Promotor José Adilson Bevilácqua ouve testemunhas sobre a devastação ambiental da Vale em Itabira, em inquérito de 1985

Foto: Eduardo Cruz

A derrota incomparável começa em 1942 e recrudesce em 1997/2009

                                                             IV

Depoimentos prestados nos inquéritos sobre crimes ambientais praticados pela mineradora Vale e sua subsidiária Florestas Rio Doce em Itabira, na década de 1980: Maria Alice Lage, Álvaro Alvarenga, Carlos Cruz, Gilmar Alvarenga, Juarez César da Fonseca e Eustáquio Mendes

| Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, disciplina a ação civil publica de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico e paisagístico (vetado) e dá outras providências. Assinada no governo do presidente da República, José Sarney. |

Inquérito n. 1/85, termo de depoimento do jornalista Carlos Eustáquio de Alvarenga Cruz:

Que a mineração da Serra do Esmeril foi iniciada há cerca de dois anos; Que a CVRD iniciou seus trabalhos de mineração na indigitada área, após haver adquirido o domínio da Cia. Aços Especiais de Itabira – Acesita;

Que o dano paisagístico a que se refere o autor da notícia do ilícito civil, pode ser comprovado pelas fotografias que acrescentou às folhas 7 do presente Inquérito;

Que além dos danos paisagísticos à Serra do Esmeril, a mineração naquela área tem provocado danos ao meio ambiente, aos moradores da Vila Paciência e ao lugar conhecido como Chacrinha, com destruição dos mananciais de água  dessas localidades;

Que além disso, o depoente coloca em dúvida a segurança da represa da Graminha, mesmo não sendo especializado no assunto, mas pode afirmar que a segurança não é perfeita, uma vez que a barragem é formada apenas por pedras justapostas;

Que a mineração da Serra do Esmeril provoca alterações constantes da estrada que liga Itabira ao Município de Itambé e aos Distritos de Senhora do Carmo e Ipoema, o que traz riscos aos usuários;

Que no local onde é realizada a mineração da Serra do Esmeril, existia uma vegetação nativa abundante, o que foi destruído pela mineração.

Nas décadas de 1970/80 era comum a supressão de matas nativas para plantio de pinus e eucalipto em Itabira pela subsidiária Florestas Rio Doce (Foto: Eduardo Cruz)

Inquérito n. 1/85, termo de depoimento do técnico agropecuário, Gilmar Bretas Martins Cruz:

Que o depoente tomou conhecimento que a empresa Florestas Rio Doce S/A. promoveu o desmatamento de uma área de 80 a 100 hectares de terras na localidade denominada “Gatos” deste município de Itabira, porque esteve na área desmatada;

Que quando esteve no local do fato verificou que o desmatamento foi realizado através de incêndio, desejando esclarecer que verificou que haviam vários pedaços de madeira queimados, não podendo precisar se o desmatamento foi feito por fogo e se o fogo foi ateado após o desmatamento propriamente dito;

Que pode observar no local que o desmatamento foi irregular, uma vez que foi desmatamento generalizado, não deixando reserva biológicas , reservas naturais nas nascentes nem tampouco reservas em áreas íngremes e improprias para reflorestamento;

Que pelo maquinário existente no local do fato e funcionários constatou que o desmatamento foi efetuado pela Empresa Florestas Rio Doe S/A.; Que o depoente verificou que houve cuidado da empresa em preservar do fogo a área pertencente a ela nas divisas da área queimada;

Que o acero nas divisas de sua propriedade reflorestada com pinus foi bem feito e com bastante segurança;

Que nas divisas das florestas naturais e pertencentes  a terceiros o acero foi irregular e bastante estreito, danificando partes da vegetação na beirada do ribeirão;

Que tal fato ocorreu no final de agosto ou principio de setembro deste ano; Que sabe que o representante do IEF nesta cidade, conhecido por José Celso, também tem conhecimento do fato objeto deste inquérito; Que a fumaça do incêndio chegou até esta cidade.

Poluição do ar por partículas de minério em suspensão permanece a mesma da década de 1980 (Foto: Carlos Cruz)

Inquérito n. 1/85, termo de depoimento de Álvaro Ferreira de Alvarenga, vice-presidente do CODEMA:

Que existem danos paisagísticos na Serra do Esmeril provocados pela mineração da CVRD; que o dano vem se acumulando continuadamente de três anos até a presente data;

Que a CVRD nada tem feito no sentido de minimizar os danos ao patrimônio paisagístico da Serra do Esmeril; Que esses danos continuam a ser provocados pela mineração da CVRD, desde a época em que a mesma CVRD adquiriu aas jazidas da Acesita.

