Polícia Federal e CGU investigam servidores da ANM, geólogos e mineradora em esquema de corrupção milionário em Belo Horizonte
Foto: Divulgação/PF
A Polícia Federal (PF) e a Controladoria-Geral da União (CGU) deflagraram, nesta sexta-feira (28), a Operação Parcours, que revelou um esquema criminoso envolvendo servidores da Agência Nacional de Mineração (ANM) e geólogos contratados pela Empresa de Mineração Pau Branco (Empabra).
A investigação, que contou com o apoio do Ministério Público Federal (MPF), apontou que a associação criminosa operava desde 2014, tendo causado prejuízo estimado em R$ 832 milhões aos cofres públicos e danos significativos ao meio ambiente.
A Justiça Federal determinou o cumprimento de 14 mandados de busca e apreensão em endereços localizados na Região Metropolitana de Belo Horizonte, além do bloqueio de bens no valor correspondente ao prejuízo causado.
Dois servidores públicos, incluindo o gerente regional da ANM, foram afastados de suas funções, e as atividades minerárias da Empabra foram suspensas.

Irregularidades na Serra do Curral
A operação também revelou irregularidades na extração de minério na Serra do Curral, um dos marcos naturais de Belo Horizonte, onde os danos ambientais foram considerados graves.
De acordo com as investigações, o esquema envolvia a emissão de autorizações fraudulentas para a exploração mineral, favorecendo a Empabra e seus representantes.
Os servidores da ANM, em conluio com os geólogos da empresa, teriam recebido vantagens indevidas para facilitar as operações ilegais, tendo sido identificados indícios de corrupção e peculato, ampliando o alcance das acusações.
A Operação Parcours é resultado de uma apuração minuciosa que revelou a extensão do esquema e seus impactos. A PF e a CGU continuam investigando o caso para identificar outros possíveis envolvidos e responsabilizá-los judicialmente.
A ação reforça a importância da fiscalização e do combate a crimes ambientais e de corrupção, especialmente em um setor tão estratégico quanto o da mineração.
A Serra do Curral, que já enfrentou outras ameaças ambientais, inclusive denunciadas na década de 1970 pelo poeta Carlos Drummond de Andrade (Triste Horizonte), volta a ser palco de uma disputa que coloca em evidência a necessidade de maior rigor na proteção de patrimônios naturais e no cumprimento das leis ambientais.
Outros lados
Segundo o G1, a Agência Nacional de Mineração foi procurada para um posicionamento, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.
Em nota, a Empabra afirmou que foi surpreendida com o cumprimento de mandados de busca nos endereços da empresa e que suas atividades “sempre foram pautadas pela legalidade e atenderam às determinações dos órgãos reguladores e governamentais”.
“A Empabra refuta veementemente qualquer imputação de prática ilegal ou de conduta irregular em suas atividades. Esclarecemos que não tivemos acesso aos documentos que deram origem à medida cautelar. Os fatos serão devidamente esclarecidos tão logo a Empabra tenha acesso ao Inquérito”, disse a mineradora.
Já a Prefeitura de Belo Horizonte informou que “não houve qualquer atividade minerária no local após 14 de setembro do ano passado”.
“O Plano de Fechamento da Mina e o Plano de Recuperação da Área Degradável estão sendo analisados pela ANM e serão submetidos a apreciação do Ministério Público Estadual, Ministério Público Federal, estado de Minas Gerais e município de Belo Horizonte”, completou a administração municipal.
Serra do Curral
A Serra do Curral é uma dessas maravilhas de Minas Gerais, denunciada pelo poeta Carlos Drummond de Andrade, em 1976, como símbolo ameaçado pela devastação minerária e que clama, ainda hoje, por preservação ambiental.
Seu poema revela o encanto e o compromisso do autor com a natureza. A obra ganha relevância no contexto atual, marcado por ações que expõem a fragilidade dos patrimônios naturais frente à ambição humana. A mensagem contida no poema transcende seu tempo e ressoa nas urgências do presente.
A Serra do Curral, além de ser um marco físico e histórico, é também um ponto de resistência na defesa do meio ambiente contra ações devastadoras. Denunciada pelo poeta na década de 1970, ela retorna como palco de disputas que colocam em evidência a importância de respeitar e preservar a biodiversidade e os patrimônios naturais.
