O falecimento do padre Quintão
Comunicado epistolar da Agência Brasileira, por Carlos Drummond de Andrade
Segunda-feira, 28 de julho faleceu na cidade de Itabira o padre João Borges Quintão. O fato merece mais do que um simples registro, visto como o padre João Borges era uma das figuras mais interessantes do clero brasileiro, tanto pelo talento natural, como pela erudição múltipla e bem orientada. Foi, mesmo, um de nossos maiores eruditos. Conhecia a fundo a letras clássicas, e interessava-se pelas modernas.
Sua casa era um armazém de livros e no meio desses havia edições “príncipe” de Vieira e Bernardes, havia os gregos, os latinos, os doutores da igreja e os autores da renascença. Obras profanas e religiosas namoravam-se na estante do padre Borges. Era extremamente modesto, ou melhor, extremamente humilde. De sua humildade se contam exemplos impressionantes. Inteligente, sábio, generoso e ilustre sacerdote era admirado e querido de todos.
Mas havia um romance na existência do doce velhinho, romance que lhe sobrevive, e não se sabe ao certo como acabará: o padre Borges era casado. O fato pode ser contado em poucas linhas. Sacerdote virtuoso como os que mais o vejam, João Borges foi sempre um modelo de virtude cristã.
Exercendo o seu ministério no Rio, viu-se um dia confessor de um asilo de órfãos. Alí por uma dessas inexplicáveis armadilhas do destino, o amor veio colhê-lo. Uma jovem exilada apaixonou-se por ele, que era casto e não era belo. Uma tempestade desencadeou-se no espirito do pobre homem, que acabou pegando de suas insígnias sacerdotais e devolvendo-as ao bispo. Renunciou dest’arte à batina. Feito isso, lisamente, honestamente, tratou dos papeis para o casamento civil, e casou-se.
Começou aí a tristeza de um lar paupérrimo, onde inúmeras vezes faltou o pão, mas onde nunca faltou a esperança. João Borges, vestido como um homem qualquer, envelhecido mais pelos golpes da vida do que pelos do tempo, pôs-se a ganhar o sustento da família dando lições. Deu-as no Rio, em vários colégios e depois em algumas cidades do interior de Minas.

Por último, foi ter a Itabira onde tinha parentes e amigos. Nessa cidade do nordeste mineiro foi professor das mais diversas disciplinas no Colégio Sul-Americano. Trabalhou três anos sem cessar. Quando lhe davam oportunidade fazia defesa no júri, que pouco ou nada lhe rendiam. E mal lhe remuneravam um desses serviços, João Borges, índole cavalheiresca, reunia em torno de uma mesa tosca um grupo de amigos, para festejar a absolvição do réu…
Dizem que, integrado na vida secular, por mais de uma feita, recebeu propostas para abandonar a família, cuja a subsistência ficaria garantida, e voltar ao claustro. Recusou-as de animo resoluto, como antes modestamente recusara, por duas vezes, o anel de bispo, a que fazia jus pelos seus méritos indiscutíveis.
Ultimamente, o padre Borges, como ainda o chamavam, era uma ruina de homem. Com 50 e poucos anos de idade, parecia ter 80. Doente do peito, foi pouco a pouco perdendo a voz, e afinal, inteiramente afônico, já não podia lecionar nem ir à tribuna de júri.
Recolhido ao Hospital Nossa Senhora das Dores, alí passou algumas semanas, fechando os olhos, segundo informações de boa fonte, longe da mulher e dos quatro filhinhos, que as autoridades religiosas não permitiram que o fossem ver, nem mesmo depois de morto.
Esse espantoso sequestro […], adiantam as informações, provocou uma revolta geral. Reprovando o ato infeliz, a cidade inteira levou o corpo ao cemitério, onde o próprio vigário da paroquia, entre outros oradores, pronunciou palavras de adeus ao padre João Borges.
E agora pergunta-se: qual o destino tomarão a sua jovem viúva e seus quatro filhinhos deixados na miséria.
[mcs, pela transcrição do Diário da Noite, 9 de agosto de 1927; BN-Rio]
Uma nota fúnebre possível de se transformar em espetáculo teatral. imagino cenário com pouquíssima luz alumiando uma grande biblioteca pra gregos e latinos sorrirem, e o melhor, não teria o barulho e a poeira da CVRD/Vale, não existia o estorvo que transformou a Cidadezinha numa “Cidade infeliz”.
Viva o padre João Borges, um iluminado que passou pela Cidadezinha e teve como cúmplice o poeta Drummond.
Maria Cristina Velha-Vermelha Silveira, você é demais.
Drummond, o Carlos de Andrade, também.
Se não fosse você…
Se não fosse a Vila de Utopia para publicar…
—demais, simplesmente na complexidade do simples, demais
Maria Cristina Velha-Vermelha Silveira, você é demais.
Drummond, o Carlos de Andrade, também.
Se não fosse você…
Se não fosse a Vila de Utopia para publicar…
—demais, simplesmente na complexidade do simples, demais
Carlinhos e Cristina. Juntos ou em separado vocês dois fazem nascer e renascer Itabira. Ou melhor, me fazem nascer e renascer em Itabira .
Gracinha, você aqui na Vila, entre por favor!!
Querido Procópio, que bão você curtir a publicação. Em minhas pequisas tenho encontrado muitos Monteiros e o aquele nosso amigo, o Trajano, o velho, não o novo, que é o teu. Ricos e poderosos todos eles e, mais, todos letrados.
Imagine: um partido operário na Cidadezinha em 1891 discursando na Câmara? Aguarde…
Sinto saudade de você, muita falta, muita saudade….
Eu sou sua neta.
Filha de João Maria Cotrim Quintao seu filho mais velho, que veio a falecer em 1998. ♥️
Eu sou neta do padre João Borges.
Filha de Joaquim. Maria Cotrim Quintão, falecido em setembro de 1970.