O novo tesouro do turismo itabirano aos olhos cegos do direito constitucional reivindica ações imediatas 

Por Carlos Henrique Moura Andrade*

A comunidade da Serra dos Alves é um pequeno vilarejo localizado na vertente leste da Serra do Espinhaço. Surgiu no ano de 1850 quando os bandeirantes exploravam ouro e cristais na região.

Atualmente residem em torno de 100 pessoas no povoado. Em meados de 2005 a região começou a se destacar pela grande variedade de atrativos naturais, com cachoeiras, grandes formações rochosas, cânions, trilhas. Todo esse acervo natural possibilitou o crescimento de inúmeras práticas do turismo de aventura.

Tudo isso parece tão lindo quanto intocado, mas a comunidade assim como os turistas sofrem com o descaso do poder público no que se refere ao acesso aos direitos previstos na Constituição Brasileira.

O crescimento aos olhos do turismo trouxe para a Serra dos Alves um número muito alto de visitantes, proporcionando a especulação imobiliária e o crescimento desordenado do perímetro urbano.

Prevendo a situação e na tentativa de amenizar o impacto deste crescimento, ainda por volta de 2005, a extinta Associação de Amigos e Moradores da Região da Serra dos Alves (ASA) encaminhou uma série de denúncias ao Ministério Público, assim como propôs junto à Prefeitura de Itabira a implantação do Plano Diretor para a delimitação do Perímetro Urbano e outras regras para as futuras e prováveis construções.

Mesmo aprovado, o Plano Diretor e suas condicionantes, pelo que se observa, tornou-se uma a legislação sem efeitos práticos. Até aqui não passa de mais uma burocracia engavetada e dessa forma acaba atendendo aos interesses particulares. Não há fiscalização.

Essa ausência da fiscalização não é somente em relação às construções e loteamentos irregulares. Ocorre também a omissão da fiscalização da Prefeitura no que diz respeito ao turismo, que queremos sustentável, mas que fica prejudicado com as práticas e instalações daqueles que possuem atividade comercial, de aluguéis, faltando com respeito aos costumes e à cultura local.

Há pouco mais de cinco anos, Serra dos Alves se tornou um dos principais atrativos turísticos de Minas Gerais. Essa situação foi potencializada ainda pelos programas televisivos, de internet e também pelos investimentos nas estradas, assim como pela divulgação da Prefeitura.

Demandas locais

Povoado bucólico e hospitaleiro, Serra dos Alves preserva tradições e espera respeito do turista (Fotos: Carlos Moura Andrade e Carlos Cruz)

Calçaram as vias públicas, construíram um Centro de Atendimento ao Turista (sem funcionamento) e asfaltaram os morros mais fortes da estrada. Com esses investimentos vieram também algumas oportunidades para qualificação dos moradores, como algumas palestras, cursos de empreendedorismo e outras atividades afins. Foram atividades interessantes, abordando questões referentes à mobilidade, acesso à saúde, telefonia, segurança, saneamento e outras necessidades básicas.

Mas não há como falar em segurança e não lembrar que em 2020 perdemos por feminicídio a nossa querida Natiene, de 14 anos. Naquela ocasião, a viatura da Polícia Militar só chegou à nossa comunidade oito horas depois de o corpo da adolescente ter sido encontrado. A prisão do suspeito só foi possível diante das ações de boa parte dos moradores locais ao impedirem que deixasse a comunidade.

E não há como se falar em turismo sem acesso adequado. Não se trata apenas de asfaltar morros, mas também do direito ao transporte público, uma demanda ignorada há muitos anos. Para se ter noção da dificuldade vivida pelos moradores locais, Serra dos Alves conta com apenas uma linha de transporte por semana. Apenas na sexta-feira é atendida por um ônibus da Viação Santos que já ameaça retirar o itinerário semanal segundo alguns usuários.

Caso alguma pessoa local tenha a necessidade de ir até o Posto de Atendimento Médico mais próximo, que está localizado no Distrito de Senhora do Carmo, é preciso aguardar até a sexta-feira ou então desembolsar em torno de R$150,00 na contratação de um taxi alternativo, serviço esse feito pela boa vontade dos poucos que por aqui possuem veículos automotores.

Lembrando que falamos aqui de um atendimento programado e de posto de saúde. Mas se em Senhora do Carmo não é encontrado o atendimento necessário ou se a pessoa tiver urgência no atendimento, é preciso desembolsar R$250,00 para ir até Itabira.

Parque e acessibilidade

Moradores socorrem turista que se acidentou na cachoeira Dois Córregos

Uma outra intervenção do poder público foi a criação do Parque Municipal Alto do Rio Tanque e dentro dele a “estruturação” básica de uma trilha de acesso à Cachoeira Dois Córregos (popularmente conhecida como Coca-Cola).

Pois foi lá que nesse final de semana aconteceu um acidente com a professora de Português e Literatura, Carla Renata de Andrade Silva, 46 anos, de Belo Horizonte. A turista escorregou em um dos degraus da escada construída para o acesso à última queda da cachoeira, vindo a sofrer uma fratura no tornozelo, rompendo o ligamento.

