Prefeitura de Itabira, enfim, anuncia corte de cargos comissionados e benefícios em meio à queda orçamentária; servidores reagem e entram em estado de greve

Foto: Delly Júnior/
Diário de Itabira

Ajustes visam equilibrar as contas públicas após forte queda na arrecadação com royalties e ICMS, enquanto servidores municipais querem a manutenção de direitos adquiridos

Carlos Cruz

Não está sendo fácil para o prefeito Marco Antônio Lage (PSB) administrar as finanças da Prefeitura de Itabira neste início conturbado de seu segundo mandato. Após quatro anos de bonança, com forte arrecadação tributária e de royalties, o município agora enfrenta uma queda significativa nas receitas, o que exige readequações orçamentárias.

Esse cenário já impacta diretamente os servidores municipais, que deflagraram estado de greve diante do anúncio de cortes em benefícios que consideram direitos adquiridos durante o primeiro mandato.

O clima entre os servidores é de insatisfação e revolta, principalmente entre os professores, com indicativos de paralisação total ou em setores estratégicos, como a educação, em razão de perdas diversas – e também do projeto de lei 111/2025, de autoria do prefeito, que tramitará nos próximos dias na Câmara Municipal.

O projeto limita a concessão do cartão-alimentação aos servidores que recebem até R$ 4.517,22, teto que exclui parte significativa dos professores da rede municipal. Também determina o corte do benefício para os servidores comissionados, de livre nomeação do prefeito.

Esse descontentamento se intensificou com a aprovação de vale-alimentação de R$ 700 para os vereadores e servidores do Legislativo itabirano, enquanto o benefício destinado ao funcionalismo da Prefeitura permanece em R$ 470, restrito aos servidores com salários abaixo do teto definido para o recebimento dessa “suplementação salarial”.

A mudança na data de pagamento dos servidores municipais, que passa a ser realizada no quinto dia útil de cada mês, também contribui para aumentar o descontentamento. Embora esteja dentro da legalidade, a alteração contrariou os servidores que, até então, recebiam seus vencimentos no primeiro dia útil, sempre sem atrasos.

Crise anunciada

Marco Antônio Lagje justifica cortes de despesas como necessidade de reequilibrar as finanças municipais (Foto: Carlos Cruz)

O atual contexto é resultado direto da queda na arrecadação observada no primeiro semestre de 2025, tendência que deve se repetir nos próximos anos. Isso se deve à forma de cálculo dos repasses de ICMS, baseados no desempenho da produção mineral dos dois anos anteriores, período marcado por redução na produção da mineradora Vale em Itabira.

Essa diminuição decorre das paradas técnicas na usina Cauê e da desvalorização internacional do preço do minério de ferro.

A conjuntura marca o fim de um ciclo de abundância orçamentária vivido nos últimos anos, em que benefícios sociais foram ampliados, incluindo o subsídio ao transporte público municipal. São medidas da gestão anterior de Marco Antônio Lage que agora estão sendo reavaliadas, reduzidas ou mesmo suspensas.

Pois é diante da nova realidade, embora há muito anunciada, que o prefeito anuncia mais cortes de despesas como tentativa de reequilibrar as finanças municipais.

Esses ajustes refletem, sobretudo, o novo patamar da produção mineral local, que deve se estabilizar em cerca de 25 milhões de toneladas anuais (Mta), abaixo dos mais de 30 Mta registrados nos últimos anos.

A expectativa é de quedas sucessivas da produção mineral local até a exaustão das reservas, estimada para ocorrer após 2041, em um processo gradual e irreversível até a derrota incomparável.

Segundo o comunicado da Prefeitura, divulgado na tarde dessa segunda-feira (28), essa queda na arrecadação pode alcançar R$ 300 milhões até o fim do ano, com perdas acentuadas nas duas principais fontes de receita municipal: o ICMS e a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem), os royalties do minério.

Corte de cargos comissionados

Com o comunicado, a Prefeitura informa que haverá corte de até 15% no número de cargos comissionados e a redução de secretarias e subsecretarias.

A medida pode interferir na correlação de forças no Legislativo, hoje favorável ao prefeito, já que muitos servidores em cargos comissionados foram nomeados por indicação de vereadores da base aliada. E podem ser exonerados.

De acordo com o prefeito Marco Antônio Lage, a reestruturação da máquina administrativa tem como objetivo enxugar a estrutura pública e preparar Itabira para os efeitos da retração econômica, que já se faz sentir e deve se agravar nos próximos anos.

É que o município, extremamente dependente que é, sofre os impactos da queda contínua na produção mineral, não por limitações operacionais do complexo minerador, mas pelo empobrecimento das reservas ainda existentes, com a consequente redução do teor de ferro do minério extraído, exigindo novos e dispendiosos processos para a sua concentração como pellet-feed.

