Pelo fim da falta d’água em Itabira, São Pedro faz a sua parte. Resta à Vale e aos políticos cumprirem com as suas obrigações

Carlos Cruz

Se a culpa pela falta de água em Itabira fosse somente de São Pedro, o itabirano já pode deixar de se preocupar, pois a chuva tem caído em profusão em Itabira nos últimos dias.

De acordo com o Clima Tempo, consultado pela reportagem uma vez que o Portal do Ar lançado pela Prefeitura só dispõe de dados meteorológicos do mês de julho, sem informações em tempo real, a umidade relativa do ar em Itabira, nesta segunda-feira (11), tem variado entre 90% e 96%, com chuvas persistentes acima de 30 milímetros – com registros equivalentes desde a madrugada de sábado.

Graças a São Pedro, mananciais superficiais e aquíferos profundos estão sendo recarregados. Com isso, o corte do fornecimento em bairros que estiverem com os reservatórios recuperados já não deve ocorrer como fora anunciado. Mas isso não significa que a população pode relaxar e voltar a lavar passeios e veículos na porta de casa com água tratada.

Karina Lobo, presidente do Saae (primeira à direita), diz que consumo aumenta com população flutuante e crescimento desordenado (Fotos: Carlos Cruz)

O uso racional de água deve ser permanente, evitando-se o desperdício. Segundo divulgou a presidente do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) de Itabira, Karina Lobo, em coletiva de imprensa na terça-feira (5), o consumo per capta de água tratada em Itabira está acima da média nacional, que é de 115-120 litros diários por habitante.

“Em Itabira, o consumo diário está em 180 litros por morador”, disse ela, considerando uma população de pouco mais 120 mil habitantes, segundo a última estimativa do IBGE. Mas esse cálculo é relativizado pela própria presidente do Saae ao lembrar que a cidade tem uma população flutuante muito alta com as empreiteiras da Vale.

Pelos registros do Saae, esse consumo diário deve ser revisto para se considerar um mercado consumidor de água de 160 mil pessoas. Pois é mais esse dado relativo ao crescimento populacional, real e flutuante, que agravou ainda mais o serviço de abastecimento de água na cidade, fora outras deficiências estruturais.

O crescimento urbano desordenado e sem planejamento para onde mais falta água, que é a região abastecida pelo manancial da Pureza, vem ocorrendo há anos em Itabira, tendo sido intensificado nos últimos anos. Situação que se agrava com o crescimento exponencial da população flutuante com as obras de descomissionamento das barragens da Vale.

Reforços

ETA das Três Fontes foi duplicada mas não pode tratar água do rio Jirau por estar contamiado com manganês (Foto: Ascom/PMI)

A estiagem prolongada, que só se arrefeceu na semana passada, com previsão de chuvas até pelo menos esta terça-feira, tende-se a repetir nos próximos anos. É assim que a população de Itabira deve continuar sofrendo nos próximos anos até que se faça a transposição de água do rio Tanque.

Isso mesmo com as manobras que têm sido feitas pelo Saae para reforçar o fornecimento para tratamento nas Estações de Tratamento de Água (ETA) da Pureza e Três Fontes, com os prometidos –  e nem sempre cumpridos – fornecimento de 160 litros por segundo diários que devem ser fornecidos pela Vale, captados de seus poços profundos em suas minas.

A solução definitiva, que seria a transposição do rio Tanque, historicamente vem sendo protelada pela Vale por pelo menos 21 anos, com o beneplácito de prefeitos, vereadores e dirigentes do Saae, desde que deixou de cumprir condicionante da Licença de Operação Corretiva (LOC), aprovada em 2000.

A justificativa apresentada pela mineradora para adiar até aqui a transposição do rio Tanque era que haveria água em abundância em Itabira assim que fossem exauridas as Minas do Meio. Essa exaustão já ocorreu sem o correspondente descomissionamento, uma vez que as cavas exauridas ainda se encontram em operação, inclusive com disposição de rejeitos e material estéril.

“Legados” perdidos

Hidrogeólogos da Vale disseram que sobraria água dos aquíferos para abastecer a cidade e atrair novas indústrias assim que exaurissem as Minas do Meio

No início desde século, por ocasião do rebaixamento das águas subterrâneas (aquíferos) – e não do lençol freático como erroneamente muitos políticos vem repetindo – representantes da Vale reuniram com lideranças políticas e comunitárias para assegurar que a medida não afetaria a disponibilidade hídrica na cidade. Pelo contrário, garantiram que sobraria água de classe especial “para as gerações futuras”.

