Obra hídrica em Itabira contratada sem licitação levanta questionamentos na gestão de recursos de multas ambientais pelo MPMG

O novo anel hidráulico é parte do TAC Rio Tanque, como compensação pelo impacto da Vale sobre as águas de Itabira, que inviabilizou o uso dos aquíferos para abastecimento público

Foto: Carlos Cruz

Contrato é de R$ 9,9 milhões com a empresa HR Domínio para construção de novo anel hidráulico, com intermediação da Savi

A assinatura do contrato de R$ 9,97 milhões com a construtora HR Domínio, para construção de um anel hidráulico em Itabira, com intermediação da Sociedade Ambiente Vivo Itabira (Savi) – e com recursos de multas aplicadas pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), levanta dúvidas, não esclarecidas, sobre a condução e a transparência do projeto.

Embora apresentado como solução para integrar os sistemas de abastecimento e viabilizar a distribuição da água captada do Rio Tanque, não está claro se trata da construção de um novo anel hidráulico ou da complementação do já existente, implantado em 2019 pela gestão do ex-prefeito Ronaldo Magalhães (2017-2020).

A promotora Giuliana Talamoni Fonoff, procurada pela reportagem, afirmou não ter informações sobre a existência de um anel com a mesma função, apenas indicando que a obra foi solicitada pelo Saae para garantir a eficiência do projeto do Rio Tanque.

Intermediação da Savi e ausência de chamamento público

Outro ponto que causa estranhamento é a escolha da Savi como entidade intermediária do projeto, assim como a contratação da empresa HR Domínio sem qualquer chamamento público ou processo de licitação transparente.

“Por se tratar de entidade privada, não podemos falar propriamente em licitação. A Savi foi escolhida por ser parceira antiga do MPMG em Itabira e por ter apresentado o projeto na plataforma Semente”, respondeu à reportagem a promotora Giuliana Fonoff, curadora do Meio Ambiente na Comarca de Itabira.

Ainda segundo a promotora, os recursos alocados pela Vale para a obra são provenientes de multa pelo descumprimento parcial do TAC do Rio Tanque. “A Savi é entidade de terceiro setor, com ação na área ambiental, não possuindo relação com a Vale”, assegurou.

A Plataforma Semente é uma iniciativa do MPMG criada para garantir transparência, democratização e segurança jurídica na destinação de recursos oriundos de medidas compensatórias ambientais, como multas e acordos judiciais.

Por essa plataforma virtual de acesso público, organizações da sociedade civil podem cadastrar projetos socioambientais relevantes para serem avaliados e eventualmente contemplados com recursos indicados por promotores de justiça.

Apesar de seu objetivo declarado de ampliar a participação social e garantir boas práticas na gestão de recursos ambientais, a plataforma não realiza licitação nem promove concorrência pública para a execução de projetos.

Assim, a escolha da Savi para executar a obra hídrica em Itabira, por exemplo, foi justificada pelo MPMG com base na apresentação do projeto pela entidade nesta plataforma Semente, sem que outras organizações fossem convidadas ou tivessem oportunidade de participar dessa parceria.

A Savi é uma organização social, fundada em 2005 por técnicos ligados à mineradora Vale. É tratada pelo MPMG como “parceira de longa data”, como é também parceira da mineradora em projetos diversos de ação ambiental desde a sua fundação, tendo essas ações sido citadas e exaltadas na publicação Vale Notícias, informativo impresso da mineradora que circulou até o ano de 2016.

Disputa no Codema

A entrada da Savi no Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (Codema) apenas neste ano, após duas décadas de existência, também levanta dúvidas sobre o momento e a motivação desse seu interesse e sua ascensão institucional.

A entidade venceu a disputa por uma cadeira titular contra a Cáritas Diocesana, que vinha se posicionando de forma crítica à atuação da mineradora na cidade. A eleição foi contestada pela Cáritas, que apontou irregularidades no processo, como votos de conselheiros não empossados e que não são do segmento — denúncia que não foi acatada pelo órgão ambiental municipal.

A participação da Savi no Codema coincide com seu protagonismo nesse projeto financiado pela Vale e articulado pelo MPMG. Questionada sobre como se deu a escolha da Savi, como já citado, a promotora simplesmente respondeu que a entidade apresentou o projeto na plataforma Semente.