“A redução dos cargos estará diretamente ligada à reorganização das secretarias, de forma que os cortes não afetem a eficácia da prestação de serviços à população”, destaca o prefeito.

Diversificação antes que tardia

Lage ressalta que as mudanças não se restringem ao contexto atual de contingenciamento, mas buscam preparar o município para a iminente exaustão mineral. “É uma situação típica de cidade minerada, que depende de uma única atividade”, afirma.

Nesse cenário, pesa o fato de Itabira nunca ter consolidado uma política clara de diversificação econômica, tampouco formado o fundo municipal de exaustão mineral, uma proposta antiga que jamais saiu do papel.

Hoje, esse instrumento começa a ser reconhecido como necessário e urgente em outras cidades mineradas como fundo municipal soberano, uma necessidade especialmente relevante para localidades que ainda se encontram em fase inicial de exploração, como São Gonçalo do Rio Abaixo e Conceição do Mato Dentro.

Além disso, a transição para uma economia diversificada depende de recursos externos dos governos estadual e federal, que também têm passivos históricos com Itabira, – e da própria Vale, que carrega uma dívida histórica econômica, social e ambiental com o município após mais de 80 anos de exploração ininterrupta e em larga escala em seu território.

A diversificação exige também solução para a crise hídrica local, provocada pelo quase monopólio das águas superficiais e subterrâneas pela mineração. A saída passa pela conclusão das obras de captação no rio Taque, prevista para 2027, com mais de 25 anos de atraso em relação às condicionantes ambientais previstas na Licença de Operação Corretiva (LOC), aprovada em 2000.

Sem readequações, crise será persistente

É diante desse cenário que o prefeito justifica os cortes de benefícios anteriormente concedidos – e que contribuíram para sua reeleição em 2024 com a maior votação já registrada por um candidato à chefia do Executivo municipal.

“Os cortes de cargos comissionados dão sequência a uma série de medidas adotadas pela Prefeitura”, acrescenta o prefeito, citando a redução da frota de veículos, a suspensão do cartão-alimentação dos servidores comissionados, a revisão de eventos culturais e comemorativos, convênios e contratos, além da suspensão temporária do pagamento de horas extras e da redução de 30% nos gastos em todas as secretarias.

A Prefeitura também encaminhou à Câmara projeto de lei para redução de 15% nos salários dos comissionados, secretários, prefeito e vice-prefeito, além da proposta que reorganiza a concessão do cartão-alimentação por faixa salarial, uma das muitas medidas que tem gerado forte reação entre os servidores.

Mineração desacelera e abala o orçamento municipal
Produção de minério em Itabira tem quedas sucessivas e deve estabilizar nos próximos anos em 25 MTa (Foto: Carlos Cruz)

A crise orçamentária enfrentada pela Prefeitura, como já aqui afirmado exaustivamente, tem origem tanto na gestão de recursos anteriormente abundantes como se fossem para sempre, quanto na retração da atividade mineradora, base histórica da economia local.

A dependência do município à extração de minério expõe o poder público a oscilações de mercado que, embora previstas, agora se materializam de forma preocupante.

Após registrar pico produtivo em 2023, com 39 milhões de toneladas de minério, o Complexo Minerador de Itabira produziu 31,2 milhões de toneladas em 2024 – e deve chegar a apenas 25 milhões em 2025.

Fontes: Relatórios Form-20F da Vale, Vila de Utopia, G1, Brasil Mineral, audiência pública (mai/2025)

O declínio ocorre por limitações técnicas, mas também pelo esgotamento progressivo das reservas minerais, um processo já previsto para se intensificar até chegar o fatídico ano de 2041, horizonte previsto até aqui pela Vale para a exaustão das minas locais, isso se não forem viabilizados a extração e o beneficiamento de novos recursos, inclusive subterrâneos.

Além disso, o preço internacional da tonelada de minério (Fe 62%), especialmente o pellet-feed produzido em Itabira, também despencou, de US$ 160 em 2021 para US$ 98,55 em julho de 2025. A soma da queda na produção e da desvalorização da commodity compromete os ciclos de receita que sustentaram investimentos e programas sociais em anos recentes.

Diante desse cenário, a administração municipal promove uma série de ajustes estruturais. Segundo Marco Antônio Lage, o objetivo é readequar o orçamento à nova realidade econômica, marcada pelo fim gradual do ciclo extrativo que, no período anterior, viabilizou a oferta de benefícios diretos e indiretos aos servidores e à população.

Resta ao prefeito, conhecido por sua habilidade comunicacional, explicar de forma clara e objetiva à população, sobretudo aos servidores municipais, essenciais ao funcionamento da máquina pública, os motivos dos cortes anunciados. Ao mesmo tempo, precisa cumprir o dever de casa, ajustando o orçamento e os gastos à Lei de Responsabilidade Fiscal.

Mesmo com o frio que ainda deve se intensificar, os próximos dias prometem ser politicamente e socialmente quentes em Itabira.

 

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