Por todo amor do mundo, os Andrades dos Drummonds

Há 32 anos, em 5 de agosto de 1987, a vida do poeta Carlos Drummond  de Andrade (1902/87) é golpeada de morte com o encantamento de sua única filha, a bela – bela não, belíssima – Maria Julieta.

Quanta tristeza! O Brasil sofreu esta dor com o poeta até que esse também decidiu ser eterno, 12 dias depois da morte de sua única filha, em 17 de agosto de 1987.

Dolores, Julieta e Carlos deixaram a herança do bom exemplo: o mais belo amor de família.

Nesta data, a Vila de Utopia louva Maria Julieta Drummond de Andrade com buquês de alcachofras e um poema de sua obra. (Cristina Silveira, da sucursal Glória-Rio)

A torre e o castelo

Maria Julieta Drummond de Andrade

Castelo dos Conde d’Andrade, em Ponteume, La Coruña

Em Pontedeume, cidadezinha da província galega La Coruña, são monumentos nacionais a Torre e o Castelo dos Conde d’Andrade, construídos no século XIV.

O Conde e sua mulher estão enterrados a 80 quilômetros daí, na Igreja de Santo Domingo, de Santiago de Compostela.

 

Encontrei-te hoje em Pontedeume, Andrade,

onde não te esperava, no castelo

e a torre (sol, plantas, solidão),

incorruptível entre abóboras de ouro.

Eras galego e eu nunca soube disso,

eras galego, conde e marinheiro,

e eu que não me sabia estava em ti,

a defender meu nome e teu poder,

nobre, eterno Andrade medieval,

junto às pedras galegas encimadas.

 

Eu sou tua castelã, tua prisioneira,

na torre sem janela me claustraste,

fero Andrade, há seis séculos senhor

da minha explicação, do meu sentido.

Teu rijo ardor dilacerou-me inteira

esta manhã; amei-te em carne viva,

leão rampante, selvagem cavaleiro

Andrade, pai e irmão, amante e tudo.

Na torre abandonei-me e no castelo

tua brasa galega me prostrou.

 

Oculto, vigilante, sem sorriso,

cuidavas, alta mira, nossos prados.

Vias o javali e a javalina,

Que na ponte outras mãos tinham esculpido.

–  Das ondas não me saiam estrangeiros! –

bradavas e tuas setas de veneno

feriam sem temor e protegiam

torre, Andrade, castelo, teu império,

com o vigor secreto que puseste

em meu perfil de Andrade empedernida.

 

Levaram-te para Minas

levaram-te para o mar,

levei-me para outras pampas,

sempre, Andrade, tu em mim.

Quantas milhas, quantas ilhas,

quantas trilhas e tormentos,

ai, Andrade, percorreste,

ou percorri em ti?

Agora somos amantes,

amantes em Pontedeume.

 

Sinto gosto de mariscos,

sinto cheiro de azeitonas,

de vinho, queijo tetilla,

sinto esse hálito rude

e tua pele de bicho,

sinto que sou tua prima,

ou talvez sejas meu neto,

que o sangue de ambas artérias

é andradino, um em dois:

Andrades-tu, Andrad’eu.

 

Não sou apenas Espanha,

sou lage, dutra, morais

e mais tudo que é escocês.

Meus filhos foram tecidos

com outras veias da Galícia,

mas todos temos em nós,

bravio, fundo, constante,

o jeito de fogo e pedra,

nascido nas Rias Altas,

que é d’Andrade e mais ninguém.

 

Teu corpo de granito em Compostela,

vestia grande gala e repousava,

longe da torre, longe do castelo.

(Foram frechas na frincha, foi ferida

na testa?) Não importa hoje a memória,

duro Andrade, ancestral e companheiro,

teu passado será o meu futuro.

Espera: aqui virei eu ter, submissa,

quando me falhe o ímpeto galego

e dormirei contigo – andrademente.

(O valor da vida, MJDA, Editora Nova Fronteira, 1982, p.119)

 

 

 

 

 

 

 

 

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