O vasto mundo de Paulo Autran e Tônia Carrero

O ator Paulo Autran é entrevistado pelo jornalista Carlos Cruz, em agosto de 1990, para o jornal O Cometa Itabirano

Fotos: Taquinho Silva

Ator e diretor, bom ator e bom diretor. Ele é Paulo Autran (1922/2007), que Carlos Cruz entrevistou, juntamente com Tônia Carrero (1992/2018), eterna bela senhora. Os dois, ator e atriz, estiveram em Itabira e Belo Horizonte apresentando a peça Vasto Mundo, em julho de 1990, com poemas de Carlos Drummond de Andrade.

A peça tem participação especial do ótimo grupo vocal Garganta Profunda. Na entrevista Paulo Autran fala de Drummond e da ligação intrínseca entre o provinciano e o universal. E faz crítica mordaz à política cultural do Ipojuca Pontes (ex-ministro da cultura, n.r.) e a fragilidade do presidente Collor (1990-92), que prefere karatê e submarinos a uma boa leitura

Será que o presidente já leu algum livro em sua vida? Responda Marília Pêra. Ah, mas antes vamos às entrevistas. (O Cometa, em agosto de 1990)

O Cometa: Por que montar uma peça com textos de Drummond?

Paulo Autran: A minha vida inteira eu passei lendo Drummond. Para a peça eu reli Drummond, procurando o que ficasse bem em palco. Porque existem poemas deslumbrantes que não são assim dizíveis. A minha única ação ao fazer o roteiro foi atingir as pessoas que ouviram falar em Drummond, mas nunca pegaram um livro dele para ler.

O objetivo foi atingir pessoas que não sabem identificar um verso de Drummond, que não sabem o que é poesia. A intenção foi fazer com que essas pessoas ao saírem do espetáculo, descubram um pouco de Drummond e, quem sabe? – passem até mesmo a consumir mais a belíssima obra do poeta.

Eu escolhi para o espetáculo os poemas mais simples e, claro, alguns inéditos que pouquíssimas pessoas conheciam, como alguns eróticos. Outra preocupação foi também em não declamar Drummond. Isso porque no Brasil, em geral, a poesia é declamada, decorada sem que se saiba realmente o que está declamando. A nossa preocupação foi procurar aquilo de Drummond que mais se adapta ao teatro.

O Cometa: Para a professora Graça Lima, da Faculdade de Letras de Itabira, a montagem da peça Vasto Mundo desmitifica Drummond, fugiu das mesmices dos dados referenciais biográficos conhecidos…

Paulo Autran: Que ótimo que ela achou isso. Nosa preocupação foi popularizar um pouco mais a obra do poeta. Aliás, eu quero registrar a nossa alegria de ter apresentado aqui na terra de Drummond.

Eu imaginava Itabira bem longe de BH. A cidade foi para mim sempre uma curiosidade, uma vez que Drummond a ela se refere tantas vezes em sua obra. Só que o público itabirano riu muito pouco durante o espetáculo, mas por favor, não publique isso.

O Cometa: Por falar nisso, o universal e o provinciano estão bem presentes na obra de Drummond…

Paulo Autran: Você vê que cada vez mais a questão da universalidade está relacionada ao entender bem as pessoas que te cercam e o lugar em que você vive em profundidade. Se você examina as pessoas e entende as pessoas que o cercam em profundidade, aí sim, existem as condições para fazer uma obra universal.

Foi isso que Drummond cansou de fazer. Os poemas dele, como o que você me apresentou (Nota da redação: O Maior Trem do Mundo, publicado originalmente n’O Cometa em julho de 1984), que falam de Itabira, dos problemas da cidade, são poemas universais.

O Cometa: Vamos cair na política cultural, mas sem sacar o revólver. E o Ipojuca, como vê a política cultural de Collor?

Paulo Autran: Engraçado, há pouco tempo eu soube que o Ipojuca Pontes estava muito contente porque inaugurou uma exposição de artes plásticas com pinturas de funcionários públicos, com custo zero aos cofres federais. Se a política de Collor vai ser essa, vai ser muito triste.

