Prefeitura prioriza obras para gerar empregos e mobilidade, enquanto abandona investimentos sociais

Carlos Cruz*

Se o governo de Ronaldo Magalhães (PTB) demonstrasse o mesmo empenho para resolver as questões sociais e ambientais (falta de creches, sucateamento do serviço de saúde, abandono dos projetos Restaurante Popular e da Unidade de Pronto Atendimento do bairro Fênix, ausência de saneamento básico na zona rural, comprometendo o futuro do turismo que deveria ser sustentável, falta de drenagem urbana, aterro sanitário que corre o risco de novamente virar lixão etc.), como fez para aprovar na Câmara os projetos de empréstimo para a avenida Machado de Assis e doação de imóveis para a construção de 400 apartamentos populares, com certeza, as condições de vida no município seriam bem melhores.

Entre duas sessões extraordinárias, pausa para reunião com os secretários na presidência do legislativo, aberta ao público (Fotos: Divulgação/CMI)

Em duas sessões extraordinárias, realizadas nessa quinta-feira (18/01), em pleno recesso legislativo, com intervalo para reunião na sala da presidência do legislativo, a Câmara Municipal aprovou, por unanimidade, projeto que autoriza a Prefeitura contrair empréstimo de mais R$ 4 milhões. Esse empréstimo complementa aporte anteriormente aprovado de R$ 15 milhões, totalizando R$ 21 milhões obtidos junto ao Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG).

Nas mesmas sessões extraordinárias, foi aprovado também por unanimidade e pelo regime de urgência, doação ao Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), gerido pela Caixa Econômica Federal, de três imóveis públicos localizados nos bairros Barreiro (18.544 m²), Fênix (7.889 m²) e Abóboras (18.320 m²), para construção de 400 apartamentos populares. Os imóveis serão destinados a trabalhadores com renda de até três salários mínimos, pelo programa Minha Casa, Minha Vida. Os terrenos estão avaliados em R$ 3,6 milhões.

Para convencer os vereadores a aprovarem os projetos em regime de urgência urgentíssima, foi primordial o empenho dos secretários Ilton Magalhães (Governo) e Ronaldo Lott (Obras), principalmente desse último. A justificativa apresentada pela urgência é a necessidade de formalizar os empréstimos e realizar as licitações necessárias em tempo hábil, considerando as restrições em decorrência do processo eleitoral deste ano.

Polêmica

No caso da avenida Machado de Assis, o empréstimo é para concluir a etapa que liga os bairros João XXIII e Gabiroba. Fica faltando ainda recurso para complementar o trecho ligando esse trecho ao bairro Machado.

O projeto de abertura da avenida é marcado pela polêmica – e é uma obsessão de Ronaldo Magalhães desde o seu primeiro mandato como prefeito de Itabira (2001-2004). Na ocasião, Magalhães foi acusado pelo Ministério Público de pagar por obras inexistentes na referida avenida. O assunto voltou a ser discutido nas reuniões de Câmara, mas o caso teria sido “esclarecido” pelo secretário de Obras, Ronaldo Lott, que afirma ter “apurado” pessoalmente o caso.

Ronaldo Lott (Obras) e Ilton Magalhães (Governo) participaram da reunião de esclarecimento e convencimento dos vereadores “indecisos”

Segundo ele, o então deputado Li Guerra teria obtido um empréstimo federal para as obras da avenida, mas o recurso não foi liberado. “Esses itens da planilha referente à avenida não foram realizados, e consequentemente, não foram pagos”, assegurou, em entrevista a este site.

O Ministério Público chegou a propor uma ação civil pública pedindo o ressarcimento ao erário municipal do que teria sido pago pela “obra fantasma”. O processo, segundo Ronaldo Lott, foi arquivado. “Analisei todas as medições do contrato e nada tem referente ao pagamento de obras na avenida Machado de Assis”, assegurou.

