Poeira em Itabira teve registro de até 701 µg/m³, extrapolando todos os parâmetros aceitáveis da qualidade do ar

De acordo com informações fornecidas pela assessoria de comunicação da Fundação Estadual de Meio Ambiente, a poeira que a Vale despejou em Itabira, medida por três das quatro estações da rede automática de monitoramento que a mineradora dispõe na cidade, registrou índices alarmantes entre 10h30 e 13h30.

A Secretaria Municipal de Meio Ambiente, que recebe os dados do monitoramento simultaneamente com a Feam, até a presente data não divulgou os índices registrados de hora em hora solicitados por este site. Com isso, tem-se negado sistematicamente a fornecer dados que são de interesse público, desrespeitando a lei de acesso à informação.

Pelos registros fornecidos pela Feam, na estação do bairro Major Lage (Areão), a poeira atingiu o índice máximo às 11h30, com registro de 701 microgramas por segundo (µg/m³). Essa magnitude é considerada péssima até mesmo pela resolução nº 49, de novembro de 2028, do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), que é mais condescendente com o agente poluidor.

Por essa resolução, como padrão primário o índice máximo admitido é de 240 µg/m³, que não pode ser repetido mais de uma vez por ano. Já pela resolução nº 1 do Codema, de 4 de outubro de 2007, mais restritiva, o parâmetro máximo é de 150 µg/m³.

Porém, a Vale não reconhece a legislação municipal. Isso por considerar que o município não tem competência para legislar sobre a poluição do ar, por ser da alçada federal. Tanto que nas poucas vezes em que foi multada pela Prefeitura, por superar esse parâmetro, recorreu à Justiça e não pagou.

Medições com os índices de poeira em Itabira no dia 5 de julho (Fonte: Feam). São essas informações que a Secretaria de Meio Ambiente nega disponibilizar em tempo real para consulta 

Índices alarmantes

De qualquer forma, mesmo considerando somente os parâmetros do Conama, os registros pontuais das estações, de hora em hora, confirmam que a legislação é falha – e não reflete a real situação da qualidade do ar em Itabira, cidade minerada que tem as suas minas lado a lado com muitos bairros.

Parâmetros menos restritivos do Conama

Na sexta-feira (5), segundo monitoramento da estação meteorológica da Vale, localizada no Pousada do Pinheiro, bairro Campestre, foi registrada a ocorrência de ventos que sopraram a uma velocidade de 53 quilômetros por hora.

Segundo a empresa foi o que ocasionou a forte poeira. A informação pode até explicar a ocorrência, mas não justifica o volume de poeira que tem sido despejado na cidade nesta época do ano.

Só na estação do Areão, o índice máximo foi superado quatro vezes. Além dos 701 µg/m³ registrados às 11h30, houve ainda registros de 326 µg/m³ às 10h30, 342,6 µg/m³ às 12h30 e de 216,2 µg/m³ às 13h30.

De acordo com a Feam, quando esses índices superam a marca de 625 µg/m³, a situação é de alerta máximo, como ocorreu às 11h30.

Explicações

Parâmetros Conama em µg/m³

Na visita que conselheiros do Conselho Municipal do Meio Ambiente (Codema) fizeram, na terça-feira (9), à estação da praça do Areão, técnicos da Vale disseram que naquele dia e hora da fatídica poeira funcionários da Itaurb faziam capina no local. Daí que os índices medidos atingiram essa magnitude, tentaram amenizar.

Mas o índice máximo de 240 µg/m³ foi também superado por pelo menos duas vezes na estação localizada no bairro Panorama (Premem): às 12h30 foi registrado 432,8 µg/m³ e às 13h30 o registro foi de 359,4 µg/m³.

Na estação do Pará, que já não sofre tanto impacto da poeira com a desativação de parte das Minas do Meio, o índice máximo foi alcançado às 13h30, com registro de 231,1 µg/m³. Não houve registro na estação do bairro Fênix.

Legislação é defasada e não reflete a realidade de Itabira com minas tão próximas

Estação do Areão registrou índices mais altos. Vale alega que corte de grama no local causou distorção

Porém, mesmo com registros exorbitantes de poeira, a legislação considera que a poluição do ar em Itabira está dentro da “normalidade” – e que não chega a afetar a qualidade do ar e de vida dos moradores.

Isso mesmo com o registro de índices que extrapolam o admissível até pela recomendação da OMS, hoje recepcionada pela resolução do Conama, que é da década de 1980 – e que não leva em consideração as peculiaridades de uma cidade minerada tão próxima da mina, como é o caso de Itabira.

Em 2007, a Prefeitura procurou adequar esses índices à realidade local, com a resolução do Codema, que estabelece a média geométrica de 150 µg/m³, bem abaixo dos 240 µg/m³ da legislação federal.

Só que a Vale não reconhece essa legislação mais restritiva, tanto que judicializou as poucas cobranças de multas aplicadas no passado pelo órgão ambiental municipal. Foram todas contestadas na Justiça.

Parâmetros falhos

Com isso, a empresa considera-se que está dentro da lei, o que é reconhecido também pelos órgãos ambientais. É que a legislação, para efeitos legais, leva em conta a média geométrica obtida pelas 24 medições ao longo do dia em cada uma das quatro estações – e não as medições isoladas e pontuais.

Partículas de minério vindas em suspensão das minas da Vale: impacto de vizinhança

As medições começam a ser feitas a partir de zero hora. Como durante a noite a tendência da poeira é diminuir com a redução dos ventos, e de movimentações nas minas e na cidade, o resultado final é diluído.

Em todas as três estações, a média geométrica do dia, que é o que efetivamente conta para a fiscalização e para efeito legal, não ultrapassaram 150 µg/m³, que é o teto admitido pela legislação municipal.

Na estação do Pará a média ficou em 113,1 µg/m³, no Areão 138 µg/m³ e no bairro Panorama (Premem) em 112,3 µg/m³.

São esses parâmetros médios que deixam a mineradora em situação confortável de legalidade, mesmo causando tanta poluição durante o dia.

“A legislação é falha e não reflete a realidade da poluição em Itabira”, afirma uma funcionária da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, que pede para não ter o seu nome revelado, por temer retaliações de sua chefia.

“É só fazer um levantamento nos postos de saúde, nos hospitais e no Pronto-Socorro para constatar o tanto que a população sofre com doenças respiratórias.”

Segundo ela, o estudo epidemiológico realizado pela USP, sob a coordenação do professor Paulo Saldiva, não foi conclusivo. Foi sugerida a sua continuidade para que fosse verificada a relação de causa e efeito – e também a incidência maior de doenças cardiorrespiratórias nesta época do ano. “Esse aprofundamento, porém, não ocorreu.”

Investigação

O vereador André Viana (Podemos), autor do requerimento já aprovado para que se instale na Câmara Municipal uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das condicionantes da Licença de Operação Corretiva (LOC), aprovada em 2000, disse que pretende sugerir – e até cobrar – o prosseguimento desses estudos.

Segundo ele, com o aumento dessas doenças, o município se vê obrigado a gastar mais com medicamentos fornecidos à população, além dos gastos médicos e com outros profissionais de saúde. “O contribuinte que sofre com essas doenças é quem paga a conta”, diz o vereador, para quem essas despesas deveriam ser cobradas da mineradora.

 

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