É muito engraçado ver um presidente que, antes de assumir a presidência, disse que pretendia tirar o Brasil do 3º mundo e leva-lo para o 1º mundo. Para isso ele precisa entender que a cultura é essencial a qualquer país e que só elevando o país a um patamar culturalmente mais elevado pode atingir essa finalidade.

O presidente está atrasadíssimo, porque até agora sob o ponto de vista cultural ele nada fez. O presidente gosta de esportes, se exibe todos os domingos, mas ele jamais teve a vaidade de dizer que leu um livro ou assistiu uma peça de teatro.

Seria ótimo para a cultura brasileira o presidente dizer que, neste domingo, não irá praticar esporte porque vai se dedicar a ler um livro.

O Cometa: O ex-presidente Sarney, que se diz poeta, membro da Academia Brasileira de Letras, também não tinha uma política cultural. Só a Lei Sarney.

Paulo Autran: A Lei Sarney era uma ótima lei. Dizem que foi algumas vezes mal aplicada, eu não sei. Agora, uma lei não pode ser criticada porque foi mal aplicada, pois pode ser melhor regulamentada. O Collor simplesmente acabou com ela e nada colocou em seu lugar.

Eu sei que há pouco tempo montava-se uma peça com um empréstimo que era pago com a bilheteria. Eu, por exemplo, não tive um patrocínio cultural total para uma peça minha, mesmo com a Lei Sarney. Então, para mim nada mudou, continuo a montar teatro com o meu dinheiro para depois ser reembolsado pelo público.

Agora, eu não entendo como política cultural dar dinheiro. Eu acho que o governo tem que ter uma política cultural para desenvolver atividades culturais no país, com a finalidade de facilitar ao povo o acesso aos bens culturais.

Não é dar esmola a ninguém, mas sim estudar a melhor maneira de facilitar ao povo o acesso à cultura, de democratizar a cultura.

O Cometa: Como está o teatro brasileiro hoje com essa ausência de política cultural?

Paulo Autran: O teatro é uma das atividades culturais que menos está sofrendo com o plano Collor (que confiscou a poupança do brasileiro, n.r). O teatro no Brasil é muito barato e com isso o público continua indo assistir as peças. Os sucessos que estavam em cartaz, continuaram fazendo sucesso mesmo depois do plano Collor.

O Cometa: Mas isso só está acontecendo no eixo Rio-São Paulo, fora daí, não…

Paulo Autran: Engano seu. Olha, eu talvez seja um dos atores que mais viajou o Brasil inteiro. Há seis anos tenho estrelado minhas peças no eixo Rio-São Paulo e depois percorrido as principais capitais brasileiras.

Sempre que eu tenho uma boa peça, viajo, e a receptividade tem sido muito boa, com grande sucesso de público nas principais capitais dos estados brasileiros.

O Cometa: A televisão ajuda ou atrapalha o teatro brasileiro?

Paulo Autran: Quando alguém que é nome na televisão e monta um bom espetáculo, ele é sucesso. Quando um bom ator na televisão apresenta um espetáculo ruim, ele é um fracasso total.

Não é a televisão que vai definir o sucesso. Eu lotei teatro sem fazer novela, continuei lotando teatro enquanto fazia novela e não senti que o público tenha aumentado. O que aumentou foi a minha popularidade.

Quando as pessoas me reconhecem na rua, em geral nem sabem o meu nome. Me chamam pelos nomes de meus personagens nas novelas. E o que fazer com a popularidade? Na maioria das vezes a popularidade é uma coisa muito chata.

O Cometa: A tietagem deve ser uma situação muito chata…

Paulo Autran: Claro, é desagradável. Esse negócio de ficar pedindo autógrafo após o espetáculo, isso não me agrada. Eu não sei qual é a validade de o ator fazer televisão e achar que isso vai reverter em sucesso no teatro, porque não é verdade.

Para o ator, ele só exercita sua profissão no palco. Na televisão ele dá o que tem e nada recebe de volta artisticamente. No palco sim, ele pode aprofundar o seu personagem, ele se exercita na arte de interpretar e aprofunda os seus meios de comunicação com o público.

Então, veja: não há nenhum grande ator da televisão que não seja também do teatro, todos fazem ou fizeram teatro.

O Cometa: E a novela brasileira, como anda depois que passou a ter concorrência?

