Preso pela PF, Daniel Vorcaro, dono do Banco Master, é ex-sócio da Itaminas
Foto: Reprodução/ Agência Brasil
Mineradora tem histórico ligado ao fundador do Inhotim
A prisão de Daniel Vorcaro, dono do Banco Master e ex-sócio da mineradora Itaminas, marca um novo capítulo na interseção entre finanças, mineração e cultura em Minas Gerais.
Detido pela Polícia Federal no Aeroporto de Guarulhos (SP), ao tentar embarcar para Dubai, Vorcaro foi alvo de uma operação que coincidiu com a liquidação extrajudicial do Banco Master pelo Banco Central.
A ação também atingiu seu sócio na instituição financeira, Augusto Lima, detido horas antes. Ambos estavam envolvidos na tentativa de venda do banco para a Fictor Holding Financeira, anunciada dias antes da intervenção do BC.
A entrada e saída de Vorcaro da Itaminas
Em 2024, Bernardo Paz vendeu a Itaminas por cerca de US$ 300 milhões a três empresários mineiros: Daniel Vorcaro (Banco Master), Rodrigo Gontijo (Grupo AVG) e Argeu Géo (Grupo Agéo).
Vorcaro assumiu 50% da mineradora, enquanto os demais dividiram os 50% restantes. A operação contou com financiamento parcial da gestora Prisma Capital.
A entrada de Vorcaro foi vista como parte de uma estratégia de diversificação de ativos, num momento em que o Banco Master buscava ampliar sua atuação no setor produtivo.
No entanto, sua permanência foi breve: em novembro de 2025, ele vendeu sua participação integral aos outros dois sócios, poucos dias antes de ser preso.
A Itaminas confirmou a transação em 11 de novembro, destacando que Vorcaro não fazia mais parte do quadro societário. A venda teria sido motivada por dificuldades financeiras enfrentadas pelo Banco Master, que buscava reforçar seu caixa diante da crise de liquidez.
Crise no Banco Master e tentativa de venda
Fundado em 1967 e rebatizado sob o comando de Vorcaro, o Banco Master vinha enfrentando problemas financeiros crescentes.
Em novembro deste ano, a Fictor Holding Financeira anunciou a intenção de adquirir o banco por R$ 3 bilhões, mas a operação foi interrompida pela intervenção do Banco Central, que decretou sua liquidação extrajudicial.
A prisão de Vorcaro e Lima, ocorrida no mesmo dia da liquidação, levantou suspeitas sobre tentativa de evasão e gestão temerária.
A Polícia Federal investiga possíveis crimes contra o sistema financeiro, incluindo movimentações suspeitas de ativos e omissão de informações ao mercado.
Itaminas: da mineração à arte
Já a Itaminas Mineração S.A., sediada em Sarzedo (MG), é uma das mais tradicionais mineradoras privadas do país. Fundada em 1959, ganhou projeção nacional ao ser adquirida por Bernardo Paz, empresário e colecionador de arte que viria a fundar o Instituto Inhotim, em Brumadinho.
Com visão singular, Paz transformou paisagisticamente uma área minerada e degradada em um espaço de exuberância ambiental e cultural, unindo arte contemporânea e natureza em escala monumental.
Esse modelo poderia inspirar iniciativas semelhantes em Itabira por parte da mineradora Vale, que chegou a investir parcialmente no Parque Municipal Ribeirão de São José como condicionante ambiental.
Havia a promessa, não cumprida, de transformar o local em uma unidade experimental de geração de energia alternativa — eólica, hídrica e fotovoltaica. No entanto, o projeto não avançou, revelando a distância entre o discurso e a prática quando se trata de compromisso real com a cultura e o meio ambiente dessa grande multinacional mineradora.
Durante décadas, os lucros da Itaminas foram fundamentais para viabilizar o Inhotim, hoje reconhecido como um dos maiores museus a céu aberto do mundo.
A associação entre mineração e arte foi decisiva para consolidar um projeto cultural de alcance internacional, que continua a atrair visitantes, artistas e pesquisadores de diversas partes do planeta.
O legado de Bernardo Paz e o futuro do Inhotim

Embora a Itaminas não tenha mais vínculo direto com o Inhotim, sua história está profundamente entrelaçada com a do museu.
Bernardo Paz, que enfrentou acusações de lavagem de dinheiro, das quais foi posteriormente absolvido, sempre defendeu que Inhotim era um projeto de transformação social e cultural financiado com recursos legítimos.
Hoje, o Inhotim é mantido por uma fundação e conta com apoio de patrocinadores privados e incentivos públicos.
A saída de Paz da Itaminas e os novos rumos da mineradora não afetaram diretamente o funcionamento do museu, mas o episódio reacende o debate sobre a dependência de grandes projetos culturais em relação a empresas privadas e os riscos associados a essa estrutura.
Cultura e capital privado: os mecenas modernos
A trajetória entrelaçada da Itaminas e do Instituto Inhotim revela uma dimensão pouco explorada da cultura brasileira: o papel dos chamados mecenas modernos — empresários que, movidos por interesses diversos, destinam parte de suas fortunas à promoção da arte, da educação e de projetos sociais.
Essa prática, que remonta ao Renascimento, assume no Brasil contemporâneo contornos próprios, muitas vezes ancorados em setores como mineração, finanças e agronegócio.
Bernardo Paz é um exemplo emblemático: com recursos oriundos da Itaminas, transformou Brumadinho em um polo cultural de alcance internacional. Sua iniciativa colocou o Brasil no mapa global da arte, atraindo visitantes, artistas e curadores de todo o mundo.
Contudo, a dependência de capital privado para sustentar projetos culturais de grande porte levanta questões cruciais — éticas e estruturais. A primeira delas é a sustentabilidade: o que acontece quando os financiadores enfrentam crises, mudam de interesse ou se retiram? A história recente está repleta de iniciativas culturais que minguaram após o afastamento de seus patronos.
A segunda é a transparência: como garantir que o financiamento da cultura não seja instrumentalizado como estratégia de reputação ou usado como cortina para práticas empresariais questionáveis? A arte pode ser tanto expressão legítima quanto escudo simbólico — e isso exige vigilância, regulação e uma imprensa e opinião pública atentas.
Por fim, há o dilema da autonomia: até que ponto a arte pode se manter livre, crítica e provocadora quando depende de grandes investimentos privados?
A relação entre artista e mecenas, por mais generosa que pareça, carrega tensões inevitáveis. A liberdade criativa pode ser condicionada, ainda que sutilmente, por interesses econômicos, ideológicos ou de imagem.
O caso de Daniel Vorcaro, embora não envolva diretamente o Inhotim, expõe os riscos dessa estrutura. Sua breve passagem pela Itaminas, seguida da crise bancária e da prisão, ilustra como os destinos de empresas e instituições culturais podem ser afetados por decisões tomadas em esferas distantes da arte. A cultura, quando financiada por capital privado, ganha potência — mas também vulnerabilidade.
Diante desse cenário, cabe à sociedade, aos gestores culturais e aos próprios artistas refletirem sobre como equilibrar essa equação. É possível, e desejável, que o setor privado continue a investir em cultura.
Mas é igualmente urgente criar mecanismos de governança, financiamento público e participação social que garantam a perenidade, a independência e a integridade dos projetos culturais. Afinal, a arte não pode ser apenas um espelho do poder. Ela precisa continuar sendo, sobretudo, um espaço de liberdade e criatividade.









