Prefeitura reabre ações ambientais contra a Vale, instauradas em 1985 com base em reportagens do jornal O Cometa
Carlos Cruz
Além das ações civis públicas instauradas recentemente, a pedido da Curadoria de Meio Ambiente, do Ministério Público Estadual, a Vale se defronta com o desarquivamento de outras ações datadas de 1985, em que figura como ré por degradar o meio ambiente na cidade.
Nas ações atuais, abertas para apurar as condições estruturais das barragens de Santana e do Pontal, do cordão Nova Vista e dique Minervino, a mineradora tem prazo até o dia 29 (sexta-feira) deste mês e 5 de abril para comprovar em juízo que essas estruturas são seguras.
A comprovação terá de ocorrer por meio de perícias independentes, sob pena de ter de remover moradores que se encontram na rota da lama de estéril, em caso de rupturas.
Já com relação às ações ambientais do final do século passado, elas estão sendo desarquivadas por solicitação da Procuradoria-Geral do Município, que pede a movimentação de todos os processos relacionados às condicionantes e aos acordos não cumpridos pela mineradora Vale.
Entre essas ações estão as que foram movidas pelo Ministério Público, por meio de inquéritos ambientais instaurados pioneiramente no país, em 30 de setembro de 1985, com base na Lei Federal 7.347/85, pelo então promotor José Adilson Marques Bevilácqua (já falecido).
Naquela ocasião, o Ministério Público instalou três inquéritos, todos tendo por base uma série de reportagens assinadas por este repórter, publicada no jornal O Cometa Itabirano, descrevendo os principais impactos ambientais da mineração no município.
A primeira ação foi para obrigar a mineradora a diminuir a poeira, com partículas de minério em suspensão, despejada sobre a cidade. A empresa foi obrigada a divulgar os índices da poluição do ar que até então eram apurados, mas que a Vale escondia da população.
O segundo inquérito teve por objetivo responsabilizar a mineradora pela degradação paisagística da serra do Esmeril (atual encosta com taludes nas Minas do Meio e que tem muitos trechos com erosões), além de obrigar a empresa dotar medidas imediatas para sua reabilitação.
E um terceiro inquérito foi para que a Justiça determinasse a recomposição de extensas áreas com florestas nativas, desmatadas pela sua subsidiária Florestas Rio Doce, para dar lugar às florestas homogêneas de pinus e eucalipto.
Os dois primeiros inquéritos foram transformados em ações civis públicas. Quanto ao terceiro, foi feito um acordo ainda na fase de inquérito.
O compromisso, ainda para ser cumprido, foi para a empresa fazer a reconversão de florestas, com o plantio de árvores nativas em substituição aos pinus e eucaliptos.
Mineradora não cumpre acordos e ações voltam a se movimentar na justiça local
Com os processos instaurados em 1985, e com a conhecida lentidão da Justiça, em 7 de abril de 1993 foi assinado um acordo entre a Vale e a Prefeitura, com a interveniência do então promotor Giovanni Mansur. O acordo foi assinado mediante compromissos firmados no sentido de mitigar os impactos ambientais da mineração, comprovados por perícias nas duas ações civis.
Com o acordo, a empresa asfaltou a estrada 105, que era apontada como responsável por parte da poeira em suspensão, como também teve de adotar medidas de umectação de estradas de acesso às minas, para reduzir a poluição do ar ao mínimo admitido pela legislação e aceitável pela população.
Para isso, a mineradora firmou o compromisso de revegetar áreas expostas nas minas, além de cobrir toda a encosta da serra do Esmeril. A doação da praça do Areão à Prefeitura também fez parte do acordo.
A empresa lançou também o projeto Verde Novo, pelo qual propôs plantar 1,5 milhão de árvores no perímetro urbano.
O projeto foi um tremendo fracasso, por não contar com apoio da população, que viu passeios em frente às suas residências serem quebrados para o plantio, sem sequer ser consultada.
Itabiruçu
O Parque Ecológico do Itabiruçu também foi apresentado nos autos como medida compensatória. Como se sabe, o parque deixou de existir para dar lugar à barragem homônima.
A Vale se comprometeu, ainda, a formar ilhas verdes na cidade, que constituiriam parques socioambientais à disposição da comunidade itabirana.
Para a procuradoria jurídica da Prefeitura, esses acordos não foram cumpridos na íntegra, mesmo tendo já transcorridos mais de 25 anos de suas assinaturas. Daí que pediu, em dezembro do ano passado, para que fossem reabertos.