Paulo Autran: A novela brasileira é de boa qualidade, tanto que é exportada. Eu estava na Austrália e assisti a Escrava Isaura. Agora, mesmo com todo esse nível elevado da novela, é preciso discutir a qualidade do texto da novela, o seu alcance literário ou sob o ponto de vista de aprofundamento psicológico, o que não tem sido a preocupação das novelas.

A novela é apenas uma diversão. Faz tempo que eu não vejo novela, mas sei que a Pantanal (novela de sucesso da extinta TV Manchete, em 1990, n.r) está muito bonita, o autor é um homem muito inteligente (Benedito Ruy Barbosa, n.r).

O engraçado – e isso é muito bom – é que o nu na novela Pantanal não está chocando, está todo mundo achando lindo. O que me dizem é que o nu em Pantanal, o sexo, é fruto de amor, de um relacionamento que está na Bíblia, onde diz: “crescei e multiplicai-vos”.

Como é que a gente pode multiplicar sem ficar nu e fazer sexo, meu Deus? A humanidade sempre cultivou o nu em todas as épocas. A qualidade e o tipo o nu é que variam.

Eu acho que, para a maioria da juventude de hoje, as mulheres nuas de Renoir são apenas mulheres obesas. Mas isso é só uma questão de gosto. O nu em Pantanal está agradando a gregos e troianos.

Tônia Carrero e o segredo de se manter jovem

A atriz Tônia Carrero

O Cometa: Como vocês decidiram montar a peça Vasto Mundo?

Tônia: Foi a partir de um evento sobre Machado de Assis, na inauguração da Fundação Cultural do Branco do Brasil, no Rio, o mais importante espaço cultural do país.

Foi aí que o neto de Drummond, Pedro Graña Drummond, que é meu amigo de muitos anos, filho de Maria Julieta, me procurou.

Ele me disse que estava interessado em produzir um evento com as poesias do avô, com poesias e musicais e me perguntou se eu o ajudaria.

Imediatamente eu liguei para o Paulo Autran. Entramos em contato com o Pedro que nos passou todo material, inclusive material inédito. E Paulo levou entre dois e três meses selecionando. Depois foi um mês e meio ensaiando com o Garganta Profunda ( Grupo vocal que fez história nos palcos fluminenses (e brasileiros) nas décadas de 1980 e 1990), 

O Cometa: Por sinal um grupo vocal maravilhoso…

Tônia: Que coisa linda! Inclusive o maestro, o Marcus Leite, musicou coisas lindas especialmente para essa peça, como a Pedra no Meio do Caminho, Resíduo. Drummond agora está na nota de CR$ 50,00, popularizou-se, né?

O Cometa: Encontraram uma forma de desvalorizar Drummond rapidinho.

Tônia: Já não vale nada. Desvalorizou depressa, tadinho

O Cometa: Vamos falar do Drummond sensível à questão da mulher, que vocês passaram com muito humor na peça.

Tônia: Ah, no Caso do Vestido, por exemplo, né? O Caso do Vestido é a mulher mineira submissa e que quando o marido volta para ela, corre de braços abertos. Aí a acalentava saber que o homem voltou para casa.

Agora você se esqueceu a crítica dela: o marido tem direito a tudo como sempre e nem está mais nela. A mulher mineira tratada por Drummond protesta calada e conta para as filhas o que sente.

O Cometa: E a reportagem da Veja que apresentou com grande estardalhaço a namorada de Drummond, a Lígia. O que achou?

Tônia: Eu só tomei conhecimento pelo que se escreveu. É a vida particular dele. Se Drummond conseguiu embelezar a vida com mais amores do que a gente sabia, é porque isso foi bom.

O Cometa: Tônia, você está muito bonita e não deve ser só leite da Davene (creme facial, para o qual fazia propaganda na TV) e nem só malhação. O que é? Muito amor na vida?

Tônia: Esse amor a que você se refere, eu o tenho dedicado exclusivamente aos meus netos. Eu tenho comido muito e acabei descuidando um pouco. Preciso voltar a me cuidar.

O amor, em todas as suas formas, nos ajuda a sentir a vida, a passar os anos e não se desgatar.

 

 

 

 

 

 

 

 

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