Gruta da Camarinha. Desenho de Luisa Marie Paulo Guilherme. Coleção Memorial Carlos Drummond de Andrade

Inquérito n. 2/85, termo de depoimento da senhora d. Maria Alice de Oliveira Lage, presidente de Codema:

Que a depoente tem conhecimento da existência do dano ao patrimônio paisagístico provocado pela mineradora da CVRD na Serra do Esmeril; Que a mineração realizada em Itabira é feita “a céu-aberto” e que com o correr dos anos, a mineração provocou a deformação dos horizontes da cidade, perdendo a harmonia de suas formas;

Que a depoente é também presidente do Conselho Municipal de Conservação e Defesa do Meio Ambiente; que, em continuação, as consequências geográficas para a região, como a penetração de massas de ar com mais intensidade;

Que o dano ao patrimônio da Serra do Esmeril é continuado; Que o fino e o rejeito do minério se acumulam nos vales dos ribeirões da cidade, cujos solos são de aluviões, que poderiam prestar-se ao “cinturão verde”;

Que apesar de a empresa haver indenizado a diversas proprietários de terras em Itabira, o problema não foi resolvido, porque a cidade, a população são os prejudicados;

Que Itabira hoje tem todo o seu perímetro urbano circundado por depósitos de minério (fino de minério) e que após os trabalhos de mineração, quem viver, verá aqui um verdadeiro “deserto de finos” na cidade;

Que existe tecnologia para aproveitamento das áreas de “rejeito”, como recapeamento com vegetação, inclusive sabe que na Suécia, tal prática é utilizada em áreas de mineração, com sucesso;

Que até o presente momento, nenhuma ação visível foi praticada pela CVRD, no sentido de minorar os danos causados ao patrimônio paisagístico local;

Que, a cada dia o povo da cidade viu a destruição de suas paisagens; Que a dependência econômica que a maioria dos cidadãos tem com a CVRD inibiu uma reação mais efetiva contra tais destruições;

Que, agora, como presidente do Codema, pode a depoente afirmar que, talvez por sentirem a “exaustão próxima”, os habitantes de Itabira estão conscientizados na luta pela preservação do que ainda resta da paisagem;

Que o peso do “fino” acumulado em nossas várzeas, poderão trazer mudanças no regime e na disponibilidade hídrica de nossos mananciais;

Que a modificação constante determinada pela CVRD no traçado da estrada que liga Itabira a Senhora do Carmo, Ipoema, Itambé, tem trazido enormes prejuízos aos usuários e uma vez que a dita estrada foi construída há aproximadamente 50 anos;

Que os riscos da estrada aumentam em razão de serem colocados na estrada troncos de pinheiros cortados pela Floresta Rio Doce, subsidiária da CVRD; ue isso a depoente pôde constatar pessoalmente há três dias atrás;

Que além de tudo que já foi exposto, o dique feito pelo sistema de enrocamento, que faz a contensão da água proveniente da mineração da Serra do Esmeril, poderá não resistir pelo excesso de descarga de fino, assoreando a represa e trazendo reflexos para a descarga do Poço da Água Santa e do mesmo córrego que passa pela avenida João Pinheiro.

Inquérito n. 3/85, continuação do termo de depoimento da senhora d. Maria Alice de Oliveira Lage, presidente de CODEMA:

Que, na verdade, a cidade de Itabira, é altamente poluída por partículas sólidas em suspensão no ar, em desacordo com os padrões ambientais e originados da mineração feita pela CVRD;

Que a mineração feita pela CVRD é a “céu aberto” e legalmente estabelecida e localizada nas proximidades do perímetro urbano;

Que, é muito difícil a contenção da poluição aero ambiental, mas a CVRD nada fez até agora para minimizar o problema da poluição ambiental;

Que, nenhum “cinturão verde” foi feito pela CVRD, o que viria a diminuir a quantidade de partículas em suspensão;

Que, em decorrência da poluição, a população de Itabira sofre reflexos, tanto econômico, quanto de saúde; O reflexo econômico está no assentamento das partículas no solo, nos objetos, nos vegetais, nos equipamentos de precisão, e nas residências;

Quanto ao prejuízo à saúde, a depoente se refere ao sistema respiratório, diariamente agredido pela poluição; Que a poluição aérea é mais intensa no período de estiagem, época em que são constantes os vendavais; Que a depoente acha que a CVRD deveria promover a contenção da poluição nos limites padronizados.