Camarinha
A reabertura desses processos não é uma ação isolada – e faz parte de uma série de outras iniciativas judiciais que a Prefeitura pretende tomar contra a Vale, por não cumprimento de acordos e condicionantes.
Uma dessas ações já foi aberta com pedido de antecipação de provas. Trata-se do não pagamento de dividendos devidos ao erário municipal com a venda de minério da mina Camarinha, que ficava atrás da serra do Esmeril.
A mina pertencia à Extracomil, uma empresa de economia mista majoritariamente do município. Na negociação da mina com a Vale, o então prefeito Luiz Menezes (1989/92) fez incluir na escritura pública uma clausula que daria ao município direito de receber um percentual pela exploração de minério na localidade.
Só que esse pagamento nunca ocorreu – e a Prefeitura agora cobra na Justiça (leia aqui). “Descobrimos essa escritura e verificamos que mesmo tendo sido assegurado o direito minerário do município na mina da Camarinha, essa cláusula nunca foi cumprida”, contou o prefeito Ronaldo Magalhães (PTB), em entrevista coletiva realizada no fim do ano passado, após a sua visita à República Popular da China.
Para a Vale, todos os acordos e as condicionantes foram cumpridos
A assessoria de imprensa da mineradora, em resposta a este site Vila de Utopia, sustenta que não há dívida a saldar com o município em relação à negociação da Camarinha. “Análise jurídica da Vale não reconhece o direito da Prefeitura de Itabira ao recebimento de royalties em decorrência das operações da companhia.”
Segundo a empresa, com a transação ocorreu a transferência integral do terreno no ato de permuta dos imóveis. “No entanto”, diz a nota, “a municipalidade recebeu sua parcela cabível por meio da Cfem (os royalties do minério), conforme previsto por lei”.
Com relação à ação civil pública desarquivada, a empresa diz que ainda não foi notificada pela Justiça sobre a sua reabertura – daí que não iria se manifestar.
Entretanto, em questionamentos anteriores encaminhados pelo site sobre a desativação do parque ecológico do Itabiruçu, a empresa respondeu que mantém uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), onde diz preservar 221 hectares de floresta nativa.
E que, em relação à estrutura do parque, a empresa instalou um viveiro de mudas na mina de Conceição, além de ter instalado o Centro de Educação Ambiental (CEA) na unidade operacional da mina Cauê.
“Essas medidas foram acordadas em conjunto com a Feam (Fundação Estadual do Meio Ambiente) e a Prefeitura de Itabira”, sustenta a empresa. O CEA da Vale realmente existe e chegou a ser usado para educação ambiental, voltada às escolas e lideranças comunitárias. Mas já há algum tempo deixou de ter essa finalidade.
Condicionantes
Outras ações devem ser impetradas pela Prefeitura contra a Vale por não cumprimento de várias condicionantes da Licença de Operação Corretiva (LOC), aprovada pela Câmara de Mineração, do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), em 18 de maio de 2000.
Dentre essas condicionantes que não teriam sido cumpridas, está a que trata do suprimento de água na cidade, em volume suficiente para assegurar a diversificação econômica e o desenvolvimento sustentável do município.
Uma outra condicionante que não teria sido cumprida é a que consta a instalação de uma Central de Reprocessamento de Resíduos.
Da mesma forma, não teria sido integralmente executada a condicionante das unidades de conservação, faltando a instalação do Parque Natural Municipal Ribeirão de São José.
E, também, a ampliação do Parque Nacional Serra do Cipó até o distrito de Senhora do Carmo, com instalação de um portal (receptivo) no povoado de Serra dos Alves.
Ainda estaria faltando cumprir, integralmente, a condicionante que determina a realização de estudos epidemiológicos sobre doenças respiratórias no município, decorrentes da poeira de minério.
Sem reconhecimento
A Vale também não reconhece o descumprimento dessas condicionantes. Com relação à Central de Resíduos, que é condicionante da LOC e também medida relacionada à compensação social dos projetos Cauê 2 e Itabiritos, a empresa alega que a proposta era investir parte dos recursos destinados a projetos sociais na sua implantação.
Entretanto, diz a nota da empresa, como “a Prefeitura de Itabira não cumpriu o prazo de entrega de documentos para a iniciativa, a Vale renegociou com a administração municipal e o BNDES a realocação desse recurso para projetos sociais com foco em educação, saúde e geração de renda”.
