Páginas de um diário

– Parte I –

Diário (agenda)

Diário é um caderno, de caráter íntimo, onde se fazem anotações que contêm uma narrativa manuscrita, geralmente diária de experiências pessoais que é organizada pela data de entrada das informações. Um diário pessoal pode incluir experiências de uma pessoa e/ou pensamentos, sentimentos e segredos. Alguém que escreve um diário é conhecido como um(a) diarista e ele(a) descreve toda sua vida ali. Existem diários desenvolvidos para fins institucionais que desempenham um papel em muitos aspectos da civilização humana, como por exemplo, registros governamentais, livros empresariais e registos alegóricos. Os diários também podem ser redigidos em formato eletrônico (por exemplo, blogues), sendo então conhecidos por “diários virtuais” ou “diários da internet”. (In Wikipédia)

No meu tempo de adolescente, bastava um caderno para escrever a primeira frase: Meu querido diário…. mas hoje, os blogs oferecem truques e passos para se escrever um diário, eu que sou diarista nego esta ideia de truques e passos, uma falácia.

A pessoa diarista ao escrever a sua história está imbuída de uma causa e não é a de experarar que outrem leia. Ao contrário o diário guarda segredos ou não segredos, mas é certo que é reservado. É censurado a outrem para que, quem escreve não ser censurado, portanto a causa é guardar segredos, preservar intimidades.

Diário de Luiz Carlos Barbosa: a sua desdita decorrente de um câncer (Reprodução)

Um diário não é só um relato íntimo guardado a sete chaves.  É também uma fonte histórica, pois dão conta do vestiário, do território, da linguagem, da alimentação, do divertimento e dor, enfim, de elementos de interesse para a história da sociedade.

Alguns Diários revelam histórias fascinantes e viram livros, a exemplo de: Quarto de Despejo: diário de uma favelada (1958), escrito por Carolina Maria de Jesus (1914-1977) ou Diários de motocicleta, de Che Guevara, que ganhou a rubrica de Patrimônio da Humanidade pela Unesco.

Recentemente, de Itabira me caiu nas mãos o diário: Um momento em minha história (a força com que o destino me reescreveu), de Luiz Carlos Barbosa. O título é perfeitamente adequado ao sentido de diário, de escrita epistolar. O diário do Luiz conta a sua desdita decorrente de um câncer.

Sem máscaras, no centro de sua dor na carne, o Luiz emociona porque fez da desdita o dito ao narrar a sua experiência. E fez muito bem em publicar a sua história. Afinal, ele mereceu viver para narrar sua experiência que a muitas pessoas pode ser um alento.

O fundo arquivístico MCS, consta de uma série – Vida Alheia – composta de cartas, cartões, cadernos com original de um livro inteiro (publicado) e fotografias 3×4, que compro no Shopinp-Chão. Portanto o Diário de Marli C., que a Vila de Utopia publica, vem desse balaio de gatos. Boa leitura.

(Cristina Silveira, do Rio)

½ beijo na boca vermelha de praia

Rio, 22/5/59

“Domingo, dia 3 de maio de 1959, numa domingueira ‘dansante’ no “Cib” eu conheci o rapaz que é hoje meu namorado.

Eu estava com meu vestido saco estampado, o dia estava quente, eu estava vermelhíssima da praia.

Estava sentada numa mesa conversando com a Verinha, quando ‘êle’ me tirou p/ ‘dansar’, alto (1,85cm), cabelos castanhos crespos, olhos pequenos não sei bem a ‘côr’, pois ela muda constantemente, mas o verde é mais possível, dentes lindos, brancos como a neve.

Ele não ‘dansa’ mal, mas notei que ‘êle’ tremia a mão direita. Conversamos e ‘êle’ me disse que tinha me visto na praia de manhã, perguntou o que eu fazia, etc e ofereceu-me uma bebida, conversamos lá fora e depois ‘dansamos’ mais e mais.

Diário de Marli C, resgatado por Cristina Silveira

Ele está no 3º. Ano de Filosofia (Matemática na Nacional), seu nome é Jordan. ‘Êle’ ‘têve que sair ‘cêdo’, pois estava com a irmã e ela quis sair logo. Pediu meu telefone e eu dei, tem 24 anos e faz 25 no dia 26 de ‘agôsto’.

Eu já o havia notado na porta, ‘êle’ não estava conseguindo entrar, eu fui pedir ao porteiro p/ deixar o Boneco entrar.

Minha 1ª. Impressão foi ótima, e é o que vale.

Domingo próximo fazem 3 semanas (21 dias que o estou namorando).