O local é de difícil acesso e sua mobilidade foi comprometida. Foi preciso buscar alternativas para o resgate, dificultado também por não haver na comunidade qualquer instrumento ou estrutura para essa finalidade.

Mais uma vez foi preciso contar com a boa vontade e disponibilidade de alguns nativos e residentes na comunidade. Ao tomar ciência da situação Francisco Cabral, residente na comunidade, procurou pela ajuda de Geraldo Raul, nativo e um dos percussores das atividades de turismo na região. Juntos, munidos de corda e um carrinho de mão forrado com um colchão fizeram o resgate da professora Carla.

Exausto ao final dos trabalhos, Geraldo Raul desabafa:

– “Fico pensando que desde 1984, antes mesmo da consolidação do Parque Nacional da Serra do Cipó, a gente discutia sobre as intervenções nestes locais e na estruturação da comunidade para que se ter recursos para resgates, como também para combate à incêndios e outras precauções. Mas a situação continua a mesma desde então. Em outras localidades onde existe estrutura, o resgate é difícil, imagina para a nossa comunidade com menos recursos. O Centro de Atendimento ao Turista tem que contar com essa estrutura de suporte na orientação e serviços”.

No mesmo momento em que Geraldo e Francisco saíram para o resgate, Tamar Drumond acionou o Corpo de Bombeiros, o que foi feito com muita dificuldade, pois na Serra dos Alves também não contamos com o sinal de telefonia.

De favor, ela só conseguiu fazer a chamada às 15:00h. Mas a chegada da viatura só aconteceu por volta de 18:00h. E acabaram por encontrar com a professora Carla já sendo levada para Belo Horizonte, quando recebeu os primeiros socorros já na estrada.

É ela quem desabafa:

– “Quando decidimos visitar a Serra dos Alves, além de sabermos sobre a beleza da região, já sabíamos da falta de estrutura do local. Sabíamos que alguns lugares poderíamos visitar sozinhas, e outros precisaríamos de alguém da comunidade para nos guiar. Tínhamos a informação de que a trilha que levava à Cachoeira Dois Córregos, dentro do Parque Municipal Alto do Rio Tanque, poderia ser feita sozinha, pois havia uma estrutura básica que proporcionava o acesso. De fato, a estrutura existe com trilhas, escadarias, mirantes e sinalização, mas o parque não conta com nenhum funcionário ou pessoal de apoio, caso haja alguma emergência.”

E prossegue:

“Chegamos à última queda da cachoeira com uma certa facilidade, proporcionada pelos acessos, mas como acidentes podem acontecer em qualquer lugar, virei o pé ao descer o último degrau da escadaria. Sofri uma fratura, rompendo o ligamento do tornozelo direito. Sem conseguir apoiar o pé no chão, fiquei impossibilitada de subir de volta as escadarias e trilhas. Fiquei lá embaixo, enquanto a minha tia, que estava comigo, foi buscar ajuda. Como o parque não tem nenhuma estrutura – pessoal e técnica, a ajuda veio de maneira voluntária, de alguns moradores do vilarejo, o Geraldo, Francisco, Tamar e Carlos.”

A professora agradece a ajuda voluntária:

“Geraldo e Francisco serviram de apoio para que eu pudesse subir uma parte da trilha pulando com uma só perna. E quando não pude suportar o cansaço e a dor, eles me carregaram numa espécie de cadeira que fizeram entrelaçando as mãos, até chegarmos ao alto do parque. Lá no alto, onde as trilhas são um pouco mais planas, eles me carregaram em um carrinho de mão, cuidadosamente forrado com um colchão, para que eu tivesse um pouco de conforto, até a vila, onde fui recebida por Tamar e Carlos, que já haviam acionado o Corpo de Bombeiros.”

E reclama, com razão, do atraso no atendimento básico:

“O acidente aconteceu por volta de meio-dia. Só conseguimos chegar ao vilarejo às 16 horas, tamanhas as dificuldades deste resgate improvisado. O Corpo de Bombeiros só chegou às 18 horas, e fez os primeiros atendimentos na estrada, pois eu já estava a caminho de Belo Horizonte”.

Riscos iminentes

Cânions e cachoeiras são atrativos ao turismo, mas que demandam guias para o acesso ocorrer em segurança

Situações como essa podem se tornar frequentes por aqui diante do constante aumento do fluxo de turistas em nossa comunidade. É que apesar de serem orientados com relação ao acompanhamento de um condutor ambiental a determinados atrativos, muitos se aventuram por conta própria.

Atualmente a “Ponte de Pedra” e o “Complexo da Euvira” estão sendo muito procurados pela beleza incomparável. E muitos turistas estão seguindo informações e direcionamento por GPS e outros aplicativos.

O que muitos turistas não percebem é que esses acessos ficam dentro de Cânions com um risco imensurável de “Tromba D’água”. E é também onde vivem em sua natureza boa parte dos animais peçonhentos da nossa região, como cobras, aranhas, escorpiões, todos em seu habitat.

