Poeira da Vale é poluição continuada em Itabira e prefeito precisa tomar firme posição em defesa da saúde do itabirano

No destaque, estudantes de Itabira fazem manifestação na porta do Centro Cultural, na histórica audiência pública de 12 de fevereiro de 1998

Foto: Taquinho/Acervo: O Cometa

Carlos Cruz

O forte arraste de poeira que caiu sobre a cidade de Itabira, no início da tarde de sexta-feira (29), foi só uma pequena amostra do que está para voltar a acontecer na cidade nos próximos dias secos e de ventos fortes que caracterizam o mês de agosto, que para o itabirano é mesmo de desgosto.

Com a poeira carregada de sílica (areia) e “fino” de minério, além da fumaça das indefectíveis queimadas que alastram por toda a cidade, o resultado é o aumento das doenças respiratórias, acarretando muito sofrimento para a população mais suscetível.

A poluição do ar em Itabira está a exigir, há muito, a continuidade dos estudos epidemiológicos realizados pela equipe do professor Paulo Saldiva, do Laboratório de Poluição Atmosférica, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

No início deste século, os resultados desses estudos não foram conclusivos, mas apontaram a necessidade de terem prosseguimento, inclusive pela maior incidência de doenças cardiovasculares neste período do ano na cidade, além das respiratórias.

Poeira de sexta-feira encobriu a cidade de ponta a ponta: poluição do ar é recorrente em Itabira nesta época do ano

Legislação e monitoramento falhos

Com certeza, os índices do monitoramento da qualidade do ar em Itabira, cujas estações são operadas pela própria mineradora, não irão refletir a real dimensão da poluição dessa sexta-feira.

Além da suspeita de que esses equipamentos possam estar descalibrados, há ainda a iniquidade da legislação federal que tipifica os casos em que os parâmetros são extrapolados.

Trata-se de uma legislação de 2018, que já nasceu obsoleta, conforme acentuou o próprio Supremo Tribunal Federal (STF), que deu prazo de dois anos para o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) adequar a legislação às recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), que é bem mais restritiva.

Leia aqui:

Poluição do ar deve ter padrões mais restritivos, diz PGR. STF fixa prazo para Conama estabelecer novos parâmetros

Em Itabira, uma legislação municipal mais restritiva também está sendo revista pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema). Mas mesmo esses novos parâmetros podem não retratar a real poluição do ar que há décadas enfrenta o itabirano com a poeira da Vale.

Poeira que no início da mineração em larga escala só era sentida pelos moradores dos bairros Campestre e Penha.

Foi só depois da década de 1980, quando a Vale adquiriu da Acesita as Minas do Meio, e desmatou de uma só vez a serra do Esmeril, que moradores dos bairros Pará e centro passaram a sentir e sofrer com as consequências da poluição do ar contendo partículas de minério vindas das minas da Vale.

Hoje, certamente não há um bairro em Itabira onde a população não sofra com esse nocivo e persistente impacto da mineração, sem que se tenha registro de um firme posicionamento das autoridades municipais.

Pressão necessária e urgente

Mesmo com forte poeira, intensa e prolongada, as estações de monitoramento da qualidade do ar, operadas pela Vale, registram índices abaixo do que é permitido pela legislação

O prefeito de Itabira, Marco Antônio Lage (PSB), que diz negociar um pacote de obras e “benefícios” com a mineradora para salvar Itabira da “derrota incomparável”, deveria também incluir a mitigação da poeira, com medidas que vão além das que até então vem sendo adotadas sem grandes resultados na cidade.

É assim que deve, pela força e autoridade do cargo, se posicionar publicamente em defesa da saúde e do bem-estar da população itabirana. Se assim agir, com a contundência necessária, marcará história.

Será o primeiro prefeito de Itabira a cobrar esse algo mais da Vale, a exemplo do que fizeram as autoridades do Espírito Santo, obrigando a Vale instalar um conjunto de equipamentos até então não experimentados para acabar com a poeira no porto de Tubarão, na grande Vitória.

Em Itabira pode começar, por exemplo, cobrando a instalação de conjuntos de telas de Wind fences nos locais de maior incidência de particulados nas minas, para que se formem barreiras com material apropriado para conter a emissão de poeira.

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Vale vai investir cerca de R$ 4,6 bilhões para conter “o pó preto” da poeira, diz gerente de Meio Ambiente. Em Itabira? Não, no porto de Tubarão, ES

Ministério Público

Detonação de rocha de minério é outra fonte de dispersão de poeira na cidade

Para aumentar ainda mais a pressão, a sociedade itabirana se organizada fosse, ou pelo menos segmentos organizados, bem que poderia mais uma vez acionar o Ministério Público, cobrando enérgicas providências, por meio da Curadoria de Meio Ambiente.

Para isso, a promotora Giuliana Talamoni Fonoff, que já tem atuado em diferentes frentes de enfrentamento aos impactos da mineração em Itabira, dispõe da Lei federal 7.347/85, a mesma que embasou as três ações civis públicas propostas pioneiramente no Brasil, pelo promotor José Adilson Marques Bevilácqua, com base em reportagens do jornal O Cometa.

Naquela ocasião, o MPMG processou a Vale não só pela poluição do ar, mas também pelo desmatamento da serra do Esmeril, o que provocou a sua total descaracterização paisagística. Foi também processada a sua subsidiária Florestas Rio Doce, por desmatar florestas nativas para plantar pinus e eucalipto.

Com a ação, a Vale foi obrigada a tomar uma série de medidas para conter a poeira, o que incluiu a instalação de aspersores fixos ao longo dos 15 quilômetros de minas ao redor da cidade, entre outras medidas.

Anos mais tarde, em 1993, no início do governo de Li Guerra, a Vale assinou um termo de ajustamento de condutas para pôr fim às ações civis públicas. Entretanto, já recentemente, por decisão do ex-prefeito Ronaldo Magalhães, essas ações foram reabertas, por descumprimento das condicionantes.

Porém, a reabertura dessas ações não foi até aqui suficiente para pressionar a mineradora, que só age quando se tem forte pressão e repercussão na mídia nacional e internacional.

Foi o que se viu com as ações civis de 1985, quando Itabira ficou sabendo que só no mês de agosto daquele ano, a poluição do ar na cidade extrapolou em 22 vezes o máximo admitido pela legislação, que é de 240 microgramas por metro cúbico ((μg/m³).

Antes a mineradora fazia o monitoramento da qualidade do ar, mas mantinha os dados em sigilo, como faz hoje com o plano de lavra para os próximos anos em Itabira, já aprovado pela Agência Nacional de Mineração (ANM), e que o itabirano desconhece.

Leia mais sobre esse plano aqui:

Vale pede sigilo e Itabira fica sem saber as respostas apresentadas à ANM para explorar as suas minas nas próximas décadas

Com a denúncia do promotor Bevilácqua, o país e o mundo foram informados do total descontrole da poluição em Itabira, ainda sem nenhuma medida de controle, o que levou o Jornal do Brasil a manchetar em edição de domingo, em agosto de 1985: “Vale paga minério de Itabira com doenças respiratórias”.

As ações do promotor Bevilácqua repercutiram também na Alemanha, por meio de reportagem da revista semanal Der Spiegel, publicada em Hamburgo – e com divulgação por toda Europa.

A repórter da revista veio a Itabira acompanhada por fotógrafo da agência Gamma, famosa por ter documentado o levante estudantil de maio de 1968 em Paris e também a Guerra do Vietnã.

História continuada

Poeira e queimada: combinação perfeita para agravar as doenças respiratórias em Itabira

Passados todos esses anos, os impactos ambientais da mineração continuam praticamente os mesmos de quando ocorreu a primeira intervenção ministerial em defesa dos interesses coletivos e difusos de Itabira. Foi o que afirmou a professora e ambientalista Maria Alice de Oliveira Lage, em recente reunião do Codema.

Trata-se de uma situação única no mundo, mesmo que não seja a mais grave, conforme exagerou retoricamente o ex-vice-prefeito e médico Ademar Mendes, na histórica audiência pública de 12 de fevereiro de 1998, promovida pele Câmara de Mineração, do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam):

“A poluição do ar em Itabira é muito mais grave que em Cubatão”, comparou, referindo-se ao primeiro polo das indústrias pesadas no país, que passou a ser chamado de “Vale da Morte” pelo nascimento de bebês sem cérebros (anencéfalos), e que foi apontada pela ONU como uma das cidades mais poluídas do mundo. Atualmente, Cubatão é exemplo de mitigação da poluição do ar.

