Projeto Rio Tanque vai superar a crise hídrica histórica em Itabira, mas o custo energético da transposição pode recair sobre a população
Foto: Filipe Augusto/ Ascom/PMI
Saae apresentou na reunião do Codema um balanço sobre o enfrentamento da crise hídrica, cuja solução definitiva depende da conclusão do projeto Rio Tanque, prevista para 2027; até lá, Itabira seguirá convivendo com o desabastecimento recorrente que se repete ano após ano há décadas
A crise hídrica que há décadas afeta Itabira foi pauta na reunião do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema), na última sexta-feira (17). A apresentação pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) incluiu também o projeto Rio Tanque, considerado a principal medida compensatória pelo quase monopólio das outorgas de água pela mineração no município, considerada medida “definitiva” para a cidade enfrentar essa eterna crise hídrica, que se repete ano após ano.
O presidente do Saae, Valdeci Luiz Fernandes Júnior, confirmou que, caso a mineradora Vale não utilize o excedente hídrico previsto no projeto, será inevitável o repasse do custo energético da operação à população. A definição, no entanto, ainda depende de novos acertos com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).
Segundo o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado em 2020, a Vale fica responsável pela operação do sistema de captação do rio Tanque apenas se utilizar o excedente de água. Inicialmente, o reforço previsto pelo projeto anterior de parceria público-privada (PPP) era de 200 litros por segundo (l/s), mas com o TAC 2020 o projeto foi ampliado para 600 l/s.
Caso a mineradora utilize parte desse volume, ela arcará com os custos energéticos da operação até a nova Estação de Tratamento de Água (ETA), que está sendo construída na subida para a Pousada do Pinheiro, no bairro Campestre.
Contudo, a Vale já sinalizou que pode não precisar mais desse reforço. Isso devido à retomada dos 200 l/s que atualmente disponibiliza de seus aquíferos para abastecer Itabira – e, também, pelas mudanças que vem ocorrendo no processo produtivo com a a concentração de itabiritos e a disposição a seco de estéril e rejeitos.
Com isso, o Saae pode ter que assumir integralmente a operação, o que deve resultar em um aumento significativo nos custos mensais com energia elétrica, atualmente entre R$ 600 mil e R$ 700 mil. Se assim for, será inevitável o repasse desse aumento à população.
Futuro das ETAs e das Três Fontes ainda está indefinido

Durante a reunião do Codema, também foi discutido o futuro das ETAs Pureza e Gatos, além dos poços profundos das Três Fontes, que captam água do aquífero Piracicaba, que pouco se comunica com o aquífero Cauê.
Pelo projeto original anterior ao TAC, as Três Fontes seriam desativadas, o que gera preocupação entre parte da população, já que essa água é considerada de classe especial, com qualidade próxima à de água mineral — um direito adquirido que não deveria ser perdido. No passado, a mineradora chegou a prometer que essa fonte seria um “legado” para abastecer toda a cidade, mas essa promessa acabou ficando para as calendas gregas.
Valdeci não confirmou se essas fontes serão desativadas ou mantidas pontualmente. No entanto, ele reconheceu que não se pode confiar todo o abastecimento em uma única fonte, como o rio Tanque.
Segundo ele, essas possibilidades ainda estão em estudo. A Fundação Cristiano Ottoni, da UFMG, foi contratada para realizar uma consultoria técnica e apontar as melhores alternativas, considerando aspectos energéticos, operacionais e territoriais.
“Pode ser, por exemplo, que a ETA Pureza permaneça para abastecer o Distrito Industrial e a região onde Itabira tem crescido bastante”, comentou o presidente, reforçando que nenhuma decisão será tomada antes da conclusão dos estudos.
Projeto Rio Tanque só vai ser concluído em 2027
As obras do projeto rio Tanque estão bem adiantadas, informou o presidente do Saae. “Os platôs já foram concluídos e as fundações da nova ETA estão sendo executadas”, relatou o presidente do Saae.