Daí que estamos muito preocupados com o que pode acontecer aqui nas temporadas de chuva, no verão principalmente, quando o número de turistas aumenta consideravelmente.

É preciso desenvolver uma campanha de conscientização para que o turista compreenda que nesses trechos não seguros para se aventurar sozinho. É mais tranquilo, seguro e barato contratar um condutor, para não correr o risco de se acidentar e ter de ser resgatado nesses locais.

Muitas empresas de turismo de Belo Horizonte estão vendendo esses passeios.  E não contratam os condutores da localidade para acompanhar os visitantes. É preciso que se conscientizem de que além de ser mais seguro para o turista, é também uma forma de contribuir com a economia da comunidade e com o respeito aos nativos que aqui residem e conhecem a região e seus refúgios.

Já são inúmeros os casos de acidentes e pessoas que se perdem pelo caminho quando utilizam os aplicativos.

Diante do que foi exposto, e ao final desse relato sobre o fim de semana, mais uma vez, em nome da comunidade, pelos que aqui residem e também nos visitam, ressaltamos a necessidade de se agir com urgência no que se refere à estruturação da Serra dos Alves. Isso para que possamos receber os turistas com segurança e, principalmente, para que os moradores possam viver com dignidade.

Comunicação 

Cachoeira dos Cristais, já no Parque Nacional da Serra do Cipó

É preciso sair do diálogo e definitivamente efetivar as ações. Para tanto, nós que vivemos na comunidade estamos dispostos a ajudar no que for preciso, mas não é sempre que todos estarão disponíveis para suprir as necessidades que não são de nossa responsabilidade.

Estamos organizados com representação jurídica legal e dispostos a desenvolver atividades em parcerias, por meio de convênios municipais, dando a possibilidade assim de termos disponíveis pessoas para o desenvolvimento de atividades educacionais e culturais, assim como dispor de profissionais capacitados para o atendimento de urgência, quando necessário, mantendo-se em plantão durante os períodos de maior procura e demanda turística.

Já o turista que vier à Serra dos Alves deve estar ciente de que além das belezas naturais, tão expostas nas redes sociais, vai encontrar a ausência de transporte público, sinal de telefonia, atendimento médico e de primeiros socorros. Isso, pelo menos enquanto os nossos administradores não tomam as providências necessárias e urgentes, já que falam tanto em incentivar o turismo no município.

Transporte 

Cachoeira no Complexo da Euvira: beleza natural que encanta o turista, mas acesso deve ser com guia local

Quanto ao transporte público, sugerimos que seja criado uma rota pelo menos três ou quatro vezes por semana, saindo de Senhora do Carmo, passando por Serra dos Alves (Bongue e Serra dos Linhares), Ipoema e retornando a Senhora do Carmo.

A mesma rota poderia ser feita saindo de Ipoema, não necessariamente por veículos de grande porte. Isso atenderia uma séria de povoados na região que sofrem da mesma demanda e não vemos isso como algo muito difícil de se resolver.

Até mesmo as vans que atendiam o escolar poderiam ser utilizadas para esse fim, mediante o pagamento de passagens, definindo-se um valor justo que atraia quem queira e venha a ser credenciado a prestar o serviço pela Prefeitura.

Viabilizar o transporte é de certa forma também um meio amenizar o problema ao acesso ao atendimento médico e de urgência. E nos assegura o direito constitucional de ir e vir, facilitando o acesso aos itens básicos de sobrevivência.

Além do transporte, o sinal de telefonia é outra demanda urgente, para atender ao direito dos cidadãos daqui e aos turistas. Sem dúvida auxiliaria também nos trabalhos dos brigadistas dos Parques Nacionais, Estaduais e Municipais na nossa região, assim para o atendimento aos primeiros socorros, os trabalhos da polícia militar e da segurança pública.

Na expectativa de que tudo melhore e seja ainda mais justo, nós moradores da Comunidade da Serra dos Alves e seu entorno, somos gratos pela atenção, na expectativa do atendimento às nossas solicitações. Por fim, esperamos que o poder público tenha um olhar mais crítico para a nossa realidade.

*Carlos Henrique Moura Andrade é presidente do Instituto Bromélia e escreve em nome da comunidade da Serra dos Alves.

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4 Comentários

  1. O turismo é praga danina é também muito inconsequente os urbanos atrapalharam a vida de quem viveu no sossego. É exibição do dinheiro co atrair aquelas casas de gosto duvidoso em território de simplicidade. For a o turismo!

    1. O problema não é o turismo, mas a organização da coisa.
      Tem que ter estrutura, senão realmente não dá.
      Mas a desorganização e falta de estrutura da região são muito decepcionantes.
      Eu adoro os Alves, mas desse jeito não tem condições.

  2. O turismo, como disse Cristina, sempre estraga esses lugares e o sossego que havia ali.
    E o relato do Cabeça a respeito da Serra dos Alves é muito válido para quem for passear ali ou se aventurar nas ribanceiras do local.

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