Prefeito de Itabira é acusado de racista ao trazer uma discussão sobre as condições sociais e econômicas que levam mais pretos à prisão
Carlos Cruz
Tem rendido ainda muita discussão pela rede social o pronunciamento do prefeito de Itabira, Marco Antônio Lage (PSB), ao se referir à maioria preta e pobre na população carcerária no país. Com a constatação estatística, os seus adversários políticos o acusam de incorrer no racismo estrutural.
Incorre em racismo estrutural aquele que pela sua fala, hábitos, situações promove direta ou indiretamente a segregação ou o preconceito racial. É resultado da naturalização do preconceito que, historicamente faz parte da vida cotidiana do brasileiro.
Atinge profundamente a população negra, que sofre com atitudes preconceituosas de quem desconfia de sua índole pela cor de sua pele. “Para um negro a cor da pele é uma sombra muitas vezes mais forte que um soco. Para um negro a cor da pele é uma faca que atinge muito mais em cheio o coração”, como bem demonstrou em versos o poeta Adão Ventura (1939/2004).
O pronunciamento do prefeito foi rotulado como uma forma de racismo estrutural, quando na verdade se trata de um sofisma. Pega-se trecho de sua fala, descontextualiza e cria-se a pecha de racista.
Quando Marco Antônio diz que a maioria da população carcerária é negra e pobre, isso deveria ter suscitado uma reflexão mais profunda dessa triste realidade brasileira – e não a condenação sumária de quem traz esse debate à cena política municipal.
Essa reflexão foi, inclusive, tema de debate organizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 9 de julho de 2020, com o tema Por que os negros são a maioria nas penitenciárias brasileiras?”, que norteou o Seminário sobre Questões Raciais e o Poder Judiciário.
“Praticamente toda a população carcerária do Brasil é negra. É algo que chama a atenção e precisa ser estudado” enfatizou o conselheiro Mário Guerreiro, do CNJ. A sua afirmação foi confirmada pelos dados apresentados por Edinaldo César Santos Junior, coordenador executivo do Encontro Nacional de Juízas e Juízes Negros (ENAJUN) e juiz do Tribunal de Justiça de Sergipe (TJSE).
“Cerca de 63,7% da população carcerária brasileira é formada por negros. E isso são dados de 2017 do Departamento Penitenciário Nacional (Depen)”, afirmou. “Por que será? Por que são pobres? Por que a maioria dos pobres é negra? O encarceramento tem cor”, questionou, conforme reportagem do próprio CNJ. Leia mais aqui.
Segundo o magistrado, no Brasil existe uma política de Estado de aprisionamento de negros, destacando que o sistema prisional os rotula como criminosos. “Nós mantemos as castas raciais a partir do sistema prisional ao ignorar as circunstâncias sociais e históricas da população negra”, completou Santos Junior. “É o delito de ser negro.”
Reflexão necessária
Pois é essa reflexão que deveria ter suscitado o pronunciamento do prefeito ao se posicionar contrário à instalação em Itabira de um presídio de grande porte. Ele prefere cobrar do Estado, e da Vale, a restituição ou a construção de um presídio menor, como o do Rio de Peixe, interditado por ordem judicial em agosto do ano passado.
Isso por se encontrar no caminho da mancha de rejeitos no caso de ruptura da barragem do Itabiruçu, que, até recentemente estava classificada no nível 1 de emergência pelo Plano de Ação de Emergência de Barragens de Mineração (PAEBM), que não requer a remoção de moradores vizinhos. Hoje já não há esse risco, de acordo com a mineradora.
Segundo o prefeito, um presídio com capacidade para 600 detentos, que estava para ser construído na antiga fazenda Palestina, pelo que se vê em outras unidades prisionais, poderia receber até mais de 1,6 mil detentos.
Isso, ele afirmou, traria reflexos sociais e econômicos de grande impacto, cujos estudos não foram realizados, numa cidade de médio porte, como é Itabira.
Foi quando, ao se referir à população carcerária, Marco Antônio Lage comentou que a grande maioria é constituída de pretos e pobres, reflexo da extrema desigualdade social existente no país.
Disse ainda, com base no que se observa em outras cidades com grandes presídios, que um presídio de grande porte acaba por atrair uma população de vulneráveis, que se muda para ficar próximo de seus parentes presos, condenados de longa duração, o que acabaria por ampliar os bolsões de miséria na cidade. É também, argumentou, o que se observa nas cidades com sistema prisional de grande porte.
Descontextualização
Foi o bastante para o prefeito ser taxado de racista e preconceituoso contra os pobres pela oposição na Câmara e pelas redes sociais.
Na reunião legislativa de terça-feira (6), a mais indignada foi a vereadora Rosilene Félix (MDB), que é preta e tem desfraldado a bandeira pela igualdade racial no município.
