Poeira da Vale e queimadas, os males de Itabira são, enquanto as autoridades cruzam os braços e nada fazem
Carlos Cruz
A história da poeira carregada de pó de minério encobrindo toda a cidade de Itabira, vinda das barragens com finos de minério e, principalmente, das minas da Vale, numa extensão de 15 quilômetros, do Cauê à Conceição, por onde se observa a encosta do que resta da Serra do Esmeril com solo exposto e lavras profundas, é farsa que se repete todos os anos.
A cidade de Itabira, nesta tarde de quinta-feira (13), ficou literalmente encoberta pela poeira da Vale, a mesma que emporcalha também as cidades do Espírito Santo, no entorno do porto de Tubarão.
Só que por lá, por obrigação de fazer imposta pela Justiça Federal, a Vale terá de desembolsar a bagatela de R$ 4,6 bilhões para cumprir um termo de ajustamento de conduta (TAC), “com o compromisso de reduzir em até 93% o pó preto” que despeja sobre as residências e vias respiratórias dos moradores.
Devagar as janelas olham
Em Itabira, salvo uma ação civil pública de 1986, provocada pelo jornal O Cometa, e instaurada a pedido do promotor José Adilson Bevilácqua, e a exceção também das parcas e inócuas multas aplicadas pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente, as autoridades itabiranas cruzam os braços (prefeito, vereadores, Ministério Público) – e assistem passivamente a Vale despejar o pó preto de minério de ferro, carregado também de sílica e sabe-se lá de mais o quê, sobre toda a vizinhança por anos e anos.
Já a Vale repete, farsescamente como história que sempre volta a acontecer, que emprega todos os meios disponíveis para diminuir a poeira recorrente. E o prefeito, os vereadores, os representantes do Ministério Público, e mais as associações de moradores, Acita, CDL, aceitam esse arremedo de mitigação, que ninguém na cidade observa na prática – e nada fazem.
“É o dinheiro, estúpido”, diria alguém mais atento à cena farsesca do monitoramento da poeira, que é feito pela própria empresa poluidora. Os dados desse monitoramento só se tornam públicos depois de validados pela Vale, sob a complacência da Prefeitura, que os divulga em seu portal.
Complacência e conivência também do Codema, que mal discute ou questiona os resultados desse monitoramento, que apresenta dados que quase nunca superam os índices máximos admitidos pelos órgãos ambientais, inclusive os mais restritivos da resolução do Codema.
Se a Vale realmente fizesse o que é necessário para diminuir significativamente a poeira não deixaria tantas áreas mineradas descobertas – e já teria colocado em prática, desde muito tempo, um plano de plena reabilitação da Serra do Esmeril nas áreas já lavradas, com plantio de espécies nativas.
Estaria assim contribuindo, também, para descarbonizar, para usar um termo recorrente em tempo de mudanças climáticas, a extração, transporte e concentração de minério.
Se fosse mesmo para valer a decisão de mitigar essa situação, já apresentaria, desde já, um plano de plantio imediato de plantas medicinais em áreas mineradas propícias, como os diques e barragens que estão sendo descaracterizados para deixarem de ser ameaças aos moradores.
O plantio de plantas medicinais consta do Plano de Fechamento das Minas de Itabira que a Vale apresentou, em 2013, à Agência Nacional de Mineração (ANM) – e que pode ser colocado em prática desde já, nos locais onde isso é possível.
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Monitoramento independente
Os dados do monitoramento da Vale são aceitos como corretos e nenhuma autoridade questiona os resultados, mesmo depois de a professora adjunta da Universidade Federal de São Carlos, Departamento de Ciências Ambientais, campus Sorocaba, São Paulo, publicar neste site, estudo que coloca em xeque os dados apurados nas estações de monitoramento da qualidade do ar da mineradora.
Por meio de coleta independente, professores do campus da Unifei de Itabira, em parceria com a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), demonstraram “que o material particulado atmosférico da cidade de Itabira pode ser internalizado, ou seja, entrar nas células de pulmão humano, e promover efeitos citotóxicos em condições de laboratório (in vitro)”.
E o que é igualmente grave, afirmam que “a coleta independente de material particulado atmosférico (poeira) nos tamanhos de 2,5 μm (PM2.5), 10 μm (PM10) e 20 μm (PM20) encontrou valores de particulados de duas a três vezes maiores, nos dias coletados, comparados aos valores (do monitoramento da poeira) reportados pela Prefeitura de Itabira em seu site oficial.”
Ou seja, mesmo depois de o monitoramento da qualidade do ar realizado pela Vale estando sob suspeição, até mesmo por ser realizado pelo agente poluidor, a Prefeitura de Itabira, por meio de sua secretaria de Meio Ambiente, tem publicado esses dados sem que tenham sido aferidos por alguma auditoria independente, o que precisa ser feito urgentemente.
“O estudo traz a preocupação com a concentração das partículas dispersas, mas também com a composição dessas partículas, que por meio de análises qualitativas com microscopia eletrônica mostrou a presença de ferro, alumínio, zinco e contaminantes metálicos emergentes e preocupantes, como bário e titânio, nas amostras ambientais coletadas na cidade”, apontam os pesquisadores da Unifei/ UFSCar.
Partículas de espessura fina
“O trabalho mostra ainda que em contato com a água o tamanho do particulado atmosférico da cidade de Itabira pode ser reduzido, isto é, aplicável para todos os tamanhos testados, chegando até a escala de nanopartículas e, isso, pode facilitar a sua entrada nas células e nos pulmões”, é outra conclusão desse trabalho de pesquisa científica da Unifei/UFSCar.