Sobre a licitação vencida pela HR Domínio, o MPMG afirmou que “por se tratar de entidade privada, não podemos falar propriamente em licitação”.

A afirmação ignora o fato de que os recursos, embora repassados pela Vale, são fruto de obrigações legais decorrentes de um TAC – portanto, vinculados ao interesse público, inclusive envolvendo uma autarquia municipal, o Saae.

Respostas incompletas e omissões

A reportagem encaminhou sete perguntas ao MPMG e à Vale. Algumas foram respondidas de forma objetiva, outras com evasivas, e outras sequer foram abordadas.

A promotora Giuliana Fonoff negou qualquer relação entre a obra do anel hidráulico e o projeto ferroviário que afetará a rodovia 105, embora haja sobreposição geográfica entre os traçados. Ou não, já que se trata de “um novo anel (alça) hidraúlico”.

Também não explicou por que a Savi, e não o próprio Saae ou a Prefeitura, foi encarregada de conduzir a contratação da empreiteira.

A Vale, por sua vez, confirmou que firmou esse novo TAC com o MPMG, conforme segue, na íntegra:

“A Vale informa que firmou, em 2020, um Termo de Compromisso com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), aditado em 2024, que prevê o repasse de R$ 14,56 milhões para projetos socioambientais em Itabira (MG), conforme indicação do próprio MPMG.

Entre os projetos indicados pela Promotoria para custeio pela Vale, está a melhoria do sistema de distribuição de água no município, com foco na viabilidade da integração da água do Rio Tanque.”

“Para essa finalidade, o MPMG indicou que a Vale destinasse o valor de R$ 10,98 milhões, sendo que a realização do projeto, a licitação das obras e a operacionalização do empreendimento são de responsabilidade da Savi/Saae, com acompanhamento do MPMG, cabendo à Vale apenas o repasse dos valores”.

Histórico e expansão do sistema hídrico

O primeiro anel hidráulico foi construído durante a gestão do ex-prefeito Ronaldo Magalhães, com obras iniciadas em agosto de 2019 e testes realizados em maio de 2020.

O investimento foi de R$ 5,8 milhões, sendo R$ 2,4 milhões para execução e R$ 3,4 milhões para aquisição de mais de seis mil metros de tubos de ferro fundido.

A estrutura interligou os sistemas Gatos, Pureza, Três Fontes, Areão e Rio de Peixe, conectando o reservatório do bairro Campestre à adutora do Areão e aos reservatórios dos bairros Juca Batista e Fênix.

Segundo o ex-prefeito, o sistema permitiu acrescentar 100 litros por segundo ao abastecimento, “sendo considerado o início de uma nova fase hídrica para Itabira”.

Com o novo anel hidráulico, ou com a complementação do atual, e concluídas as obras de captação, adução e tratamento da água do Rio Tanque, segundo projeções do Saae, vai adicionar até 700 litros por segundo ao sistema, com expectativa de abastecimento garantido por até 40 anos.

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1 Comentário

  1. Porque o SAAE não esclarece este assunto?
    É muito relevante para a população itabirana.
    No meio técnico é sabido que se trata da complementação do anel hidráulico, ou seja, no governo do Ronaldo Magalhães o projeto contemplava a interligação entre os sistemas Gatos, Pará e Areao.
    Para interligar ao sistema Fênix/Juca Batista havia a necessidade de algumas melhorias. Apesar do sistema executado ter um ramal para o Fênix, ele não atenderia satisfatoriamente.
    Muito importante também fazer a interligação com o sistema Bela Vista/Campestre e chegando até o bairro Praia, formando assim o anel hidráulico.
    Já havia estudos avançados sobre estas interligações e provavelmente projetos, no mínimo, básicos…
    A execução desta obra é fundamental para se falar em “redenção” do problema de falta d’água em Itabira; pois é sabido por todos que a “falta” acontece em alguns bairros…
    Sendo esta obra de execução mais rápida que a captação do Rio Tanque pode acontecer de boa parte da população que sofre com constantes falta d’água já tenha um alívio significativo.
    Há mais detalhes que o SAAE poderia(deveria?)esclarecer a toda a população.

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