o golpe o crack e eu – 1 …afinal…*

Cristina Silveira**

o mais profundo é a pele, é uma frase do poeta Paul Valéry. Eu sinto o profundo do golpe de estado e do crack, na minha velha pele enrugada.

o crack a mim aplicado, como generosidade, me veio de gente fina, o mesmo perfil da camarilha que golpeou a presidenta eleita, dilma vana rousseff. a repetição. a repetição. a repetição.

O Grito, tela de Edvard Munch (1863-1944)

golpe e crack são iguais. pelejas mortíferas. violentam, sangram, dilaceram o espírito das pessoas. eu nunca vi nada igual. o crack não é contagioso, mas é contagiante. o golpe contamina. golpe e crack coisificam as pessoas.

me involucrei* com o crack e nunca vi de perto uma pedra; agora, o efeito eu conheço e posso afirmar que é prazer instantâneo, prazer veloz, prazer liquido, como água infiltrada vazante, Ele corrói o dentro, desfigura o fora, aterra o entorno da vida da pessoa Contaminada (não tenho certeza da palavra, nem sei se posso me afeiçoar a ela, o tempo dirá).

como no golpe, o crack usurpa a ética-estética, a moral do outro. o parente/psdb  vende a petrobrasa preço de banana (socorro, monteiro lobato); na boca, uma dúzia de bananas vale uma pedra. bananada geral! mas, se for um relógio, mesmo não sendo o rolex do marido da angélica, vale várias pedras pra se fumar de boa e chegar no pancadão até a Busca Insaciável do Prazer (bip-bip do jaguar no pasquim).

como no golpe, o crack deixa o cidadão à mingua, sem comida; corrompe-lhe a dignidade; tira o sossego da gente, não se dorme com Ele.é preciso tá ligado pra consumir Tudo, não se guarda pro dia seguinte. as pessoas Contaminadas cultivam devoção religiosa à droga suprema. amor demais … perigo iminente.

“homens e ratos”. a pessoa Contaminada é prisioneira perpétua, “assombrado pelo crack”. é jurada de morte, condenada de morte cruel-desumana. a pessoa Contaminada é desprezada, hostilizada por aquelas pessoas golpistas, pelas pessoas honradas, pelas pessoas distintas, pelos respeitáveis. … afinal, vermelhos democratas bundinhas desprezam as pessoas Contaminadas.

a falta que faz a presidenta eleita, é insulto a nação brasileira. a abstinência do crack é lancinante. o corpo transmigra pra dentro do feto, se enrola abraçado nas pernas; contorce os músculos estalando dores dos órgãos e das juntas; corpo aprisionado no tormento mental de todas as profundezas humanas.

golpe de estado é barbárie, crack é barbárie. mas não se pode fugir destas duas pragas, deve-se combater e combater sem trégua, dado que é possível vencê-las. as pessoas quando ouvem a palavra crack tem ataque quase epilético; desde que estou involucrada com esta droga, sou um objeto de repulsa, criminalizada, castigada; julgam, porque julgar é mais fácil do que pensar.

não se deve ter medo nem desprezo pelo crack, Ele movimenta fortunas em dinheiro vivo, lavável em armas de fogo e drogas tarja preta; é uma poderosa arma do capitalismo, a velha fórmula venal: violência (medo) + medicamentos (dependência) = controle de mentes pela indústria bélica-fármaco, é a geopolítica dos psicotrópicos. crack é rivotril de pobre.

não é propriamente kafka, talvez se possa dizer que é um kafka das bananeiras o meu julgamento pelo comércio dedrogas diversas, num território em que o comando é de uma mulher. o rito do tribunal:

a. o julgamento se dá na rua, na calçada, debaixo do poste de luz (aconteceu entre 12-13h da tarde de um domingo de sol escaldante de carnaval);

b. as partes ficam tête-à-tête, podem falar, interromper, insultar, expressar o ódio, ameaçar de morte, no vale tudo as partes se manifestam;

c.um chefe da boca, representa, digamos assim, um juiz de piso, como o savonarola da lava jato. massavonarola perde pro juiz da boca nos quesitos respeito às leis (talião ou cf/88) e sobretudo perde em harmonia;

d. ao lado do juíz, silencioso e observador se acomoda o banqueiro informal da boca, é o ator principal na processualística, o que ele fala é praticamente a sentença, o juíz apenas chancela e determina a pena, e, que não se ouse a desobediência, tá ligado;

e. depois destes principais, a vizinhança curiosa cerca a roda, isto posto, o julgamento acontece sem delongas, sem púlpito, sem toga.

fim do rito: tive a graça da absolvição e a pena das “custas”, paguei 200 real. não tive medo, tive raiva, mas o alerta de infância me veio a memória: cala boca jacaré, senão saci vem te pegá. Sentença dada, a mando do juíz, retirei-me do local. inspirada em dilma vana, caminhei altiva, destemida no caminho pra praça onze em direção do monumento a zumbi dos palmares, aos seus pés deixei o sol encardir a minha absolvição e derrota, irrefutáveis.

… afinal …

me faça me rir os que negam o governo paralelo. em territórios empobrecidos, o nem da favela da rocinha, era o cara; em territórios grã-finos o aike batista, da comunidade da gávea, é a celebridade. nem da rocinha tinha gato-light em sua laje – só vendo a vista -, o eike tinha gato-ceda e em sua mansão. pois sim!!!

neste involucrado de crack que a mim pertence, uma única pessoa não diz não pra minha resistência ao crack. é uma pessoa de fé e luz que tem o desprendimento de estar comigo, e melhor, é vermelha da esquerda populista igual eu.

Que horas são?

afinal* – noutra momento escreverei sobre …afinal…

involucrei* – involucrar – “quando alguém se envolveu numa situação, termo espanhol –  numa causa, ou está envolvido com outra pessoa, um espanhol dirá que se involucró, que está involucrado” (v. linguística, Fernando Venâncio).

** Cristina Silveira é correspondente da Vila de Utopia, sucursal do Rio

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