De acordo com a empresa, com a renegociação, os investimentos sociais desses projetos foram empregados na construção da Estação de Tratamento de Água (ETA) Rio de Peixe – e também de uma Unidade Básica de Saúde (UBS).
Recursos desses projetos também teriam sido empregados na compra de ônibus adaptado para a Associação de Pais, Amigos e dos Excepcionais (Apae), de Itabira, nas reformas do Lar de Ozanam e de escolas municipais.
“Além disso, mais recursos foram investidos em programas executados pela Fundação Vale, como Educação Inclusiva, Espaços Educativos, Vigilância Nutricional, Ciclo Saúde, Agir e Equidade de Gênero”, sustenta a empresa, em nota encaminhada a este site.
Ribeirão São José
Quanto à instalação do Parque Natural Municipal Ribeirão de São José, a empresa confirma que está negociando com a Prefeitura.
“No entanto, a implantação do parque não é condicionante da LOC”, sustenta a mineradora Vale.
Na Secretaria Municipal de Meio Ambiente se encontra arquivado o projeto de implantação desse parque e de todas as outras unidades de conservação relacionadas como parte da execução dessa condicionante.
Nesses projetos estão as obrigações de fazer de cada parte com a parceria entre a Vale e a Prefeitura.
O certo é que, passados todos esses anos, nem a Prefeitura e muito menos a Vale cumpriram os compromissos firmados na ocasião para a instalação do parque.
Resultado: o que resta da antiga usina hidrelétrica Ribeirão de São José permanece em ruínas. Sem vigilância desde o início da atual administração, esse patrimônio do povo itabirano vem sofrendo com ações de vândalos e de ladrões que surrupiam peças históricas valiosas.
Boa matéria que recapitula informações antes perdidas no tempo, que atualiza o leitor interessado em acompanhar as negociações engavetadas.
Dá para se ver a falta de interesse e empenho entre empresa Vale e a instituição Prefeitura que, no jogo de empurra de uma para outra, as cláusulas que determinam o que cabe a cada uma, se perde no tempo e no espaço.
Itabira mais uma vez sai penalizada e a população é que prescinde de se beneficiar das possíveis melhorias, principalmente, na questão do ar, com plantios de árvores pela cidade.
De resto, fica a pergunta:
– O nesses acordos quando se trata de gerar Economia, Trabalho e Renda para o Município de Itabira, não vi nenhuma proposta para o fomento da Cultura, sobretudo, de viabilizar projetos Drummondianos capaz de gerar sustentabilidade ao município.
Excelente resgate jornalístico! digno até mesmo da leitura de Tutu Caramujo… temo apenas pelo apagar das luzes, após 25 anos de inanição dos podres poderes.
Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, que disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, à bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (vetado), assinada pelo presidente da República José Sarney.
A reabertura, pela prefeitura, das ações ambientais contra a Vale, instauradas em 1985, é importante, é oportuno nesse momento em que a Vale da Morte está exposta ao descrédito, depois de descoberta no criminoso mecanismo de romper barragens por onde minera. Por Nossa Senhora! diria a poeta Helena Ortiz.
O artigo do Carlos Cruz me volta pra trás no tempo. Tenho xeroques de partes do inquérito que abri para recordar o tempo em que Itabira resistiu à presença da CVRD. Era a saída dos militares do poder da Ditadura de 64. Agora é Golpe 16, é o Estado de Exceção, é a submissão aos ianques e a abertura para mais uma ditadura com os militares no poder. E não é mais CVRD, uma desconstrução do Brasil promovida pelo presidente FHC, do PSDB.
Alguns atores na Ação Civil Pública de Crime Contra o Meio Ambiente em Itabira, se Encantaram para um outro meio ambiente, o promotor José Adilson Marques Bevilacqua (1943-2014) – encantou no dia 25 de setembro, 29 anos depois de sua inteligência, sagacidade e empenho vencerem uma causa, um processo judicial a favor de Itabira; e o superintendente da CVRD/SUMIM, Juarez César da Fonseca, uma pessoa de trato elegante. Felizmente, o agrônomo Gilmar B. Martins Cruz, Maria Alice de Oliveira Lage (Codema) e Álvaro de Alvarenga Ferreira (ecologista) e os engenheiros, Alfredo Vaz Sampaio e Eduardo Sampaio de Barros, estão vivos, podem evocar da memória a distância de 34 anos e contar agora as versões dos fatos.