Ela entrou com requerimento, aprovado por todos os vereadores, pedindo esclarecimentos à Diretoria de Promoção da Igualdade Racial, nos termos do artigo 277 do regimento interno da Casa, para que se confirme, ou não, os dados apresentados pelo prefeito em sua live de quinta-feira (1).
A vereadora se sentiu atingida e ultrajada pelo que classificou como sendo um pronunciamento racista. É como se o prefeito tivesse atribuído às pessoas pretas uma índole voltada para o crime, o que não condiz com a realidade de uma maioria trabalhadora e honesta – e é também o que o prefeito não fez.
Na quinta-feira (6), Marco Antônio Lage rebateu as acusações. “Venho sofrendo ataques levianos dizendo que sou racista. Quem me conhece sabe que não sou racista”, desabafou.
“O que eu reportei é uma triste realidade no país: entre a população carcerária nos presídios brasileiros a predominância é de pobres e negros, que são os grandes injustiçados”, reafirmou.
“Eu desafio o que estão me chamando de racista a mostrar quem fez mais por presos em Minas Gerais do que eu entre essas pessoas”, desafiou o prefeito.
“Fui diretor por quase 20 anos do Instituto Minas pela Paz, trabalhei pela ressocialização dos que já cumpriram as suas penas, pela reinserção no mercado de trabalho.”
De acordo com o prefeito, o ataque à sua pessoa tem motivação política.Faz parte da tentativa recorrente por parte de setores políticos da cidade de desestabilizar o seu governo.
“Estão me atacando por interesse político por quem está perdendo privilégios na Prefeitura. Tiram a minha fala do contexto, distorcem o que eu disse, que é uma realidade nos presídios brasileiros”, reafirmou.
“Sei da importância da família estar próxima para reintegrar o preso à sociedade e não voltar para o crime. Fiz isso por muitos anos e não mereço ser atacado dessa forma por mostrar a triste realidade nos presídios brasileiros.”
Vigiar e Punir
De fato, o argumento do prefeito pode ser reforçado também com os dados do Mapa do Encarceramento – Os jovens do Brasil, uma publicação do Plano Juventude Viva, divulgado em 3 de junho de 2016, apresentando um diagnóstico sobre o perfil da população carcerária no país.
Segundo dados do Sistema Integrado de Informação Penitenciária (InfoPen), em 2005, os jovens pretos representavam 54,8% da população carcerária brasileira, totalizando 92.052 presos negros no país.
Já em 2012, esse número saltou para 292.242 negros presos e 175.536 brancos. Ou seja, 60,8% da população prisional brasileira naquele ano era negra, proporção que certamente ampliou dado o agravamento da crise econômica e social no país.
É essa reflexão que precisa ser aprofundada em Itabira. É que essa situação ocorre não pela índole da pessoa preta, mas pela falta de oportunidades na vida, na educação e, consequentemente, no mercado do trabalho.
Sem emprego, é fato que o jovem dos bairros pobres, em sua maioria negra, acaba sendo cooptado por organizações criminosas, principalmente para o tráfico de entorpecentes.
“Constata-se, assim, que quanto mais cresce a população prisional no país, mais aumenta o número de negros encarcerados”, concluiu a pesquisadora Jacqueline Sinhoreto, que foi quem coordenou a pesquisa publicada no Mapa do Encarceramento – Os jovens do Brasil. Leia aqui.
Ressocialização
Para mudar essa realidade em Itabira, o prefeito diz que tem feito gestão para que retornem com o presídio do Rio de Peixe, que tinha capacidade para 190 detentos, mas que chegou a ter uma população carcerária com mais 270 presos.
Foram transferidos para outras cidades depois da interdição. A transferência causou grande apreensão entre os familiares dos presos, que promoveram protestos reivindicando a instalação de um novo presídio na cidade – ou que fosse reativado o atual, adotando-se as medidas cautelares com um novo plano de emergência.
Esse plano foi apresentado pela mineradora à justiça, que o considerou insuficiente para a reabertura do presídio do Rio de Peixe. Segundo informou na ocasião a assessoria de imprensa da Vale a este site Vila de Utopia, o mesmo plano já havia sido encaminhado anteriormente à Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) e à Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec). Leia aqui.
Entretanto, segundo o gerente da Vale de Riscos e Emergências, Nathan de Arimatéia Silva, posteriormente foram feitas mais exigências. E que também teriam sido atendidas pela Vale, mesmo tendo a mineradora entendido, com base na legislação, que algumas dessas exigências não seriam obrigações da mineradora e sim do Estado.
Antiga cadeia
Pela volta do presídio do Rio de Peixe, ou construção de uma nova unidade prisional, promete-se empenhar ainda mais o vereador Bernardo Rosa (Avante).
Segundo ele recordou na reunião da Câmara, na terça-feira (6), em 2003, quando começou a advogar em Itabira existia a cadeia municipal da rua Paulo Pereira, de triste lembrança.
Os presos eram jogados em minúsculas celas insalubres, sem dignidade alguma, sem proteção institucional – e também da família, que nada podia fazer diante das condições degradantes encontradas nas minúsculas acomodações prisionais.