Inquérito n. 2/85, termo de depoimento do superintendente da CVRD, Juarez César da Fonseca:

Que existe a desfiguração do relevo da Serra do Esmeril, provocada pela mineração naquele local; Que o depoente acrescenta que, mesmo antes da CVRD iniciar a mineração na indigitada área, a desfiguração já existia, pois a Acesita já minerava no local;

Que o dano paisagístico não tem como causa o excesso ou desvio de mineração, uma vez que, qualquer empresa que estivesse minerando na área, provocaria tal tipo de dano;

Que não existe nenhum interesse das mineradoras em remover além do necessário, pois tal prática tornaria o trabalho mais dispendioso;

Que devido à localização das minas existentes em Itabira, em relação à própria cidade, não existem meios de se praticar a atividade minerária sem agressão à paisagem;

Que a CVRD tudo tem feito no sentido de minimizar os danos causados não só ao patrimônio paisagístico, como também ao meio ambiente, que para isso, a CVRD fez vários contratos com empresas especializadas nesse setor, demonstrando preocupação com o meio ambiente;

Que desde 1974, a CVRD firmou contratos no sentido de controlar o meio ambiente, que desde já requer a juntada dos contratos da CVRD com entidades especializadas;

Que, com relação ao patrimônio paisagístico, a CVRD tem se preocupado e firmou contrato para recuperação da cobertura vegetal nas áreas mineradas ou não, dentre as quais as de rejeito;

Que existe solução para o problema, solução parcial, uma vez que alguns danos são irreversíveis;

Que todas as atividades da CVRD são, digo atividades de mineração são previamente aprovadas pelo DNPM – Departamento Nacional de Produção Mineral –, sendo todas elas realizadas dentro dos limites do Código de Mineração e fiscalizadas pelo órgão próprio;

Que a CVRD sempre procurou causar o menor impacto possível ao patrimônio paisagístico;

Que a atividade minerária continuará e que, diante da nova Lei 7.347, a CVRD tudo fará para se adaptar à mesma;

Que a verdade é que houve várias alterações do trecho inicial da estrada que liga Itabira a Senhora do Carmo e Itambé, mas sempre de acordo com a Prefeitura Municipal de Itabira e com a finalidade de evitar acidentes entre carros convencionais e os caminhões “fora de estrada”;

Que, quanto aos mananciais prejudicados, a CVRD, em convênio com a Prefeitura Municipal de Itabira, financiou a construção da adutora dos Gatos, bem como da Estação de Tratamento de Água;

Que quer acrescentar que a auditoria citada tem várias  vezes a capacidade dos mananciais até então existentes.

Inquérito n. 3/85, termo de depoimento do engenheiro da CVRD, Eustáquio Mendes:

Que existe poeira em suspensão no ar atmosférico na cidade de Itabira;

Que essa poeira é formada de óxido de ferro, alumínio-silicato, que tais compostos podem estar separados ou agrupados;

Que tal fato decorre da própria atividade mineradora;

Que existe uma empresa, com a qual a CVRD firmou convênio, que está estudando, através de pesquisa, os componentes e origem e tamanho das partículas em suspensão;

Que a empresa contratada procura identificar a origem dessas partículas em suspensão, não localizando seu trabalho somente na atividade minerária, uma vez que existem outros agentes poluentes do meio ambiente na cidade, e esses também poderão ser identificados;

Que segundo trabalho recente do professor Pubbo Nogueira, ficaram definidos os parâmetros do tamanho das partículas que podem causar afecções pulmonares, seriam eles de tamanho entre 1 micro a 5 micra;

Que aqui o tamanho das partículas, até o momento, identificadas, são acima de 40 a 50 micras, portanto, fora dos parâmetros tidos como agentes causadores de doenças pulmonares;

Que o óxido de ferro, um dos elementos componentes das partículas em suspensão, no ar da cidade, não é fibrogênio, isto é, não causa doenças pulmonares e é expelido pelos cílios protetores do aparelho respiratório;

Que, além disso, pode afirmar que nos registros do Hospital Carlos Chagas, pertencente à CVRD, não existe notícia de doença profissional em trabalhadores da CVRD, que exerceram suas atividades há mais de 35 anos nas frentes das lavras ou nas plantas de escavação de minério, isto comprovado pela equipe da Medicina do Trabalho do referido hospital;

Que a empresa contratada é a ECOPAM – Engenheiros Consultores em Poluição Ambiental Ltda., sediada na cidade de São Paulo, que vem fazendo a pesquisa, para identificar as partículas;

Que após esse estudo e identificada a etiologia das partículas, a CVRD passará então a utilizar planos para minimizar ou até mesmo extinguir em parte ou totalmente o problema da poluição ambiental;

Que além de engenheiro da CVRD, o depoente é coordenador da Comissão Interna de Meio Ambiente da Superintendência das Minas da CVRD;

Que na terceira linha acima, retifica-se a expressão “plantas de escavação” por plantas de beneficiamento de minério.

Fontes: Ações Civis Pública, Fórum Desembargador Drumond, Itabira, MG (Pesquisa: Cristina Silveira)

 

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1 Comentário

  1. Que dá a Justiça, dona perversa do Estado? Porque a atual mineradora destrói muito mais, pior do que a CVRD. Pós-mineração Itabira será o Mar de Aral da América do Sul, mas aqui se faz aqui se paga, aguardemos….

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