Reconversão produtiva é a nova designação para a sempre adiada diversificação da base econômica de Itabira, confirma Marco Antônio Lage

Carlos Cruz

Muita conversa e pouca ação, os males de Itabira historicamente são. Se não falta saliva (e não saúvas, que também são abundantes) para falar na necessidade da diversificação econômica, agora tratada como reconversão produtiva, sobra também o que o prefeito chama de monocultura da braquiária, em um extenso território com mais de com 1.260 quilômetros quadrados, com mais de 1.000 quilômetros quadrados improdutivos.

“Não produzimos alimentos nem para a merenda escolar. A produção rural no município supre apenas 30% dessa demanda”, lamentou o prefeito Marco Antônio Lage (PSB), na abertura do Seminário de Reconversão Produtiva em Território Minerados, nessa quarta-feira (27), no auditório da Una, promovido pelo Sebrae e outros patrocinadores como a Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) e mais parceiros.

Com o discurso o prefeito repetiu a velha cantilena de que há potencial para a diversificação econômica (reconversão produtiva que seja) no campo, na agropecuária e também no segmento do turismo ecológico.

“A conversa é antiga”, reconheceu o prefeito. “Mas a atitude é nova”, assegurou Lage, para quem esse quadro de letargia vai mesmo mudar, inclusive nas áreas de saúde e saneamento básico. “Sem oferecer melhores condições de vida na cidade não há como atrair novas indústrias”, afirmou.

“Vamos transformar Itabira em polo macrorregional no atendimento hospitalar e investir mais na atenção primária, já que há uma inversão em Itabira e isso precisa mudar.”

Para isso é preciso transformar o hospital municipal Carlos Chagas em uma unidade estadual, obtendo mais recursos e ampliando a sua abrangência para atender a uma população estimada em mais de 800 mil pessoas.

“A faculdade de Medicina do UNI-Funcesi, em parceria com Ciências Médicas, de Belo Horizonte, pela primeira vez indo para o interior, foi aprovada ainda ontem pelo Conselho Nacional de Saúde. Devemos ter vestibular ainda neste ano”, anunciou o prefeito.

No saneamento básico há também muito a ser feito, seja levando rede de esgoto à porta das residências em muitos bairros da cidade, como também ampliando a capacidade da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) do Laboriaux e a construção de uma nova unidade para atender o bairro Pedreira do Instituto.

“Não tratamos nem 42% do nosso esgoto domiciliar”, lamentou o chefe do executivo itabirano, citando também mais essa precariedade urbanística dessa pobre cidade rica em recursos historicamente mal-empregados.

Outras potencialidades, segundo o prefeito, estão na educação com a Unifei e outras faculdades. E agora é também apontado como potencialidade o reaproveitamento dos resíduos da mineração, o resto depositado nas barragens – uma necessidade da mineradora que passa a ser vista como alternativa para a diversificação da carteira mineral do município com o que antes era considerado economicamente inviável.

Logística precária

Fernando Coura, vice-presidente da Fiemg: “a união tem uma dívida enorme com Itabira.” E a Vale também (Fotos: Carlos Cruz)

Mas, com certeza, juntamente com a falta de água a ser resolvida com a transposição de parte desse recurso do rio Tanque, talvez o maior gargalo que dificulta a atração de novas indústrias para Itabira tem sido, historicamente, a precariedade, para dizer o mínimo, da rodovia estadual que dá acesso a Itabira, ligando a cidade à BR-381-262.

“É uma vergonha as condições dessas rodovias. Itabira perdeu a fábrica da BMW, que Roger Agnelli (ex-presidente da Vale) quis trazer para a cidade depois de ser aprovada a área da centralizada Cauê para sua instalação. A sua instalação foi descartada depois de a comitiva técnica demorar quatro horas para chegar à cidade por causa (da precariedade) da 381”, confirmou o vice-presidente da Fiemg, Fernando Coura.

