O episódio da cadeirada: porque rimos da baixaria política
Imagem: Reprodução/ TV Cultura
Sucesso da cadeirada no debate revela a cultura brasileira de rir das desgraças. Entenda como isso reflete nossa sociedade e o impacto na política
Por Montserrat Martins
EcoDebate – Deveríamos estar falando sobre as queimadas, assunto sério, ou sobre algo mais leve e agradável, mas essa semana iniciou e foi dominada completamente pela cadeirada no debate em São Paulo. Algo que deveria nos deixar tristes, mas que, na cultura brasileira, se tornou uma fonte inesgotável de humor, de memes em profusão.
Se você não recebeu nem repassou memes sobre a cadeirada do Datena no Marçal, você não é tipicamente brasileiro, talvez tenha influência de outras culturas, porque para o brasileiro médio esse foi o assunto irresistível da semana.
Quem leva as coisas mais a sério acha horrível rirmos das nossas desgraças – e a baixaria na política com certeza é extremamente lamentável – mas essa é uma característica nacional irrefutável.
Nosso povo é descrito como alegre, desorganizado e com “complexo de vira latas”, ou seja, somos um povo que fala mal de si próprio, “só no Brasil mesmo” é uma frase que representa esse complexo de inferioridade diante dos europeus, nossos colonizadores há 500 anos mas que ainda influem em nosso modo de nos vermos.
Rirmos das nossas desgraças é a face mais amena do complexo de vira-latas, porque levar a vida muito a sério seria muito estressante e conduz as pessoas, inclusive, a desenvolver formas rígidas de pensamento e de comportamento.
Sabe o chato da turma, que fica corrigindo os outros e dizendo que todos deveriam se comportar como a professora manda? As pessoas organizadas são muito necessárias, geralmente as mais produtivas, mas também as mais estressadas, chamando as responsabilidades para si.
O ideal é um equilíbrio entre leveza e responsabilidade, excessos podem tornar uma pessoa em obsessiva ou, no outro extremo, a se tornar desorganizada e irresponsável.
Sim, tem razão todas as pessoas que lamentam o episódio de violência, como demonstração de incivilidade, de atraso de nossa sociedade. Se formos mais longe, a violência política é uma ameaça para a própria democracia.
Mas, falando sério também, o episódio específico entre Datena e Marçal não foi de fanatismo ideológico e sim uma espécie de “teatro político” estimulado para atrair a atenção para os dois, em busca de aumentar seus índices na pesquisa.
Marçal, vítima no episódio, pousou no leito do hospital, mas estava com a pulseira verde, que indica falta de gravidade da situação, ou seja, ausência de maiores riscos à sua saúde. E Datena, cuja defesa é agir sob a emoção dos ataques morais sofridos, também precisava de visibilidade.
No Brasil, mas não só aqui, a violência verbal – e no extremo, física – ainda é campeã de audiência.
*Montserrat Martins é Psiquiatra.