O sonho

Amanda Drumond*

Ontem à noite me aconteceu uma tragédia alarmante.

Passei entre móveis, buzinas e delírios, assustei-me, e logo o espelho caiu.

Ele não era novo, já havia mostrado a mim as rugas do pescoço.

Ele não era velho, sua moldura mostrava um design arrojado.

Mas não importava mais, já estava nas embalagens para descarte.

Arte: Amanda Drumond

Desde ontem, meu pensamento ficou na minha última visão do espelho, antes dele fragmentar meus sonhos no chão.

Minha revolta agora é tamanha, ele quebrou os traços que eu gostava.

Deu-me um sentimento de remorso misturado com azar.

O que me acontecerá, se a superstição não errar?

Já sei, vou colar os cacos, os pedaços com técnicas milenares, com massa, fita, ou até grude.

Mas não vai voltar a mesma imagem apressada e bela que eu vi ontem.

Ela não é mais, não está mais, nem existe mais, se quebrou.

Está agora remendada, juntada em cacos mal encaixados.

Sua moldura ainda intacta, meus compromissos atrasados.

Não confio no que vejo agora, me incomoda, a luz passa por fora.

Escuto novamente buzinas, os motores me fazem medo.

O trem ao longe apita, e eu estou aqui, em uma cama aflita.

O espelho como ontem no armário, sonhei com o passado. E o sonho acabou.

*Amanda Drumond é escritora, poeta brasileira contemporânea, conhecida por sua escrita sensível e marcante. As suas poesias, crônicas e contos abordam temas como amor, feminilidade, empoderamento e autoconhecimento, muitas vezes explorando a dualidade entre força e vulnerabilidade.

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