O rei voltará. Mas os súditos não veem que ele está nu

Mauro Andrade Moura

Era passado o ano de 1578 e na Batalha de Alcácer-Quibir, em Marrocos, desaparece o rei português D. Sebastião.

O rei era solteiro e não deixou geração. Na sequência deste fato, assume o trono seu tio-avô, o Cardeal Henrique de Portugal, e, com a morte deste em 1581, toma de assalto o reino português Filipe I de Espanha, primo de D. Sebastião, sendo preterido D. António, Prior do Crato, outro primo do rei desaparecido, principalmente por ser filho de uma judia.

Cria-se aí a lenda “o rei voltará” numa manhã de nevoeiro.

A retomada ou restauração do reino português ocorreu a 1º de dezembro de 1640 com a tomada do poder por D. João IV, pondo fim aí a dinastia dos Avis e iniciando a da Casa de Bragança, da qual descendem milhares de brasileiros, mesmo não sabendo sê-lo um Bragança.

Essa busca do retorno ou surgimento de um novo rei deixou de ser perseguida em Portugal há muito tempo, porém, perdura eleição após eleição no Brasil.

O último grande fato da procura do “rei” ocorreu em Canudos com as palavras de Antônio Conselheiro, quando ele vaticinava que “o rei voltará”!

Embora, tendo o morticínio de Canudos – BA, promovido pelo exército brasileiro em 1897, essa busca é infinda ao brasileiro.

Em 1930 foi assim com o assassino Vargas, o salvador da pátria e pai dos pobres. Deu no que deu, uma ditadura que só terminou com os ventos vindos da guerra mundial contra o fascismo, do qual Vargas era adepto.

Em 1964 foi a vez dos milicos, Travaram a suposta e nunca comprovada onda vermelha comunista. E adveio outra ditadura que perdurou 25 anos, só findando pra valer com a promulgação da atual Constituição a 03 de outubro de 1988.

Em 1989 assistimos a caravana do Collor de Melo – e era o novo salvador da pátria, uma lástima…

Em 2018 tivemos a infelicidade de ver a campanha eleitoral presidencial ser tratada entre o “bem” e o “mal”. Designaram um novo salvador da pátria e está aí esse panorama funesto nacional, uma propagação sem fim de um desgoverno entremeado por notícias faltas a bagunçar todo o cenário nacional.

No cenário municipal, em Itabira, temos assistido essa mesma lenda do “rei voltará”.

Em 1958/59 surgiu um jovem candidato contra os vícios de velhos mandatários. Foi com ele que ocorreu a derrota acachapante do PSD para a UDN, pondo fim a um período sombrio de mais de duas décadas patrocinado inicialmente pelo ditador Vargas.

Na eleição de 2000 para prefeito assistimos a uma propaganda semelhante. Era a oposição desbancando o governo, o qual perdeu a reeleição por total inépcia do mandatário.

Este que seria o “rei” que voltou. Mas ele simplesmente consumiu todo o legado e o saldo deixado pelo antecessor, resultando daí a sua primeira cassação eleitoral.

Na campanha de 2012, novamente veio o sentido do “rei voltará”. Parecia a eleição de um candidato só; tão só, que passou quatro anos entre desmandos e devaneios. Este “rei” hoje está só!

2016, nova eleição municipal, ressurgi das cinzas lamacentas aquele mesmo “rei” da eleição de 2000. Retira-se o “rei” de 2012 e remonta ao trono o atual e sua antiga “corte”, que busca a sua reeleição para este pleito municipal de 2020.

Deste governo municipal de 2017 a 2020, o atual “rei” recebeu nova cassação, portanto, já somam duas cassações e inúmeros processos em sua carreira política e mesmo assim o tal continua à baila podendo e recebendo votos dos incautos eleitores.

Nesta eleição de 2020, temos aí a nova figura do “rei voltará”.

Os eleitores desprezam as carreiras e propostas dos diversos candidatos a prefeito de Itabira. Centralizam suas intenções de voto no “bem” contra o “mal”, nessa forma maniqueísta e retrógrada de ver e analisar a política. E assim ficamos com uma eleição polarizada em dois candidatos.

Infelizmente as plataformas dos candidatos não são bem apresentadas, muito menos debatidas e entendidas. O ensejo é a posse do cargo de prefeito não importa em que condições e às custas de tantas mentiras e descasos para os verdadeiros problemas municipais.

Aqui não se falou em poluição ambiental. As barragens imensas de rejeitos passaram à margem do debate. Elas não importam. Para o rei são todas seguras, ele não mora próximo de nenhuma delas.

E o entendimento do polpudo orçamento municipal também passa à margem da campanha. A cidade é esse amontoado de coisas ruins, malfeitas, mal acabadas e muito mal cuidadas.

Haveria de ter um segundo turno eleitoral. Assim, creio eu, o debate político melhoraria o nível e os eleitores poderiam expressar seu real desejo. E votaria no candidato que verdadeiramente se identifica, que deseja ou confia. E não só nessa visão do bem contra o mal, restringindo-se aos mercadores de ilusão.

Se o rei voltar, será como a história que se repete como farsa. E que pode acabar em tragédia, com as perdas que já são incomparáveis. E que tendem a aumentar com as maquiagens mal feitas.

O panorama é deprê, triste na Cidadezinha Qualquer – e a luz no fim do túnel é obscura. O rei está nu, mas os seus súditos não querem ver.

 

 

 

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3 Comentários

  1. Uma ótima análise política. Em Itabira tem o NOVO e o NOVO é a Idade Média.
    Aqui estou em situação difícil para o cargo na prefeitura, mas já decidi para o primeiro turno, voto com o PCO, Henrique Simonari.

    1. Olá, Cristina.
      Pelo menos em cidade grande vocês têm a opção de votar em quem realmente querem no primeiro turno a se discutir o segundo turno.
      Isto do NOVO, aqui já ficou enfadonho de VELHO!
      Grato pela leitura,
      Mauro

  2. Uma crônica muito bem escrita, uma análise da história política do Brasil e Itabira , desde os tempos da República Velha. Incrível como sebastianismo vive dentro do povo brasileiro, como é importante esta sublimação da realidade para dar esperança a esta gente tão humilde e carente. Gostei muito da crônica, li com prazer e muito.obrigado .
    Abraços,
    Altamir

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