Na edição de março de 2002 do jornal Vale Notícias, órgão oficial da mineradora, o hidrogeólogo Agostinho Fernandes Sobreiro Neto, falando em nome da mineradora, afirmou que o rebaixamento é feito de modo localizado e não “se expande sob os terrenos fora da estrutura geológica do Distrito Ferrífero”.

Na mesma edição, o hidrogeólogo disse ainda que antes de o rebaixamento ter início, em 1985, os aquíferos Piracicaba e Cauê dispunham de 338,8 milhões de metros cúbicos de água.

“Desde então, até outubro de 2016, data prevista para exaustão das Minas do Meio, serão bombeados 37,2 milhões de metros cúbicos, correspondentes a 11% das reservas iniciais existentes nos reservatórios subterrâneos do distrito ferrífero”, contabilizou Agostinho Sobreiro em reportagem na mesma edição.

Conforme ele frisou, a água subterrânea é um recurso natural renovável. “Com a paralisação do bombeamento nas cavas, o que ocorrerá com a exaustão das minas, terá início a recuperação de seu nível. Em pouco tempo, as reservas atingirão o mesmo volume existente antes do rebaixamento.”

Dois anos mais tarde, no mesmo jornal Vale Notícias, em agosto de 2004, o hidrogeólogo Henry Galbiatti, então gerente de Geotecnia e Hidrogeologia da Vale, com base em pesquisas hidrogeológicas, garantiu que os aquíferos Cauê e Piracicaba não apresentam estreita comunicação de um com o outro.

É o que explica, segundo ele, o fato de o rebaixamento não ter afetado, por exemplo, o poço da Água Santa. E assegurou:

“Não vai faltar água para Itabira depois da exaustão de suas minas”, repetiu Galbiatti, reforçando a tese de que haveria recursos hídricos em abundância nas cavas exauridas, provenientes dos aquíferos cuja água não teria mais de ser bombeada. Já as indústrias, que seriam atraídas para diversificar a economia local, disse que poderiam ser abastecidas também pelas águas das barragens.

“As barragens com rejeitos (de minério) são como esponjas, aquíferos artificiais”, classificou. Ou podem ser classificadas como reservas antropogênicas, criadas pela ação humana desde a década de 1970 com as operações das usinas de concentração de minério.

Leia também aqui: Prometidos como legados da mineração, aquíferos são alternativas para o suprimento de água em Itabira

E aqui: Mesmo com a disposição de rejeitos, aquíferos Cauê e Piracicaba devem ser protegidos como patrimônios de Itabira e da região

Mas não foi o que ocorreu, mesmo depois da exaustão das Minas do Meio. E como não deram certos os “puxadinhos” realizados nos últimos anos para não ter de buscar água no rio Tanque, Itabira continua à mercê dessa “solução definitiva”.

Uma solução que vai ocorrer não por ação firme e deliberada dos políticos itabiranos, mas por força de um Termo de Ajustamento de Conduta que a mineradora se viu obrigada a assinar com Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).

Leia mais aqui: Vale já assina TAC do rio Tanque, mas ainda é preciso obter outorga e licença ambiental para a transposição

E também aqui: O que faz a Vale arcar, após anos de reivindicação, com os custos da captação, adução e tratamento da água do rio Tanque

“Puxadinhos” ineficientes

Riberião da Pureza, abaixo da ETA: captação de água acima da outorga é outro problema a ser solucionado

Um dos últimos “puxadinhos” construído pela Vale, em parceria com o Saae, foi a estação elevatória da Ribeira de Cima, para captar água da barragem do rio de Peixe. Outro foi duplicação da ETA Gatos, que receberia reforço do rio Jirau.

Ambos “puxadinhos” foram inviabilizados depois que foi constatado alto índice de contaminação das águas das barragens por manganês, presente junto com o rejeito e que em alta quantidade é prejudicial à saúde humana.

Sem esses “puxadinhos” que serviriam de reforço para as duas principais estações de tratamento da cidade, a Vale foi obrigada a fornecer 160 litros por segundo captados de seus poços profundos para tratamento na ETA Gatos, por força de outro TAC assinado com o MPMG,

Fonte: Saae

Mas com a forte estiagem deste ano, nem todos os dias a mineradora conseguiu disponibilizar o volume de água comprometido por força do TAC.

“Na semana passada, (a Vale) chegou a fornecer 180 l/s, mas nesta semana forneceu apenas 40 l/s”, revelou a presidente do Saae.

