Pedro “Perereca” sobrevive ao holocausto no hospital Colônia, antigo hospício de Barbacena
Pedro “Perereca” Paulo Mendes, 66 anos, é um sobrevivente do holocausto que exterminou mais de 60 mil internos com eletrochoques e outras formas de tratamento desumano no hospital Colônia, de Barbacena (MG), no final da década de 1970. Ele fugiu do maior hospital psiquiátrico do país quando tinha 24 anos de idade, depois de passar também pelo hospital Raul Soares, em Belo Horizonte.
O hospital Colônia foi comparado a um campo de concentração nazista pelo psiquiatra italiano Franco Basaglia (1924-80), que ele visitou em 1979. Basaglia ficou horrorizado com os pátios do manicômio abarrotados de internos, sobrevivendo e sendo tratados sem a menor dignidade humana.
Pedro “Perereca” estava internado em Barbacena há cinco meses quando decidiu fugir, uma proeza que poucos conseguiram. “Eu gastei quatro semanas indo a pé de Barbacena até Belo Horizonte, escondendo no mato. Bebi da minha urina para não morrer de sede”, conta, com a certeza de que tomou a decisão mais acertada.
“Se eu não tivesse fugido, hoje não estaria aqui”, disse ele na manhã desta sexta-feira (18), ao participar do ato público em celebração do Dia Nacional da Luta Antimanicomial, que é comemorado desde 1987 em todo o país.
Segundo denunciou, em 1979, o jornalista Hiram Firmino, na série de reportagens Nos porões da Loucura, publicada no jornal Estado de Minas, o hospital Colônia vendia cadáveres para as faculdades de Medicina para que fossem dissecados pelos alunos. Firmino acompanhou Basaglia na visita que fez ao hospital Colônia.
Tratamento no Caps
Hoje, Pedro “Perereca” vive com a irmã Marilza Sabrina Mendes, que há dez anos cuida dele, em Itabira, no bairro Jardim das Oliveiras. “Ele é de paz, mas não pode mexer, que fica bravo”, adverte a irmã. “Mas tomando os medicamentos, ele fica tranquilo”, ameniza.
Paciente do Centro de Atenção Psicossocial (Caps), Pedro “Perereca” vai sempre que está disposto para receber os remédios que toma e também para as atividades terapêuticas.
“Quando ele não quer ir ao Caps para tratar, não insisto para que não fique irritado. Mas geralmente ele vai, pois sabe que é importante para a sua saúde”, conta a irmã. “Hoje, graças ao meu bom Deus estou no Caps. Quem estiver com o coração mais ou menos fechado, no Caps abre o coração inteiro. O Caps é mundo aberto pra gente”, aprova Pedro “Perereca”.
A poesia é necessária
É o que acha também o paciente Rogério de Cássia Araújo, 50 anos, que reprova o preconceito pelo qual muitas vezes é tratado quem sofre com doença mental.
“Somos vistos como deficientes, mas quando tomamos a medicação, voltamos em alto astral. No Caps eu faço trabalho de argila e quando estou tranquilo, escrevo e declamo poesia”, conta Araújo.
No ato público, ele declamou um de seus poemas: “Se você me der a mão e por aí me levar, sem saber a direção e nem a hora de voltar, eu vendo em seus cabelos os variados modelos que a liberdade tem, e que nos leva a querer cantar conosco e dizer que pode ser feliz também. Se você me der a mão e me der um sorriso, como se seu coração tornar o meu paraíso e depois repetidamente tornasse mais sorridente, mais doce, meiga e amada, eu já teria razão de namorar a sua mão, como a mão da namorada.”
Foi aplaudidíssimo.
Risco de retorno dos antigos hospícios é grande, diz psicólogo
O psicólogo Marcelo Amorim, diretor de Saúde Mental, da Secretaria Municipal de Saúde de Itabira, vê com preocupação as mudanças em curso na política nacional de atendimento em saúde mental. Essas mudanças preveem a suspensão do fechamento gradual de leitos em hospitais psiquiátricos, em curso no país desde a reforma psiquiátrica de 2001.
Com as mudanças do governo Temer, Amorim teme a volta dos antigos hospícios, em detrimento do tratamento por meio dos Caps. “Essas mudanças fazem parte da desconstrução do SUS (Sistema Único de Saúde). A proposta é destinar mais recursos da saúde mental para leitos psiquiátricos nos hospitais privados”, afirma.
É a política neoliberal de privatizar tudo que dá lucro, agora também nas áreas de saúde e educação. De acordo com o psicólogo, o valor médio de uma internação nos hospitais psiquiátricos é de R$ 700 mensais por paciente. “Se colocarem 200 pacientes com um só médico para medicar, imagine o lucro que irá gerar? É um grande negócio.”
A secretária de Saúde, Rosana Linhares, diz que Itabira não corre risco de viver esse retrocesso. “Temos uma estrutura de atendimento que vem sendo construída ao longo dos anos”, disse ela, referindo-se ao Caps adulto, que existe em Itabira desde 1991 – e também aos Caps Infantil e Caps Álcool e Droga. “Já temos leitos de retaguarda no Hospital Nossa Senhora das Dores e a maioria das internações não é de longo tempo”, assegura.
Itabirutas
Marcelo Amorim conta que estagiou, no fim da década de 1970, no hospital psiquiátrico Galba Veloso, em Belo Horizonte. Ele recorda que Itabira tinha fama de ser a cidade mineira que mais encaminhava pacientes para internação. “Era comum ouvir alguém dizer que chegou mais um itabiruta no hospital.”
Atualmente, são poucos os pacientes itabiranos que precisam ser encaminhados a hospitais psiquiátricos para longa internação. “No ano passado encaminhamos quatro pacientes. Com os leitos de retaguarda no Nossa Senhora das Dores, a tendência é diminuir ainda mais as internações acima de 15 dias.”
Moradores de rua
O psicólogo informa também que moradores de rua com distúrbios mentais também são atendidos, principalmente pelo Caps Álcool e Droga. “Hoje não temos moradores de rua que não estejam sendo atendidos quando precisam.” Em consequência, diz, quase não se vê moradores de rua com distúrbio mental circulando pela cidade sem atendimento. “Eles existem, mas são tratados e assistidos”, complementa Rosana Linhares.
O comerciante Antonio Martins Fonseca, o Toninho da Banca do Mercado Central, conta que mantém contato com muitos moradores de rua. E confirma a informação da secretária de Saúde. “Diferentemente dos antigos andarilhos, que não eram tratados, os que conheço estão bem com o tratamento. Basta dar carinho, que eles ficam tranquilos”, testemunha.
Centro de convivência
Embora Itabira já ofereça há algum tempo um bom atendimento a quem sofre com problemas de saúde mental, mesmo assim, ainda não dispõe de toda infraestrutura adequada. Falta, por exemplo, um local apropriado para um Centro de Convivência.
Atualmente, pacientes do Caps só dispõem de um único dia para atividades no improvisado Centro de Convivência, que funciona no Centro de Reabilitação, no bairro Esplanada da Estação. Funciona de 15h às 17h – e só na quarta-feira.
“É preciso que funcione todos os dias”, reivindica a psicóloga Késsia Guerra. “É um espaço necessário para o paciente participar de oficinas e de atividades de teatro, musicalização, artesanato.”
Segundo ela, as atividades no Centro de Convivência ajudam a romper com os muros e diminuir as ‘tarjas pretas’, que são os medicamentos ministrados aos pacientes. “É uma luta de mais de oito anos, ainda sem sucesso”, lamenta.
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