado no ano passado à Agência Nacional de Mineração (ANM) – e que até hoje a sociedade itabirana não conhece o seu conteúdo. É o princípio da transparência e publicização, que consta também da prática ESG.
Para ser coerente com o discurso, precisa também apresentar o Plano de Fechamento de Minas atualizado para Itabira, que vem sendo elaborado pelo menos desde 2013 e atualizado a cada cinco anos.
Sem isso, falar em ESG em Itabira não tem credibilidade e não é para valer, constando apenas de propaganda em outdoors e divulgação por influenciadora digital, um marketing barato que não convence.
“Em 2022, mapeamos 1.532 comunidades locais de relacionamento – 1.156 no Brasil, 82 no Canadá, 2 no País de Gales, 51 no Peru, 1 no Chile, 28 em Omã, 206 na Indonésia e 6 na Malásia”, diz a Vale em seu relatório Form-20.
“No Brasil, 165 comunidades são consideradas de muito alta ou alta prioridade para engajamento. Atualmente, 78% das comunidades de alta e muito alta prioridade implementaram um Plano de Relacionamento, e esperamos ter 100% das comunidades prioritárias com planos até 2026.”
Ok, que se tenham planos de intenção. Mas que a mineradora passe para a prática efetiva, abrindo-se desde já as informações e projetos para dar início ao Plano de Fechamento das Minas de Itabira desde já.
Que se busque, efetivamente e não apenas no discurso, a diversificação da base econômica do município ainda totalmente dependente do mono extrativismo garimpeiro, promovendo a melhoria geral da qualidade de vida da população neste município minerado (para não dizer espoliado) há mais de 80 anos.
Acesse o relatório Form-20 de 2022 aqui: