Poeira da Vale agrava doenças respiratórias e cardiovasculares em Itabira, causa mortes prematuras e onera o sistema de saúde, afirma pesquisadora da Unifei
Fotos: Raíssa Meireles/ Ascom/CMI
Carlos Cruz
Sim, senhores vereadores da encorpada “tropa de choque” da Vale na Câmara Municipal de Itabira, que nessa terça-feira (24) receberam a professora Ana Carolina Vasques, da Unifei, doutora em Ciências Atmosféricas, municiados com argumentos obtidos por meio de cursinho intensivo ministrado por analistas da Vale um dia antes, sem a presença de público e da imprensa: a poeira que agrava doenças respiratórias em Itabira, suja as residências, podem acreditar, senhores edis, ela vem mesmo das minas da Vale.
A afirmativa é óbvia, mas é que vereadores colocaram em dúvida o óbvio ululante, com afirmações e palavras que nem mesmo dirigentes da Vale, no afã de defender o indefensável de quem os emprega, seriam capazes. Mas as sandices proferidas por alguns edis itabiranos na sessão de ontem da Câmara vai ser divulgado em uma próxima reportagem, neste portal de notícias.
Extrapolações
Pasme, caro leitor (a): teve vereador que pediu à professora da Unifei provas científicas de que a poeira carregada de finos de ferro e outros metais pesados, é a principal causadora da extrapolação dos índices de monitoramento da qualidade do ar, que, em determinado dias de ventos fortes, em intervalo de uma hora, chega a alcançar mais de 500 microgramas por metro cúbico (µg/m³), como ocorreu no dia 12 de agosto deste ano, em pelo menos duas estações.
Foi quando a estação do Areão registrou índice de partículas totais em suspensão (PTS) de 251,3 µg/m³ e de 240,6 µg/m³ na estação instalada no bairro Fênix, com padrões próximos nas outras duas estações: Chacrinha e Premem.
Esses registros ultrapassaram o que determina a resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), que estabelece o índice máximo de 240 µg/m³ de PTS, que não pode ser ultrapassado mais de uma vez ao ano.
Após esse episódio crítico, o Codema reeditou deliberação normativa fixando em 150 µg/m³ o índice máximo de PTS para Itabira, reproduzindo o parâmetro da resolução anterior do órgão ambiental municipal. E a média geométrica, que pela resolução Conama é de 80 µg/m³, caiu para 60 µg/m³ de PTS.
Foi essa norma que a Vale quis derrubar, para não ser punida sem dar conta de reduzir significativamente a poeira que sai de suas minas, vista de toda cidade sem precisar de prova científica, pedida pela sua “tropa de choque” na Câmara Municipal de Itabira.
Isso depois de contestar a sua validade, desde a sua primeira edição, quando questionava a competência municipal ao editar normas mais restritivas para a qualidade do ar, “por ferir competências específicas”, colocando também em dúvida “a exclusividade da procedência, sem apontar outras fontes emissoras”.
Conforme demonstrou a professora da Unifei, a poeira vem em grande volume das minas quando o vento sopra em direção da cidade. Isso geralmente ocorre cerca de cinco dias antes do episódio crítico, quando a temperatura tem queda acentuada. Se os olhos dos vereadores da “tropa de choque” da Vale não veem o óbvio ululante, então, sinto muito por eles.
Componentes metálicos
Estudo científico realizado em 2016 por pesquisadores da Unifei, para avaliar a composição do material particulado que polui Itabira, constatou a presença preponderante de ferro, mas também de outros metais pesados.
E o mais grave, com concentrações maiores que as encontradas em grandes capitais como São Paulo, Belo Horizonte, Recife, Porto Alegre, Curitiba, informou a professora aos edis itabiranos, público presente e às emissoras de rádio e site que cobrem as reuniões do legislativo itabirano.
Como exemplo desses metais, Ana Carolina citou a presença de titânio, crómio, vanádios, chumbo. “Fizemos esse levantamento para avaliar quais são os impactos à saúde”, disse a professora, explicando que o objetivo foi saber como isso reflete na qualidade de vida do itabirano exposto a esses poluentes.
“A pergunta que nos norteou nesse estudo foi verificar quantas internações por doenças respiratórias e cardiovasculares são associadas à exposição das pessoas ao material particulado fino de 2,5 µg/m³, utilizando-se a mesma metodologia da Organização Mundial de Saúde.”
O resultado é preocupante e exige políticas públicas urgentes – e não provas científicas de que a poeira que encobre a cidade vem mesmo das minas e pilhas descobertas da mineradora Vale, a gulosa, como a chamava o cronista Carlos Drummond de Andrade.
Impactos na saúde
Desde a primeira reunião do Grupo de Trabalho (GT) constituído pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema) para avaliar pedido da mineradora, agora retirado sem mais explicações, para abrandar a seu favor a Deliberação Normativa número 2 do órgão ambiental muicipal, a professora da Unifei, como consultora da Prefeitura, posicionou-se contra.
Segundo ela, o órgão ambiental reeditou parâmetros intermediários, conforme recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS), como meio legal de forçar a mineradora adotar medidas de controle mais eficazes – e assim cair o impacto da poeira na saúde da população, reduzindo o número de internações por doenças respiratórias nos hospitais da cidade.
“Se Itabira já tivesse avançado há mais tempo do parâmetro intermediário um para o parâmetro intermediário dois, nós teríamos 11 internações a menos por doenças respiratórias só no ano de 2019. E se já estivesse no padrão recomendado como seguro pela OMS, teríamos 41 internações a menos no mesmo ano”, afirmou a professora.
A projeção foi realizada também em relação às doenças cardiovasculares. No mesmo ano de 2019, seriam oito internações a menos por esse agravo à saúde, caso já estivesse valendo em Itabira os parâmetros mais restritivos como está na atual deliberação normativa do Codema,
“E se já estivesse no padrão final (que deve passar a valer nacionalmente já em 2024, por força de nova resolução Conama, cumprindo determinação do STF), seriam 28 internações a menos por doenças cardiovasculares em Itabira”, revelou a professora, com base em projeções científicas.
“Esse foi um dos estudos que balizou a publicação da nova deliberação normativa do Codema, permitindo que o município avance para o parâmetro intermediário 2, que é mais restritivo em relação à atual resolução Conama”, informou.
Ainda segundo a professora Ana Carolina, outra indagação do estudo de 2019 foi saber se as mortes prematuras ocorridas em Itabira poderiam ser evitadas se padrões ainda mais restritivos como os sugeridos pela OMS já estivessem valendo na cidade.
“Se Itabira já adotasse os parâmetros finais previstos pela OMS, teriam sido evitadas 40 mortes prematuras só no ano de 2019”, foi o que projetou o estudo científico. “Morte prematura, nesse caso, é quando a pessoa tem a sua vida abreviada devido à exposição à poluição atmosférica.”
Custos adicionais
A poluição do ar em Itabira por partículas de minérios provenientes das minas e pilhas descobertas da mineradora Vale, acarreta despesas exorbitantes ao sistema de saúde do município.
“É delicado indagar qual é o valor de uma vida, mas a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) utiliza como metodologia o que é chamado de valor estatístico de uma vida. Nós usamos essa mesma metodologia para chegar ao número de mortes que poderiam ser evitadas se a cidade já tivesse adotado parâmetros mais seguros para a saúde.”
Segundo a pesquisadora da Unifei, com padrões mais restritivos, o sistema municipal de saúde gasto R$ 122 milhões a menos em 2019 com as internações que resultaram mortes prematuras por doenças decorrentes da poluição atmosféricas . “Esse valor corresponde a mais ou menos 64% do orçamento anual da Secretaria Municipal de Saúde”, comparou a professora da Unifei.
Já com as internações por doenças respiratórias, se as atuais normas restritivas valessem em 2019, conforme recomenda a OMS, haveria uma economia de R$ 126.552,00 para o sistema de saúde local, acrescentou.
Percepção da poeira
A pesquisa procurou auscultar a opinião pública itabirana para saber qual é a percepção popular sobre a poluição na cidade.
Foi constado que 73,5% dos itabiranos consideram péssima ou ruim a qualidade do ar onde moram. E, mesmo com 90% dos entrevistados sendo não fumantes, 75,5% foram acometidos, em 2019, por problemas crônicos de saúde decorrentes da poluição do ar.
O resultado dessa pesquisa mostra também como os vereadores da “tropa de choque” da Vale são minoria na cidade na percepção de onde vem a poeira: 96% dos entrevistados percebem a presença frequente de poeira vinda da Vale em suas residências, com predominância de finos de minério de ferro.
Agravante
Em parceria com a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), uma pesquisa também da Unifei sobre a qualidade do ar constatou divergências com os indicadores apresentados pela rede automática de monitoramento da Vale, com resultados que variam entre duas e três vezes a mais.
Ou seja, a poluição do ar em Itabira pode ser maior que os resultados obtidos pela rede automática de monitoramento divulgados no portal ItabirAR, no site da Prefeitura de Itabira.
Além disso, esse mesmo estudo acadêmico, publicado na revista Environmental Advance, constatou que o material particulado atmosférico encontrado na cidade de Itabira pode ser internalizado, ou seja, entrar nas células de pulmão humano, promovendo efeitos citotóxicos em condições de laboratório (in vitro).
“Esse estudo indicou que as PTS (a poeira em suspensão) dissociam no corpo hídrico em nanopartículas e pode ingressar nas células pulmonares. Futuramente a OMS pode revisar e abaixar ainda mais o parâmetro se verificar que esses índices ainda não são seguros”, prevê a professora da Unifei, coordenadora e parceria da Prefeitura na elaboração dos boletins mensais sobre a qualidade do ar na cidade.
A constatação dessa pesquisa desmitifica a falácia historicamente propagada pela mineradora, ao afirmar que as partículas mais grossas da poeira ficam retidas nas vias áreas superiores, sem alcançar os pulmões.
Daí que é preciso aprofundar os estudos epidemiológicos prospectivos das doenças respiratórias, conforme foi sugerido pelo professor Paulo Saldiva, em 2005, quando coordenou equipe do Laboratório de Poluição Atmosférica, da Universidade de São Paulo (USP), contratado pela Vale, em cumprimento a uma das condicionantes da Licença de Operação Corretiva (LOC), de 2000.
Na apresentação pela equipe de Paulo Saldiva, essa necessidade de aprofundamento foi sugerida, pela incidência de doenças cardiorrespiratórias e que não foram objeto do estudo epidemiológico de 2005, que só investigou os efeitos da poeira no sistema respiratório.
Mas esse aprofundamento até então não aconteceu. A Vale não fez aditivo ao contrato com a USP e as autoridades políticas e de saúde de Itabira nada cobraram até então.
É hora de Itabira aprofundar e conhecer mais sobre os efeitos dessa poeira carregada de finos de minério e outros metais pesados na saúde do itabirano no curto, médio e longo prazo.