Já saímos bastante.

I           Na 3ª. F. ele me telefonou (1ª. vez) e 5ª. fomos ao cinema, ver “Gata em teto de zinco quente” (Metro).

Fomos lá em cima, mas ‘êle’ não ‘quiz’ ficar lá porque o lugar era de lado e não se via nada.

Descemos, arranjamos por sorte bons lugares.

No meio do filme, ‘êle’ segurou minha mão e ‘pôs’ a mão nas minhas costas. Acabado o filme, fomos lanchar no Bob’s e passeamos pela Av. Atlântica.

Ele gosta muito de ópera e poesia e pintura moderna, tudo isso eu não gosto.

Ele me disse que o seu nome é Zéon, o sobrenome que era Jordan, mas todo mundo chame ‘êle’ de Jordan.

II             Sábado fomos ao cinema Leblon ver “Férias em Paris”, ótimo filme.

III            Domingo, pela manhã, ‘êle’ foi à praia, o pessoal gostou muito ‘dêle’, as meninas acharam ‘êle’ lindo. De tarde fomos no Alvorada ver “Céu sem estrêlas” e depois fomos lanchar no Scaramouche. ‘Êle’ é muito mão aberta, faz sempre questão que eu coma, etc.

IV           Na outra semana, 4ª. feira fomos ver “(ilegível)… de Brooklin” Ricarmar, e lá que houve o meu 1º. Beijo na ‘bôca’ de ‘tôda’ minha vida, eu não esperava ‘êsse’ beijo, com ato instintivo tirei a ‘bôca’, quando o beijo ainda não tinha terminado e fiquei chateada o resto do filme.

Na saída ‘êle’ tocou no assunto dizendo: “Nêsse filme a única coisa que gostei foi você não ter me deixado acabar de te dar o beijo, vou p/ casa complexado!

Então eu respondi: “É, por isso que você gosta de ir tanto ao cinema!”

Então ‘êle’ disse: “Você não devia ter dito isso, e eu: “você é que não devia ter tocado, ‘nêsse’ assunto não se toca!” Ele disse: “Beijo se dá ocasionalmente no cinema, ou não precisa se ir ao cinema p/ se beijar.

Quase que brigamos, pois os dois se portaram mal, eu não devia ter respondido daquela maneira e ‘êle’ não devia tocar no assunto.

Ma 5ª. ele me telefonou, quase se desculpando.

V             Sábado foi a festa da “Cipa” (15 anos) e nós fomos, as ‘garôtas’ acharam ‘êle’ um show, mas ‘êle’ estava mesmo muito bonito de terno cinza-escuro, ‘dansamos’ muito, ‘êle’ não ‘quiz’ ‘dansar’ a valsa, nós quase não paramos, todo mundo notou que somos muito calados.

Micha estava lá com a Léa e só ficou olhando p/ mim.

VI           Domingo combinamos de ir à Hebraica e antes ao cinema, ‘êle’ disse que só ia ao cinema comigo por uma concepção especial, então eu disse que não precisava, mas fomos.

Fomos ver os “Vikings” no São Luiz, nem me deu a mão, tudo por causa do que eu falei do beijo.

Fomos à Hebraica, ‘dansamos’, quase de rosto colado; depois conversamos e ‘êle’ me disse que sua mãe era Goi, fiquei um pouco chocada, mas ‘êle’ me disse que sua mãe fazia questão que ‘êle’ fosse judeu e seu pai é muito religioso.

‘Êle’ tem duas irmãs, uma de 23 anos, morena e outra de 22 anos, loura.

Viemos p/ casa e ‘êle’ me disse que eu era muito receosa, pois eu tinha tirado a ‘bôca’, mostrei que não gosto ‘dêle’, e eu lhe respondi que ‘aquêle’ foi meu primeiro beijo e ‘êle’ disse: 1º. não, porque eu não acabei!”

Na verdade, eu não sei se gosto ‘dêle’, só sei que quando ‘êle’ não sai comigo ou não me telefona, eu sinto muito.

VII          Meu 1º. Beijo ou meio beijo, não senti nada, mas 5ª. feira (3ª. semana) saímos juntos, fomos dar uma volta e depois ao cinema e no cinema eu estava pedindo um beijo na ‘bôca’, mas ‘êle’ não deve ter notado, fomos ver no Copacabana “O mar é nosso túmulo”. Nesse dia ‘êle’ telefonou 8h p/ dizer que não ia sair, 8,30h telefonou dizendo que queria sair, lá não sei porque ‘êle’ mudou, talvez p/ ver minha reação.

 

 

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