“É assustadora a incidência de moléstia no trato respiratório em Itabira”, denunciou o médico na célebre audiência pública, citando as várias doenças respiratórias que acometem a população itabirana, sem que se tenha a real dimensão dessa verdadeira endemia com várias doenças, podendo até mesmo incluir nesse rol as cardiovasculares.

De lá para cá várias medidas foram implementadas pela Vale em Itabira, algumas vezes mais quando havia maior pressão, principalmente do Codema e de outras poucas vozes, em outras bem menos, à medida em que a pressão arrefecia pela letargia e omissão, como se viu nos últimos anos.

Portanto, prefeito e promotoria de Justiça, é hora de agir com toda firmeza em defesa da saúde e do bem-estar da população itabirana. Que sejam abertas novas ações civis públicas pela poluição do ar – e, também, pela degradação paisagística, que continua a mesma de sempre, com poucas alterações, “perfumarias”.

E que para se ter o efeito necessário, que a cidade bote a boca no trombone, como diria nos bons tempos o jornalista Feliciano Brugnara, de O Passarela, em sua coluna Marreta na Bigorna, para que o caso de Itabira repercuta em todo o mundo em tempo de ESG (Environmental, social and Governance), essa nova moda que substitui a palavra sustentabilidade no mundo corporativo.

Do outro lado, o mais do mesmo

Poluição do ar em Itabira continua mesmo depois de a empresa informar que teria adotado mais medidas de controle

A resposta padrão da Vale, sempre que ocorre episódios críticos em Itabira, como se repetiu nessa sexta-feira, é de que tem adotado as medidas preventivas e mitigadoras cabíveis.

Invariavelmente atribui as ocorrências às condições meteorológicas, com a elevada velocidade dos ventos, como se o forte lançamento de poeira na cidade fosse episódio atípico e não recorrente, como realmente de fato é. Ou seja, para a mineradora a culpa seria da natureza.

Assegura, ainda, que sempre que isso ocorre, imediatamente paralisa as atividades de extração e transporte nas minas, que diz ser também para garantir a segurança dos operadores, além de reduzir a emissão de poeira.

Diz ainda que são mantidas as ações de aspersão de água nas frentes de lavras, pilhas de homogeneização e de produto, além de aspersão nas vias das minas com caminhões-pipa.

E que tem ampliado as áreas de semeadura com gramíneas e aplicação de polímeros nas áreas descobertas, tudo com o mesmo objetivo de reduzir as fontes de emissão.

É fato facilmente constatável que essas medidas não têm sido suficientes, mesmo que tenham sido ampliadas, conforme informaram os seus representantes em recente reunião do Codema.

Leia aqui:

Vale diz adotar mais ações de controle da poeira em Itabira, mas elas ainda são insuficientes

Que se faça então muito mais para ampliar esse controle da poluição, a exemplo do que foi feito em Cubatão pelas empresas poluidoras de lá, como também vem sendo executado pela própria Vale no porto de Tubarão, na grande Vitória (ES).

É o mínimo que as autoridades itabiranas devem exigir (vereadores não contam, eles não querem saber dessa pauta, acham que não é da alçada municipal, preferem cuidar de miudezas paroquiais com as suas indicações e distribuir honrarias).

E que o Codema só aprove novas anuências para as suas atividades no município após a empresa adotar medidas mais eficientes e que surtam efeito que seja sentido por toda cidade.

Pois é somente sob pressão e denúncia que a empresa vai tomar as providências cabíveis e que há muito são devidas a Itabira. Inclusive, com pedido de desculpa por sujar permanentemente toda a cidade.

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2 Comentários

  1. Onde moro eu não vejo a mineração. Estou atrás e bem atrás da Colina da Praia. Minha garagem e fechada. Meu carro é guardado limpinho e na manhã seguinte ele está coberto de poeira. A varanda de minha casa, nem se fala. Todos os dias tem que passar pano na casa e nos quartos que estão impregnados de pó. Meu nariz não aguenta mais tanto pó!

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