A construção da Ação começa por 3 portarias, de julho e setembro de 85, norteadas pelo parágrafo 1º. do artigo 8º. da Lei n. 7.347, que trata da instrução da inicial ao requerente. É relevante lembrar que o Bevilacqua foi o primeiro promotor de justiça a instaurar e presidir um inquérito por danos ao meio ambiente, no Brasil. Ele estreou a Lei 7.347, entre os parágrafos e artigos construiu um processo vitorioso em que demonstrou os crimes, provou, acusou e condenou a pena a CVRD. Itabira merecia essa vitória e ela foi construída por Bevilacqua. Louvo e saúdo.
O requerimento, documento de 3 páginas assinado pelo jornalista Carlos Cruz, diretor do jornal O Cometa Itabirano, é a fala essencial para o Promotor Verde se sentir provocado á promover a Ação Civil Pública contra a maior mineradora a céu aberto do mundo.
O Carlos, contaminado por Cauêite, escreve sua fala por onde a Cidadezinha começa e acaba, no fim de tudo, pelo lendário Pico do Cauê.
Responsabiliza a cidade, “Itabira convive numa extensão de aproximadamente 10 km, com o grande garimpo a céu aberto de minério de ferro. Durante todos esses anos foi cúmplice silenciosa e impotente diante da devastação de toda a vegetação exuberante do Pico do Cauê, Camarinha, Serra do Esmeril e Conceição”.
Lembra que os moradores da Vila Paciência convivem com a exploração voraz da Serra do Esmeril a 50 metros de sus casas.
Denuncia as nuvens brilhantes de partículas de minério expelidas pelo trem que leva Minas, contornando a cidade numa barulheira dia-e-noite.
Enumera as nascentes e mananciais de “águas cristalinas” expropriadas e poluídas, imprestáveis para o uso humano e animal.
Destaca as nascentes da Camarinha, o córrego da Penha, manancial do Borrachudo (que virou represa de rejeito), a nascente do córrego de Santana (contaminado), o rio de Peixe (assoreado).
O rio Girau e a represa da Pedreira contaminando, alagando toda Santa Maria de Itabira.
A represa do Pontal evaporando componentes químicos perigosos, a pouca distância dos bairros: Bela Vista, São Pedro, Eldorado e Jardim das Oliveiras.
A represa do rio de Peixe como parque de divertimento do Sindicato Metabase.
A precariedade na construção da represa da Chacrinha. E finalmente, “as indagações que se fazem são as seguintes: com o assoreamento do fino de minério, existem riscos de desmoronamento dessa represa? Existem riscos de contaminação através do contato ou mesmo pela sua proximidade com a população vizinha?
Não dá trégua e aponta o “Absurdo também é o fato do anel rodoviário de Itabira passar exatamente onde encontra-se a mineração da Serra do Esmeril”.
Questiona a Floresta Rio Doce sobre o desmate da floresta nativa e a plantação da floresta homogênea para fabricar celulose.
E para terminar minha longa intromissão, quero dizer que o Bevilacqua – o Promotor Verde – desejou o título de cidadão honorário de Itabira. Desejo justo, justíssimo porque ele foi um grande amigo de Itabira. Mas a câmara desdenhou oferecer-lhe este título amoroso. Entretanto, um Garrucheiro o reconhecee – sou testemunha – de que o professor Arp Procópio o reverenciou por defender Itabira, lhe ofereceu uma rodada de chá na Chaika, para oferecer, com profunda gratidão, edições raras da obra de Clóvis Bevilacqua.
Carlos, mexendo aqui nos arquivos encontrei um artigo seu, “Estado autoritário, meio ambiente e constituinte”, de 31 de janeiro de 1986. Vou ler…
uma nota da biografia do jurista Bevilacqua: quando jovem, foi repórter do diário Folha Mineira, de Juiz de Fora, e teve a oportunidade de cobrir o primeiro assalto a banco no Brasil. Um assalto na agência da CEF, na cidade de Santos Dumont em 1965. sua reportagem viajou mundo.
Falta empenho e mais ainda coragem de nossos administradores públicos municipais, nomeadamente os prefeitos.
É um tal de desdizer: -você sabe, é a Vale, né?
Sei não e o que sei é que essa mineradora vem esbulhando Itabira e sua comunidade desde 1942.