“A intermitência desse fornecimento interfere em nossas operações e qualquer volume que vem a menos impacta as nossas manobras no sistema de abastecimento”, afirmou Karina Lobo, na coletiva de imprensa concedida no início da semana passada.

Com isso, no auge da estiagem, a produção de água tratada pelo Saae caiu para 350 l/s, enquanto a demanda é de cerca de 500 l/s. A queda afetou, sobretudo, a população servida pela ETA Pureza, que abastece mais da metade da população da cidade, incluindo os condomínios e prédios de apartamentos existentes à montante, além do Distrito Industrial.

Compensações

Córrego da Pureza, fotografado em 2006, continua sem mata ciliar, mesmo depois do projeto Mãe d’Água (Foto Marcelo Pinheiro)

Com a estiagem prolongada, o córrego da Pureza  – que há anos sofre com assoreamento e quase não dispõe de mata ciliar, mesmo depois do projeto Mãe d’Água – praticamente secou. E deu no que deu, com mais uma vez a população sofrendo, em plena pandemia, com a falta d’água nas torneiras de suas residências.

Trata-se de uma história que se repete como farsa e quase tragédia para boa parte da população nos últimos anos – e que deve se repetir nos próximos até a conclusão das obras de captação e adução com a transposição de água do rio Tanque.

A previsão inicial é que isso só ocorra a partir de 2026. Mas o prefeito Marco Antônio Lage (PSB) tem feito gestão para ver se consegue antecipar esse prazo.

Para isso ocorrer não se pode atropelar a tramitação legal, ainda que se torne mais célere, frente às urgências e necessidades, o processo de licenciamento ambiental com as necessárias condicionantes para não secar a fonte, que é esgotável se medidas protetivas não forem adotadas.

Entre as condicionantes devem constar a reabilitação das matas ciliares em toda extensão do rio Tanque, da nascente em Senhora do Carmo até desaguar no rio Santo Antônio, em Ferros. E também da mata ciliar do rio de Peixe, com seus afluentes que inclui o ribeirão Pureza, até encontrar com o rio Piracicaba, em Nova Era.

Só assim, sem atropelar os trâmites legais do licenciamento junto ao Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), é que poderá ocorrer a transposição em curto prazo, pela urgência urgentíssima de não deixar desabastecida a população de Itabira – e de quebra a própria mineração.

Para isso é preciso definir também as políticas sociais e ambientais compensatórias, ouvindo-se os moradores da cidade e, sobretudo, as populações ribeirinhas. Isso para que sejam conhecidos os impactos, as demandas e as necessidades que devem constar das condicionantes.

Antes, portanto, de se conceder a premissa da anuência pelo Codema, devem ser realizadas audiências públicas, para só depois ser concedida a necessária licença ambiental para não mais faltar, em “definitivo” (sic), água para a população itabirana e também para atrair novas indústrias.

 

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3 Comentários

  1. De quem é a responsabilidade pela população flutuante?
    No Pico do Cauê havia várias minas, quem as destruiu?
    A dona Karina e a rapaziada na mesa dela, ainda são muito jovens pra saber quem matou Itabira. Ou talvez isso não os afete, afinal eles são jovens por demais; tão jovens… como se imporão (autoridade) diante a mineradora assassina e ladra de água, ladra de cultura, enfim de tudo que havia na Itabira? Quem matou Itabira, ô meninada do SAEE?

  2. Isso mesmo, Cristina, quem matou Itabira?…
    Eu não tenho dúvida nenhuma e afirmo peremptoriamente que é a Vale!
    O córrego principal que vertia do Pico do Cauê, antes chamado de Pico do Itabira, era o do Campestre, tanto é que as minas ali há duzentos anos chamavam-se minas do Campestre e daí o nome do bairro pouco acima.
    E córrego do Campestre hoje é um quase nada, um filete d´água que se encontra abaixo da Penha com o córrego do Rosário, outro já moribundo.
    Isso da água, do ar, do panorama da vista, do excesso de barulho em Itabira é uma verdadeira tragédia, não consigo mensurar tão grande perda de toda a natureza em favor da arrecadação de uns trocados com a mineração quase no centro da cidade.
    E a água, mineral líquido que é e como vem sendo bastantemente utilizada para lavar o minério de ferro, a mesma também deveria ser tributada, pois é extraída do subsolo para o uso no complexo da mineração; já passou da hora de tomar uma medida séria quanto a isto e principalmente pelas promessas vãs dessa mineradora Vale.

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