O trajeto entre o ponto de captação e a estação na subida da Pousada do Pinheiro soma 25 quilômetros. A obra é fiscalizada pelo Ministério Público, por meio da Aecom, pela Prefeitura, pelo Saae.
As obras necessárias para a transposição do rio Tanque só obtiveram licença de instalação após serem reconhecidas como de utilidade pública pelo governo de Minas Gerais, que, pasme, não levou em conta o consumo humano, mas sim a utilização pela mineração, considerada oficialmente como atividade de interesse público.
A previsão é que o novo sistema de abastecimento entre em operação em 2027, com capacidade de captação de 600 l/s, volume superior ao consumo atual da cidade, estimado em 400 l/s.
Até lá, a população de Itabira seguirá enfrentando os desafios da escassez hídrica, com a esperança de que o projeto Rio Tanque traga, enfim, a tão esperada segurança no abastecimento.
Crise hídrica vai repetir em 2026

A engenheira sanitarista Maria Eduarda Fonseca, diretora técnica operacional do Saae, apresentou um panorama detalhado da estiagem de 2025. Segundo ela, o período crítico se estendeu de 20 de junho a 22 de setembro, mas mesmo com a chegada da primavera, a cidade ainda enfrenta escassez hídrica severa. “As chuvas ocorridas nos últimos dias não foram ainda suficientes para recuperar os níveis dos mananciais”, lamentou.
As captações superficiais das ETAs Pureza e Gatos sofreram redução de até 50%. A ETA Gatos teve queda de 65% na média de vazão. “A situação da barragem da Pureza em setembro foi crítica, com imagens mostrando o nível mínimo de água um dia antes do decreto de emergência hídrica”, relatou Maria Eduarda.
Para evitar o racionamento, o Saae contou com reforço da Vale, que aumentou em 40 l/s o volume acordado no TAC, que é de 160 l/s, o que tem representado a metade do consumo na cidade. Ainda assim, o município decretou estado de emergência hídrica em 20 de agosto, obrigando a autarquia a elaborar um plano de contingência com vigência até 30 de novembro.
Entre as medidas adotadas, destaca-se a captação emergencial na barragem do Rio de Peixe, na região da Ribeira, com funcionamento de 12 horas por dia e vazão de 60 l/s, utilizando geradores. A água é direcionada até a lagoa da Unifei, no Distrito Industrial Maria Casemira Andrade Lage – e segue por gravidade para ser tratada na ETA Pureza.
Comunicação e ações educativas
Para garantir que a população fosse informada e engajada, o Saae realizou uma série de ações educativas e comunicacionais. Cerca de 500 estudantes participaram de atividades em escolas, com alertas e esclarecimentos sobre o racionamento.
Entre os dias 23 e 29 de setembro, carros de som circularam pelos bairros informando sobre o desabastecimento com antecedência. Cartazes foram distribuídos nas secretarias de Assistência Social, Educação, Saúde e Fundação Cultural.
“A imprensa local e as redes sociais divulgaram diariamente o calendário de abastecimento, complementado por spots informativos nas rádios e matérias em sites de notícias”, relatou a diretora técnica operacional do Saae.
A autarquia também se reuniu com vereadores e com a Interassociação de Moradores para esclarecer dúvidas e apresentar o plano de contingência.
Durante o racionamento, manobras técnicas foram realizadas para garantir o abastecimento em todos os bairros, como abertura gradual de registros, centralização do sistema, ajustes hidráulicos e uso de reservatórios.
Serviços essenciais como escolas, creches e hospitais foram cadastrados para atendimento prioritário com caminhões-pipa. Consumidores vulneráveis também puderam solicitar abastecimento emergencial mediante apresentação de laudo médico. Comunidades rurais foram atendidas com caminhões-pipa durante todo esse período de estiagem, que felizmente está chegando ao fim.