Triste Horizonte
Carlos Drummond de Andrade
Por que não vais a Belo Horizonte?
a saudade cicia e continua, branda: Volta lá.
Tudo é belo e cantante na coleção de perfumes das avenidas que levam ao amor,
nos espelhos de luz e penumbra onde se projetam os puros jogos de viver.
Anda! Volta lá, volta já.
E eu respondo, carrancudo: Não.
Não voltarei para ver o que não merece ser visto,
o que merece ser esquecido,
se revogado não pode ser.
Não o passado cor-de-cores fantásticas,
Belo Horizonte sorrindo púber e núbil sensual sem malícia,
lugar de ler os clássicos e amar as artes novas,
lugar muito especial pela graça do clima e pelo gosto,
que não tem preço,
de falar mal do Governo no lendário Bar do Ponto.
Cidade aberta aos estudantes do mundo inteiro, inclusive Alagoas, “maravilha de milhares de brilhos vidrilhos” mariodeandrademente celebrada.
Não, Mário, Belo Horizonte não era uma tolice como as outras.
Era uma provinciana saudável, de carnes leves pesseguíneas.
Era um remanso, era um remanso para fugir às partes agitadas do Brasil,
sorrindo do Rio de Janeiro e de São Paulo: tão prafrentex, as duas!
e nós lá: macio-amesendados na calma e na verde brisa irônica…
Esquecer.
Quero esquecer é a brutal Belo Horizonte que se empavona sobre o corpo crucificado da primeira.
Quero não saber da traição de seus santos.
Eles a protegiam, agora protegem-se a si mesmos.
São José, no centro mesmo da cidade, explora estacionamento de automóveis.
São José dendroclasta não deixa de pé sequer um pé-de-pau onde amarrar o burrinho numa parada no caminho do Egito.
São José vai entrar feio no comércio de imóveis,
vendendo seus jardins reservados a Deus.
São Pedro instala supermercado.
Nossa Senhora das Dores,
amizade da gente na Floresta,
(vi crescer sua igreja à sombra do Padre Artur)
abre caderneta de poupança,
lojas de acessórios para carros,
papelaria,
aviário,
pães-de-queijo
Terão endoidecido esses meus santos e a dolorida mãe de Deus?
Ou foi em nome deles que pastores deixam de pastorear para faturar?
Não escutem a voz de Jeremias (e é o Senhor que fala por sua boca de vergasta):
“Eu vos introduzi numa terra fértil, e depois de lá entrardes a profanastes.
Ai dos pastores que perdem e despedaçam o rebanho da minha pastagem!
Eis que os visitarei para castigar a esperteza de seus desígnios”.
Fujo da ignóbil visão de tendas obstruindo as alamedas do Senhor.
Tento fugir da própria cidade, reconfortar-me em seu austero píncaro serrano.
De lá verei uma longínqua, purificada Belo Horizonte sem escutar o rumor dos negócios abafando a litania dos fieis.
Lá o imenso azul desenha ainda as mensagens de esperança nos homens pacificados – os doces mineiros que teimam em existir no caos e no tráfico.
Em vão tento a escalada.
Cassetetes e revólveres me barram a subida que era alegria dominical de minha gente. Proibido escalar.
Proibido sentir o ar de liberdade destes cimos,
proibido viver a selvagem intimidade destas pedras que se vão desfazendo em forma de dinheiro.
Esta serra tem dono.
Não mais a natureza a governa.
Desfaz-se, com o minério, uma antiga aliança, um rito da cidade.
Desiste ou leva bala.
Encurralados todos, a Serra do Curral, os moradores cá embaixo.
Jeremias me avisa: “Foi assolada toda a serra; de improviso derrubaram minhas tendas, abateram meus pavilhões.
Vi os montes, e eis que tremiam.
E todos os outeiros estremeciam.
Olhei terra, e eis que estava vazia, sem nada nada nada”.
Sossega minha saudade.
Não me cicies outra vez o impróprio convite.
Não quero mais, não quero ver-te, meu Triste Horizonte e destroçado amor.
Fontes: O Tempo, G1, e Hoje em Dia.