A avenida Machado de Assis pode até ser necessária, mas há quem questione a sua prioridade, principalmente diante da crise que o município e o país vivem. Estava inicialmente orçada em R$ 50 milhões, incluindo as duas etapas. Com recursos escassos, o projeto inicial foi modificado, retirando e ou reduzindo itens importantes de mobilidade. “Diminuímos a largura das pistas, tiramos quatro áreas de lazer que estavam orçadas em R$ 8 milhões, e os passeios serão mais estreitos, com 1,5 metro nas margens do canal e nas laterais da rodovia também. E não haverá mais ciclovia”, detalhou o secretário de Obras, na mesma entrevista a este site.

A polêmica se dá também pela origem dos recursos da ordem de R$ 4 milhões que a Prefeitura investirá no trecho da avenida como contrapartida. Para obter esse recurso, a Prefeitura já foi autorizada pelos vereadores a realizar leilões de áreas públicas, o que inclui a desafetação de áreas verdes.

Isso em uma cidade que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), dispõe de apenas 25,2% de arborização de vias públicas, o que coloca Itabira na posição do 4.980º no ranking dos municípios menos arborizados entre os 5.570 existentes no país. Ou seja, apenas 590 municípios brasileiros têm área urbana menos arborizada que Itabira, situação que se agrava quando se trata de cidade mineradora, com alto índice de poluição do ar.

Prioridade?

A continuidade das obras na avenida Machado de Assis é polêmica ainda mais quando se observam outros indicadores socioeconômicos apontados pelo IBGE (https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/itabira/panorama). Com 109.783 habitantes, embora o município apresente índice de esgotamento sanitário de 92% (347º colocado no país), Itabira registra taxa de mortalidade infantil média de 12,25 para 1.000 nascidos vivos, o que deixa o município na triste posição de 2.675º colocado no ranking nacional nesse quesito.

Além disso, as internações em decorrência de diarreias são de 0,5 para cada 1.000 habitantes, ocupando a também humilhante posição de 3.330º colocado nesse indicador de saúde da população entre os 5.570 municípios brasileiros.

André Viana (à direita de Neidson) foi um dos que defendeu os investimentos na avenida Machado de Assis

No quesito emprego, o último censo registra 38.162 pessoas com emprego formal, situação que certamente foi agravada com a crise, principalmente depois do fim das obras de modernização do complexo minerador da Vale.

Ainda no quesito de geração de empregos, os dados do IBGE desmontam também o mito de que Itabira é um município rico. Com salário médio de 2,5 salários mínimos, a proporção de pessoas ocupadas em relação à população total é de 32,4%. Quadro esse que certamente se agravou com a crise. Fica nesse item na 580º colocação no país.

Com esses indicadores socioeconômicos, com tantos problemas para se resolver, e que vem sendo adiado por sucessivos governos municipais, será mesmo prioridade contrair empréstimos endividando ainda mais o município, nessa conjuntura de crise persistente, ainda sem um horizonte próximo do fim?

O vereador André Viana (Podemos), assim como os seus pares que votaram por unanimidade pela aprovação desses projetos, responde, peremptoriamente, que sim. “É um empréstimo que está dentro da capacidade de endividamento do município. Vai aparecer discurso inflamado dizendo que a Prefeitura deveria investir na saúde. Não pode. É uma verba específica para as cidades mineradoras investirem em obras de saneamento, como é o caso do canal”, discursou o vereador, ao justificar o seu voto favorável.

Que o leitor tire a conclusão que lhe aprouver.

*Carlos Cruz é editor e jornalista responsável deste site Vila de Utopia

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1 Comentário

  1. Fiquei lembrando do Luiz Antônio Zanon e o questionamento de sempre a respeito da canalização e abertura do que seria o princípio da avenida que segue no centro do Bairro João XXVIII.
    Ele questionava que foi apresentada uma conta de R$5 milhões e a ribanceira está lá para quem quiser ver, totalmente sem obras.
    Isto ocorreu entre 2005 a 2008.

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