Prefeitura de Itabira está proibida, por lei federal, de executar ou liberar obras por onde rejeitos de barragens podem passar se alguma estourar

Carlos Cruz

A cidade minerada há muito mais de 80 anos, desde a década de 1970 passou a viver cercada por barragens, mas até recentemente não sabia que o perigo mora ao lado. Itabira está sitiada, cercada por 16 estruturas que comportam, em seu conjunto, mais de 500 milhões de metros de lama contendo resíduos pesados do ferro desprezado no processo de produção de pellets-feeds para o mercado internacional. E esse volume já pode ser maior.

Pois além do risco das barragens que ameaçam mais de 18 mil moradores que vivem abaixo dessas estruturas, por força da Lei Federal 14.066/2020 a cidade se viu, desde a sua promulgação, sem poder se expandir, seja por meio de novas construções particulares, como também com novas obras públicas nos bairros que integram as chamadas Zonas de Autossalvamento (ZAS), que abrangem cerca de15% do perímetro urbano.

Conheça a íntegra da lei clicando aqui.

Sem autorização

Áreas de exapansão urbana na ZAS estão restritas em Itabira até que a Vale apresente solução para o perigo das barragens, que seja aprovada pelos órgãos ambientais/reguladores como também pela sociedade itabirana (Fotos: Carlos Cruz)

Portanto, se alguém estiver construindo nesses bairros, seja para moradia ou para o comércio, não vai obter o habite-se ou o alvará de funcionamento da Prefeitura, por determinação dessa lei federal.

É o que proíbe o parágrafo 3º da legislação federal de segurança de barragens de mineração: “Cabe ao poder público municipal adotar as medidas necessárias para impedir o parcelamento, o uso e a ocupação do solo urbano na ZAS, sob pena de caracterização de improbidade administrativa, nos termos da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992.

Procurada pela reportagem, a administração municipal informou que a legislação federal está sendo cumprida. “Enquanto aguarda os prazos da legislação, a Prefeitura de Itabira não autoriza mais a ocupação das áreas de ZAS, em conformidade com a lei federal em vigor”, assegurou, por meio de sua assessoria de imprensa.

Com a não autorização de novas obras, a Prefeitura cumpre o que determina o artigo 18-A da referida lei , já normatizada pela Agência Nacional de Mineração (ANM).

A proibição é decorrente do parágrafo 2º, aquele que só admite na ZAS a permanência de trabalhadores estritamente necessários ao desempenho das atividades de operação e manutenção da barragem ou de estruturas e equipamentos a ela associados.

Por analogia, proíbe-se também a permanência de moradores que estão na rota da lama em caso de ruptura de uma das estruturas existentes na cabeceira da cidade.

Para saber mais sobre a ZAS em Itabira clique aqui.

Sem obras

Fonte: PAEBM/Vale

Portanto, enquanto esse imbróglio jurídico, ambiental e de (in) segurança do público que vive – e transita – pela mancha de possível inundação permanecer, se você, caro leitor, quiser construir ou mesmo reformar a sua casa, ou ainda, abrir um novo loteamento nessas áreas incluídas na ZAS, isso ocorrerá por sua conta e risco, pois não terá aprovação da prefeitura e dos órgãos fiscalizadores (Crea-MG, por exemplo) e ambientais.

“Da mesma forma, o município não executará obras públicas contrárias à legislação”, complementou a nota da administração municipal em resposta aos questionamentos deste site.

Isso pode significar, por exemplo, que a esperada ligação da avenida Duque de Caxias, no bairro Areão, com a nova avenida Machado de Assis, que só não se enquadrou na proibição por ter sido iniciada antes da legislação federal, no bairro João XXIII, se estiver na “mancha de inundação” vai ter de esperar até que se encontre solução, com uma das três alternativas, para que seja excluída da ZAS.

