Programas sociais no Brasil: desafios, reformas e o caminho para a justiça social

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Enquanto programas sociais em outros países são amplamente reconhecidos como ferramentas para garantir uma renda mínima e promover inclusão social, no Brasil ainda predomina uma narrativa impulsionada pelo mercado, e setores conservadores, que frequentemente resiste a iniciativas voltadas para a redução das desigualdades e a correção de injustiças históricas

Valdecir Diniz Oliveira*

Os programas sociais no Brasil, como o Bolsa Família e o Pró-Uni, são frequentemente alvo de críticas que os acusam de paternalismo e de perpetuar a dependência. No entanto, essas críticas ignoram o papel essencial dessas iniciativas na redução das desigualdades sociais, que são, em grande parte, herança de um sistema escravista e de um capitalismo concentrador de riquezas.

A escravidão deixou marcas profundas na sociedade brasileira, criando um abismo de desigualdade que ainda persiste. A maioria dos beneficiários dos programas sociais são pessoas pretas, descendentes de escravizados que, ao serem libertos, não receberam condições mínimas para sobreviver ou prosperar.

Nesse contexto, programas como o Bolsa Família e o Pró-Uni são políticas públicas de reparação histórica, buscando corrigir injustiças estruturais e oferecer condições mínimas de vida digna aos que foram sistematicamente excluídos.

Bolsa Família: renda mínima e desafios recentes

O Bolsa Família, criado em 2003, é um programa de transferência de renda que atende famílias em situação de pobreza e extrema pobreza. Além de garantir o básico para a sobrevivência, ele condiciona o benefício à frequência escolar e à vacinação das crianças, promovendo saúde e educação. Dados mostram que o programa ajudou a reduzir a pobreza extrema de 9,7% para 4,3% entre 2003 e 2014.

No entanto, durante o governo Bolsonaro, o programa foi inflado com a inclusão de beneficiários que não atendiam aos critérios estabelecidos, como parte de uma estratégia para assegurar votos à reeleição. Estima-se que cerca de 1 milhão de famílias unipessoais foram incluídas de forma irregular, aumentando os custos do programa para R$ 168 bilhões em 2022.

Com o retorno do Bolsa Família em 2023, o governo Lula iniciou um processo de saneamento do programa. Isso incluiu a exclusão de beneficiários irregulares e a reavaliação de critérios de elegibilidade, resultando na redução de 1,1 milhão de beneficiários até 2025.

Além disso, novas regras foram implementadas para garantir maior eficiência e transparência, como a exigência de entrevistas domiciliares para famílias unipessoais.

Pró-Uni: democratizando o ensino superior

O Programa Universidade para Todos (Pró-Uni), lançado em 2004, oferece bolsas de estudo integrais e parciais em instituições privadas de ensino superior para estudantes de baixa renda. Desde sua criação, mais de 2,5 milhões de estudantes foram beneficiados, contribuindo para a formação de profissionais qualificados e promovendo mobilidade social.

Apesar de seu sucesso, o Pró-Uni enfrenta desafios, como a necessidade de melhorar a qualidade do ensino básico para que mais jovens estejam preparados para ingressar no ensino superior. Além disso, é crucial garantir que as bolsas sejam direcionadas a quem realmente necessita, evitando fraudes e desperdícios.

Exemplos internacionais de políticas de bem-estar social e renda mínima

Diversos países ao redor do mundo implementaram políticas sociais que equilibram assistência financeira com estratégias para promover a empregabilidade e a autonomia econômica dos beneficiários.

Na Suécia, o sistema de bem-estar social oferece assistência financeira para desempregados, acesso universal à saúde e educação gratuita. Além disso, programas de capacitação profissional ajudam na reintegração dos beneficiários ao mercado de trabalho. O modelo sueco destina cerca de 28% do PIB para políticas sociais.

Em Portugal, o programa Rendimento Social de Inserção, implementado em 1996, combina suporte financeiro com programas de capacitação e busca ativa de emprego, contribuindo para a redução da pobreza extrema.

O programa Renda de Solidariedade Ativa (RSA), na França, oferece assistência financeira a pessoas de baixa renda, incentivando o retorno ao mercado de trabalho por meio de subsídios condicionados e treinamentos.

Já no México, o programa Prospera, antes conhecido como Oportunidades, implementa transferências de renda condicionadas a metas de saúde e educação, servindo como um modelo para outros países da América Latina, assim como é também o Bolsa Família no Brasil.

No Canadá, experimentos com renda básica universal em províncias como Ontário demonstraram benefícios em saúde mental, redução da pobreza e avanços educacionais.

E nos Estados Unidos, apesar de não ter um programa universal, iniciativas como o Supplemental Nutrition Assistance Program (SNAP) e o Earned Income Tax Credit (EITC) oferecem suporte significativo para famílias de baixa renda.

Esses exemplos internacionais mostram que é possível combinar assistência financeira com investimentos em capacitação e inclusão, criando sistemas mais eficientes e sustentáveis, mesmo em sociedades capitalistas.

Contradições e desafios

Embora os programas sociais desempenhem um papel essencial na redução das desigualdades, é crucial enfrentar as contradições e os desafios que esses programas podem apresentar.

Para torná-los mais eficazes, o governo deve priorizar investimentos em políticas que promovam a empregabilidade e a independência econômica dos beneficiários, incluindo iniciativas de capacitação profissional e incentivos ao empreendedorismo.

Além disso, é indispensável adotar mecanismos rigorosos para combater fraudes e garantir que os recursos alcancem os grupos mais vulneráveis, assegurando a eficiência e transparência na gestão pública.

Programas sociais não são apenas ferramentas de redistribuição de renda; eles são pilares para a construção de uma sociedade mais igualitária e justa. Longe de perpetuar o assistencialismo, eles devem estar vinculados a estratégias que promovam autonomia, geração de renda e desenvolvimento econômico sustentável.

Assim, ao mesmo tempo em que corrigem desigualdades históricas e oferecem oportunidades, é necessário que esses programas estejam constantemente alinhados com metas de emancipação social, evitando que se tornem dependências crônicas sem compromisso com a inclusão produtiva. Só assim será possível alcançar uma sociedade verdadeiramente inclusiva e sustentável.

*Valdecir Diniz Oliveira é cientista político, jornalista e historiador

 

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