A afirmação contradiz o que a Vale tem sustentado ao longo dos anos, ao dizer que as partículas de minério em suspensão, por serem mais grossas, não chegam aos pulmões, ficando retidas nas vias aéreas superiores.
Essa tese, no entanto, não foi confirmada pelo estudo dos impactos da poluição do ar na saúde da população itabirana, realizado em 2005, pelo Laboratório de Poluição Atmosférica, da Universidade de São Paulo (USP), sob coordenação do médico patologista Paulo Saldiva.
O resultado desse estudo não foi conclusivo, mas indicou a necessidade de se fazer novas pesquisas prospectivas, principalmente pela constatação de uma alta incidência de doenças cardiovasculares entre pacientes atendidos nas unidades de saúde do município.
Braços cruzados, bocas fechadas
Diante de toda essa situação é preciso cobrar atitudes das autoridades locais. O prefeito Marco Antônio Lage (PSB), que diz negociar um pacote de obras e “benefícios” com a mineradora para salvar Itabira da “derrota incomparável”, precisa vir a público, posicionando-se sobre esse grande mal da mineração que aflige o itabirano sem distinção, pela força e autoridade que o cargo lhe confere.
Que se manifestem também a Câmara Municipal de Itabira, o Ministério Público, por meio de sua Curadoria de Meio Ambiente, é o que aguarda e reivindica a sociedade itabirana.
Que a ação civil pública de 1986, aberta pelo promotor Bevilácqua, seja reaberta por descumprimento dos acordos firmados, relativos ao controle da poeira.
Isso para que a mineradora se torne obrigada a adotar todas as medidas de controle e mitigação da poeira em Itabira, nas mesmas condições que foram impostas pela Justiça Federal à Vale, no porto de Tubarão: “reduzir em até 93% o pó preto”, nada menos do que isso.
Queimadas e incêndios florestais também agravam a saúde e o meio ambiente
A qualidade do ar em Itabira se agrava ainda mais com as indefectíveis fumaças e fuligens das queimadas – e também de incêndios florestais, como os ocorridos no Parque do Intelecto, na encosta do pico do Amor, no Morro Queimado, área da Vale na região de Chacrinha/Moinho Velho, como também já se aproximando da região do Pontal/Serra dos Doze/Voo Livre.
Pelo que a situação indica, com a baixa umidade e o mato seco, e com muitas áreas florestais que deveriam ser protegidas e que estão sem aceiros (limpeza de faixa para servir de corta-fogo), ainda em julho/agosto o município pode sofrer com incêndios florestais de grande proporção.
Foi o que tristemente se viu no ano passado, em 20 de agosto, com um grande incêndio florestal na Serra dos Doze e na região do Pontal. E, também, com destruição ainda maior com um grande incêndio que atingiu boa parte da vegetação nativa e fauna do Parque Estadual do Limoeiro, em Ipoema.
O sinistro só foi debelado uma semana depois, com a mobilização de brigadistas e forte aparato para apagar o incêndio florestal criminoso, que provocou perdas incomparáveis da flora e fauna silvestre.
Queimadas
Além disso, por toda a cidade, as fuligens e fumaças das queimadas na área urbana agravam ainda mais a qualidade do ar. A região do bairro Gabiroba é campeã nessa prática condenável de se fazer queimadas em lotes vagos para limpeza, e mesmo por ação criminosa com o único propósito de ver o mato pegar fogo.
Até recentemente, havia em Itabira campanhas anuais contra as queimadas, por meio de programa de educação ambiental, como condicionante permanente da Licença de Operação Corretiva (LOC), patrocinado pela Vale. Como a licença ambiental para as Minas de Itabira está vencida desde 2016, talvez isso explique o motivo de o programa ter sido abandonado.
A Prefeitura também desenvolvia campanha de conscientização sobre os malefícios das queimadas, esclarecendo também os aspectos legais para que possam ser realizadas no meio rural, uma prática de lavoura arcaica ainda admitida em lei, sob certas e restritivas condições.
Na cidade havia, inclusive, campanha de educação ambiental desenvolvida pela Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Itabira (Apae-Itabira) em escolas públicas e bairros da cidade. Tudo isso deixou de existir, mas precisa ser retornado.
A cidade arde em chamas e durante a noite fica iluminada pelo fogo das queimadas. Enquanto isso, as autoridades de Itabira discutem e negociam com a Vale os termos da derrota incomparável.
Essa cantilena da poeira não muda, o povo vai continuar sofrendo por conta desta mineradora ad aeternum.
Moro no bairro Colina da Praia e ontem fomos surpreendidos pelas chamas e fumaças que saiam do leito da ferrovia. Liguei para a ferrovia e comuniquei o fato e imediatamente obtive um retorno dizendo que já haviam sido notificado por seus colaboradores. O Élcio Pereira foi prestativo e acionou o SECOM para providências. Quanto a educação ambiental a APAE de Itabira desenvolveu juntamente com as escolas municipais de Itabira o Projeto SOS Natureza durante alguns anos. Fiz parte desse projeto. Hoje fico triste pelo fato de que os moradores dessa cidade não compreenderá o significado de preservar para não faltar. É preciso voltar a bater na tecla: preservar sempre. Incêndio florestal e em área urbana é crime e pode ser punido com multas e ou prisão.