“Não vamos instalar a nossa fábrica em uma cidade em que não se sabe quantas horas são necessárias para chegar”, sentenciaram os técnicos da BMW, que acabou se instalando em Joinville, Santa Catarina.

Situação semelhante testemunhou o prefeito quando apresentou à Fiat Automóveis, da qual foi diretor, a proposta de se instalar fornecedores de peças para a montadora pelo regime just in time no distrito industrial, o que seria viável a uma distância de 100 quilômetros.

“Cheguei a trazer o presidente da Fiat a Itabira, mas a proposta não foi pra frente por causa da logística. Não quiseram arriscar”, contou Marco Antônio.

Falta de investimentos

Fernando Coura recordou que no governo de João Izael ele seguiu com uma comitiva de Itabira e de São Gonçalo para conhecer como foi feita a tal reconversão produtiva no Vale do Ruhr, no estado da Renânia do Norte-Vestfália, na Alemanha, depois da exaustão das minas de carvão.

“Foi um fracasso a nossa visita, não deu em nada, entre vários motivos por não ter tido apoio do governo federal que tem uma dívida enorme com Itabira por tudo que o município gerou para a balança comercial brasileira”, disse Coura, instigando a cidade a cobrar essa dívida da União.

A mesma cobrança deve ser dirigida à mineradora Vale, que foi por muitos anos subsidiada pelo município com isenção de impostos até a instituição do IUM em 1969.

Antes a mineradora nada pagava em tributos a Itabira, como ainda hoje não paga, por força da Lei Kandir, que precisa ser revogada por não fazer sentido manter esse subsídio a uma das maiores mineradoras do mundo.

Segundo Coura, o sucesso da reconversão produtiva após a exaustão do carvão no Vale do Ruhr se deu a partir de fortes investimentos do governo da Alemanha – e também das mineradoras, o que falta acontecer em Itabira.

Saiba mais aqui:

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Aqui:

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E também aqui:

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Para solucionar esse gargalo da rodovia estadual, a Prefeitura de Itabira já contratou o projeto executivo para a sua duplicação e espera estabelecer uma parceria público-privada com o governo estadual e a mineradora Vale. O investimento está orçado em R$ 300 milhões.

Sem isso ocorrer, falar em reconversão produtiva sem os recursos necessários para resolver esse e outros gargalos, vai ser repetido o fracasso que se arrasta desde o século passado, quando em 1985 Carajás entrou em operação e Itabira passou a se preocupar com a exaustão de suas minas e mesmo com a sua inviabilidade econômica. Foi quando a Acita lançou o projeto Itabira 2025. Deu em nada.

Sinalização

A Vale asfaltou a rodovia que liga a BR381/262 a Itabira para melhor a logística no início da década de 1960. Hora de repetir o gesto investindo em sua duplicação. (Foto: acervo de Ceomar Santos, cedido à Vila de Utopia)

Em uma demonstração de que pretende mesmo inaugurar um novo ciclo de relacionamento com Itabira, habilitando-se inclusive para obter o tal selo ESG (Environmental, Social and Governance), que atesta práticas corretas com as políticas de meio-ambiente, responsabilidade social e governança, a Vale bem que poderia arcar com o custo total dessa duplicação da MG-129 e MG-434, com pouco mais de 30 quilômetros.

Afinal, tem sido a grande movimentação de cargas para suprir a sua demanda no complexo minerador de Itabira que causou ao longo do tempo o precário estado de conservação da rodovia, que foi asfaltada no início dos anos 1960 com patrocínio da mineradora.

Que a Vale repita esse gesto como demonstração de que está mesmo disposta a resgatar a dívida histórica para com Itabira – e assim como para atender parte dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecidos pelo Pacto Global, iniciativa mundial que envolve a ONU e várias entidades internacionais.

Assim fazendo, a empresa fica bem com a cidade e com as boas práticas internacionais de governança, meio ambiente e responsabilidade social. Mas enquanto isso não ocorre, Itabira vai continuar cismando com a derrota incomparável e, como Drummond, sem mais acreditar na palavra dos homens públicos e da Vale também.

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