Prazos

Fonte: PAEBM/Vale

Como já existem moradores, e mesmo estruturas operacionais nessas condições proibitivas em vários complexos mineradores, a resolução da ANM estabeleceu prazos para a eliminação dessa situação, com três alternativas, com uma delas devendo ser apresentadas até 30 de junho e aprovadas em diferentes instâncias.

São essas as três opções: 1) descaracterizar (descomissionar) as estruturas de contenção até 31 de dezembro de 2027; 2) reassentar as comunidades e o patrimônio cultural existentes nos territórios até a mesma data; 3) realizar obras de reforço que garantam a estabilidade efetiva da estrutura, com prazos específicos, o que já vem ocorrendo com os diques e cordão Nova Vista, na barragem do Pontal, além de um dique já descaracterizado na barragem do Rio de Peixe.

Provavelmente todo esforço e lobby da Vale será para que seja autorizada e aprovada a terceira alternativa. Porém, nesse caso, mesmo que as obras de reforço sejam certificadas por diferentes auditorias internacionais independentes, para sempre permanecerá o temor pelo risco que essas barragens representam, vide as tragédias de Mariana e Brumadinho.

Leia mais aqui:

Vale tem prazo até junho para informar à ANM como vai garantir a segurança de quem vive nas zonas de autossalvamento

Situação delicada

Fonte: PAEBM/Vale

A situação é delicada e vinha até então sendo discutida somente em gabinetes fechados, na Vale e no terceiro andar da Prefeitura – nem mesmo na Câmara Municipal de Itabira essa proibição foi sequer mencionada nas reuniões ordinárias e das comissões temáticas.

A Casa legislativa e fiscalizadora, que deve zelar pelo bem-estar e segurança da população ainda não pautou essa candente questão, que afeta a vida de milhares de itabiranos.

É preciso que essa discussão venha a público, como faz esta reportagem, para que se tome conhecimento de como está sendo tratada essa matéria de grande interesse da população itabirana, não só daqueles que vivem na ZAS.

Afinal, trata-se de uma situação que cerceia o crescimento, a expansão urbana da cidade. E que dificilmente será revertida, por exemplo, com o reforço estrutural das barragens.

Vidas importam

Fonte: PAEBM/Vale

O prefeito Marco Antônio Lage (PSB) diz que todo esforço será feito para garantir a segurança da população. “Preservar a vida humana é condição inegociável para o governo municipal”, diz.

O chefe do executivo itabirano também acredita que Itabira terá um “case” de sucesso, com a Vale apresentando, também em junho, com o aniversário de 80 anos do início da extração de minério de ferro em larga escala do subsolo itabirano, um pacote de projetos estruturantes, incluindo solução para a (in) segurança das barragens.

“A partir de uma consultoria internacional contratada pela empresa (sic), Itabira já apresentou à Vale 32 projetos em áreas diversas, incluindo a ocupação do solo”, respondeu o executivo municipal à reportagem, mas sem adiantar o que consta desse “pacote” de projetos.

“Desde 2021 a Prefeitura de Itabira está acompanhando diretamente junto à Vale as três opções que a Lei 14.066/2020 estabelece para a empresa: garantir a segurança completa das barragens, desativá-las ou desocupar as áreas habitadas, pagando as indenizações devidas. O município aguarda a definição da empresa dentro do prazo previsto pela legislação.”

Abertura ampla, geral e irrestrita

Fonte: PAEBM/Vale

Pelo bem do interesse público, a Prefeitura não deve apenas aguardar a apresentação dessa definição. É hora de abrir com clareza, e transparência, esse debate com a sociedade itabirana, informando tudo o que se sabe, principalmente aos moradores que serão mais atingidos.

“Já a partir do ano passado, o município elevou os níveis de discussão sobre o futuro de Itabira e também da mineração na cidade, observando todas as legislações vigentes e o conjunto das discussões sobre os impactos da atividade econômica. Essa discussão aborda os planos de Itabira para 2050, passando por cenários para 2030 e também projetos de curto prazo.”

