Outubro Itabirano. Crônicas da Itabira do Matto-dentro Imperial – 1864 – História de Juízes. Carta à V. M. Imperial
Imperador D. Pedro II.
Acervo BN-Rio Pesquisa: Cristina Silveira
À S. M. O IMPERADOR
Publicação a pedido. Itabira, 9 de fevereiro de 1864. Senhor, se o verdadeiro cristão só encontra na religião moderação para o desespero e lenitivo para a desgraça, o brasileiro só no trono de V. M. Imperial encontrará abrigo às perseguições, e confiando ao coração paternal de V. Majestade seus sofrimentos, só assim poderá achar um paradeiro às arbitrariedades de uma autoridade que se diverte em agredir a velhice, a liberdade e a propriedade de inocentes.
Eis senhor, a razão porque Antonio dos Santos Ribeiro, do município da Itabira de Matto-Dentro, em Minas, tendo apresentado sem efeito sua queixa ao delegado do governo de V. M. Imperial, vem repetir as mesmas mágoas perante o pai comum dos brasileiros, e se não requer a punição do juiz Municipal e de Órfãos do mesmo termo, o bacharel João Coelho Linhares, autor de seus sofrimentos, suplica ao menos a segurança dos poucos dias de vida que lhe restam e a paz de espírito, se é que ainda pode haver para quem tem sofrido tanto, e continua a sofrer, como melhor passa a expor com a representação abaixo transcrita:
“Ilmo. Exmo. Sr., Já no último quartel da vida, sem relações com os homens mais importantes, e mais que tudo não sendo presentemente uma influência política, sei que dificilmente serei ouvido, mas certo de que V. Ex. como delegado de um governo constitucional tem por obrigação fazer justiça e proteger aos mineiros, eu me animo a levar ao conhecimento de V. Ex. as violências de que tenho sido vítima de maio próximo passado para cá.
Sem outros recursos, além de meu trabalho, começando pobre, consegui uma fortuna medíocre, que me tem posto ao abrigo das primeiras necessidades, pois possuindo algumas terras, escravos e criações, vivo nesta fazenda sem ser incomodo a pessoa alguma, respeitando as leis do país, tendo um nome e uma reputação sem mancha, mas para minha infelicidade o marido da minha filha única, não tendo bom sistema, contraiu várias dívidas pela facilidade com que lhe fiaram credores, e irritado contra a divina providência, por me ter concedido mais alguns anos de vida além de sua vontade, lembrou-se do remédio de pôr-me uma curatela, dizendo a todos que venderia meus bens, fazenda, escravos e criações, e assim me iria fornecendo o escasso pão cotidiano até que eu com semelhante choque apressasse meus dias.
De fato, requereu ao dr. Juiz dos Órfãos, João Coelho Linhares, e este com a precipitação e ignorância que o caracterizam em quase todos os seus atos, ordenou que se começasse por um exame médico em minha pessoa e dentro de minha fazenda!
E imediatamente para aqui se dirigiram o dito meu genro com o escrivão dos Órfãos, e como no caminho lhes fizessem ver que cometiam uma imprudência, procurando a minha casa para me fazerem mal, e que eu poderia resistir, voltaram, dizendo que iam buscar a polícia, e de fato nesse mesmo dia o dr. João Coelho Linhares, abalando toda cidade da Itabira, requisitando a Guarda Nacional e o destacamento aqui existente, com quarenta praças armadas dirigiu-se para aqui.
E como eu fosse avisado para prevenir os insultos e violências de que poderia ser vítima, deixei minha fazenda e refugiei-me no mato, e ele apenas chegou com a força armada, não encontrando se não meus escravos no serviço da fazenda e aos quais eu havia recomendado toda atenção e humildade, entrou na casa e procedeu a uma busca rigorosa, não escapando parte alguma, pois procuraram-me mesmo nas caixas, canastras e gavetas, chegando o escrúpulo a ponto de me buscarem mesmo dentro de alguns garrafões e garrafas que eu tinha sortidas de vinho, e como houvesse alguém que supusesse me ter visto no meu escritório, que se achava fechado puseram dois guardas na porta e outros dois de baionetas caladas na janela de fora, e o arrombariam, como era seu intento, se uma minha escrava não apresentasse imediatamente a chave.
Não tenho conhecimento das leis, mas ouço dizer que a nossa Constituição garante os direitos civis dos cidadãos, garante o direito de propriedade em toda sua plenitude, e que todo cidadão tem em sua casa um asilo inviolável. Entretanto minha fazenda está num canto fora da estrada, não sou criminoso, nem oculto delinquentes, objetos roubados, furtados ou havidos por meios criminosos, até o presente vivo na obscuridade de, porém com a franqueza do homem sem crimes ou culpas graves.
Com quanto me ache muito chocado com a violência que acabo de sofrer, e portanto já nas proximidades da morte, contudo levo o exposto ao conhecimento de V. Ex. para me segurar os últimos dias de vida que me restam, pois meu único crime para com meu genro e seus credores é ter uma fortuna e estar custando a morrer.
Deus guarde a V. Ex. – Fazenda das Pacas Abaixo, 2 de junho de 1863 – Ilmo. e Exmo. Conselheiro, presidente da Província de Minas – Antonio dos Santos Ribeiro. [Constitucional (RJ), 22/2/1864. BN-Rio]
Já vi recentemente um caso deste, em que o pai saudou dívidas do filho por conta de que o crédito foi cedido a este em confiança da responsabilidade do pai.
E nestes casos no século XIX ocorria uma verdadeira extorsão dos bens familiares, colocando-os em leilão por hasta pública sem direito a defesa por parte do pseudo fiador.