“Não havia chance de ressocialização, o preso saia de lá sem que fossem criadas oportunidades para retornar à sociedade com dignidade”, relembrou.
Essa triste realidade se arrastou por mais de 60 anos com a conivência e beneplácito da sociedade itabirana. Isso até que em 2008, quando, com recursos da Prefeitura da ordem de R$ 1,64 milhão, foi construído o presidio do Rio de Peixe, em terreno doado pela mineradora Vale.
“A conquista do presidio de Itabira foi uma vitória da sociedade itabirana”, disse o vereador, dando-se fim à masmorra medieval da cadeia municipal da Paulo Pereira.
“Com o presídio conseguimos também a instalação da Vara de Execução Penal na Comarca de Itabira”, acentuou Bernardo Rosa, que preside a seccional regional da OAB em Itabira. “É uma conquista que não podemos perder”, disse.
Ressocialização
“Na unidade prisional do Rio de Peixe os presos frequentavam uma extensão da Escola Estadual Dona Eleonora, tinha atendimento médico e odontológico, psicológico, biblioteca. Reunia condições para a ressocialização dos presos”, acentuou.
“Atualmente eles estão detidos em penitenciárias longe dos familiares e sofrendo maus tratos”, relatou o vereador.
Ele promete lutar para que a Vale crie as condições para o retorno do presídio do Rio de Peixe ou que construa uma nova unidade prisional do mesmo porte, de preferência com uma estrutura ainda melhor.
“Eu tenho certeza que um presídio em Itabira vai gerar dignidade aos detentos, movimentar a economia local com geração de empregos para policiais penais, faxineiros, professores, psicólogos. Marco Antonio Lage é sensível a essa situação. Itabira não pode perder mais, temos que recuperar a nossa unidade prisional”, é a aposta que faz o vereador Bernardo Rosa.
A conversa ficou acalorada.
Mas, afinal não resolveram se o cadeião de Itabira será definitivamente transformado em presidiária ou não.
Também não achei a fala do prefeito racista.
olá, vila de utopia,
não é apenas que Marco Antônio esteja com razão. é mais amplo que são.
a fala do prefeito Marco Antônio Lage {agora sim, com nome completo) reflete a realidade.
não há como ver qualquer racismo estrutural (a expressão da viga).
se a gente voltar no tempo, verá que desde o fim da escravidão, o Estado brasileiro nunca teve uma política de inserir negros agora já afrodescendentes, e emais pobres, na vida sócio econômica do país.
nunca houve política de educação, saúde, cidadania. o Estado sempre foi racista e excludente. e permaneceu assim até o fim dos séc 20.
então, pra repetir a maioria dos pobres, dos desalentados, é composta por pretos. injustiçados são mais factíveis de se perderem a marginalidade.
conclusão óbvia: a maioria dos encarcerados é negra, e a justiça não é cega com eles.
o Brasil precisa entender, ler, ver melhor a sua história. pelo menos os capazes de entendê-la. há muita literatura acadêmica e historiográfica para ampliar horizontes.
ou é só uma oposição fora de propósito.
uma coisa que sei de Marco Antonio. sei bem dos trabalho desenvolvido com o Minas Pela Paz. ele ate tentou trazer para Itabira, mas a cidade do governo anterior rechaçou como fosse um crime.
sei da ressocialização (muitos dos presos nem socializados foram) de muito condenados. inclusive conheço alguns deles, agora recuperados.
ressocializar é coisa para o Estado, mas preso na sua incapacidade, torna-se bem-vinda alternativas como essas.
leia de novo a matéria da Vila, abra os links sugeridos, leia livros, embarque na internet. verás que o mundo é um tanto diferente do que as vezes imaginamos.
putz, mais uma vez carta-textão. e menos leitores. até
…e não revisada
…e piorada com o revisor automático do telefone.
Antirracismo, por favor!
As minhas primeiras relações políticas com a questão racial, me foram dadas por um militante do MNU-Movimento Negro Unificado, na pessoa do amigo Norberto Bitinho de Jesus, e, foi ele que me disse que a maioria de pessoas presas são as pobres e pretas. E essa é uma das realidades mais cruéis e infames da sociedade brasileira.
E ainda podemos afirmara que por simples dedução, o prefeito seria um imbecil se manifestasse racismo, a oposição vai ter que arrumar uma outra fofoca…
E seria uma merde ter um presídio gigante em Itabira, de minha parte sou abolicionista penal – nem preto nem branco, merece a indignidade de prisões…
O vereador Bernardo Rosa, sabe o que fala porque representa a pequena burguesia branca, maçônica e agarrado aos velhos conceitos coloniais… declarar que “é uma conquista” um presídio é ter o prazer de punir…
A vereadora Rosilene Félix, ainda não entendeu a política antirracista….
O conceito da luta antirracista , não foi entendida pela Câmara da Cidade, o que querem os senhores e senhora, todos respeitáveis……