Pois então, que se abra desde já essa discussão com a sociedade itabirana, por meio de fóruns permanentes, como nunca antes se viu acontecer em Itabira.

Afinal, a cidade também nunca viveu uma situação como essa que adveio com a Lei de Segurança de Barragens de Mineração, promulgada após os trágicos e criminosos rompimentos de estruturas de contenção de rejeitos em Mariana e Brumadinho. Itabira não pode ser a próxima vítima e nem ser a última a saber.

Leia a íntegra da resposta da Vale aos questionamentos da reportagem

“É importante esclarecer que o Art. 18-A, §1º da Lei nº 12.334/2010, instituído pela Lei nº 14.066/2020, foi recentemente regulamentado pelo Art. 54 da Resolução nº 95/2022 da Agência Nacional de Mineração – ANM.

O dispositivo determinou que, para atendimento ao Art. 18-A, §1º, que o empreendedor deverá apresentar à ANM até o dia 30/06/2022 estudo de alternativas avaliando a relação de custos, riscos e benefícios para definição de qual será a medida a ser adotada (descaracterização da estrutura, ou o reassentamento da população e o resgate do patrimônio cultural, ou obras de reforço que garantam a estabilidade efetiva da estrutura), devendo considerar a anterioridade da barragem em relação à ocupação e a viabilidade técnico- financeira das ações que devem ser adotadas em cada uma das situações analisadas, sugerindo ao Poder Público a alternativa mais viável. 

Diante disso, a Vale está trabalhando nos referidos estudos em relação às respectivas barragens que possuem comunidade na ZAS, estando o prazo para apresentação ainda em curso. 

A Vale ressalta que não vem medindo esforços para garantir a segurança das pessoas das localidades onde atua, adotando as melhores práticas para resguardar as vidas, sempre buscando soluções para aumento crescente da segurança.

A empresa ressalta o cumprimento de todas as obrigações legais, com o aprimoramento dos sistemas de emergência e Planos de Ação de Emergência de Barragens de Mineração (PAEBM) implantados e funcionais.

A empresa ainda tem intensificado a rotina dos exercícios simulados de emergência, capacitando todos os empregados e a população, com a participação de agentes públicos, para que tenham condições de proceder com as ações necessárias em caso de emergência.

A Vale reforça que todas as barragens são monitoradas, permanentemente, pelo Centro de Monitoramento Geotécnico (CMG) e diversos instrumentos, e são submetidas a inspeções de campo regulares. 

Além disso, a Companhia, visando a maior proteção das comunidades e incremento da segurança das suas operações, e em atendimento às normas vigentes, vem procedendo com a eliminação de todas as barragens a montante da empresa no Brasil, reforçando o seu compromisso com a salvaguarda das vidas humanas e do meio ambiente. 

Especificamente em relação às barragens de Itabira, as estruturas consideradas como de alteamento a montante estão sendo reforçadas e descaracterizadas, como os diques internos do Sistema Pontal.

O dique 2 foi reforçado em 2020 e a obra de descaracterização está programada para 2023; os diques 3 e 4 foram reforçados em 2021 e estão sendo descaracterizados; e o dique 5 foi descaracterizado no ano passado, assim como o dique Rio de Peixe.

Já o projeto de descaracterização dos diques Minervino e Cordão Nova Vista está em fase de desenvolvimento. Os diques 1A e 1B, da mina Conceição, estão em obras de adequação de descaracterização para atendimento às regulamentações recentes. 

Por fim, a Vale informa que todas as indenizações eventualmente devidas serão tratadas com os envolvidos individualmente.”

 

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1 Comentário

  1. UMA VERDADE HISTÓRICA: Toda cidade rica é possuída por doenças e mortes. A cidade de Volta Redonda pertence a CSN, significa por exemplo que a casa que o meu amigo Léo Mineiro comprou e pagou não é legalmente dele. Todo o território de Volta Redonda pertence a estrangeira CSN. Vamos explodir a mineradora estrangeira?

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